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‘Boom’ imobiliário privilegia só forasteiros em Diadema

Enquanto não há projetos de baixa renda, empreendimentos privados de grandes valores estão em alta no município

Por Júnior Carvalho
especial para o Diário
03/08/2015 | 07:07
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Nario Barbosa/DGABC


Apesar de a falta de moradia ser um problema antigo, Diadema assiste hoje a crescimento desenfreado de empreendimentos imobiliários privados cujos preços não se enquadram na renda da maioria das famílias do município, que ganham entre dois e cinco salários mínimos – os dados são do IBGE (Instituto de Geografia Estatística). Geralmente, os valores atraem compradores de cidades vizinhas.

Mesmo com déficit habitacional (que chega hoje a aproximadamente 13 mil famílias sem teto, segundo estimam os movimentos de moradia), Diadema virou a queridinha do mercado imobiliário nos últimos anos. De 2011 para cá, foram 4.733 unidades privadas lançadas na cidade, aponta levantamento feito pela Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC), ou seja, 14,88% do total de apartamentos privados lançados nas sete cidades nos últimos quatro anos (31.804 unidades).

Diadema abriga 409.613 moradores e tem a maior densidade demográfica do Estado de São Paulo. Esse cenário também coloca a cidade como a segunda do Brasil com maior aglomerado de habitantes por quilômetro quadrado: 12,5 mil residentes/km². A morosidade nas políticas de habitação do governo do prefeito Lauro Michels (PV) levou, recentemente, a ocupação em terreno no Jardim Inamar por cerca de 300 famílias.

Após manifestações pelas ruas e na Câmara, grupo liderado pelo MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) conseguiu garantias da administração de que o impasse será solucionado. As negociações começaram em 2013 e ainda não há conclusão. “Morava de aluguel. Ganhava R$ 700 por mês e tinha de pagar R$ 500. Ficava complicado colocar comida dentro de casa. Enquanto isso, a gente vê tanto terreno vazio por aí, cheio de lixo e entulho. Como se o lixo fosse mais importante que a gente”, disse a auxiliar de limpeza Luzimar Pereira de Almeida, 29, uma das integrantes da ocupação no Inamar.

Na região central da cidade, na Avenida Sete de Setembro, um empreendimento privado está prestes a ser entregue. Com área total de 10,6 mil m², o espaço comporta cinco torres. Preço médio do apartamento: R$ 400 mil à vista (65 a 105 m²). O negócio não permite financiamento por meio de programas habitacionais e requer entrada de pelo menos 25% da quantia. O corretor admite que os moradores de Diadema não estão entre os principais interessados. “A maioria é gente de fora, de Jabaquara ou de Interlagos”, afirmou. O Diário conversou com o corretor sem se identificar.

Para o coordenador da Cátedra de Gestão de Cidades da Universidade Metodista de São Paulo, Luiz Silvério, a especulação imobiliária “é difícil de controlar”, mas ressalta que as prefeituras precisam intervir. “A terra tem uma função social. Não é para especular, é para atender essa necessidade social”, explica. O especialista completa que é necessário que os governos não pensem apenas em erguer moradias. “É preciso haver visão integrada. Tem de construir escolas, hospitais, cuidar do transporte e da segurança”, avalia.

CONTRAPARTIDA - Somada à especulação imobiliária está a não realização de compensações urbanísticas, exigidas pelo Plano Diretor municipal em caso de construções de novos prédios. Em abril, o Diário mostrou que a Prefeitura de Diadema e a Tecnisa ignoraram lei municipal que determinava a abertura de rua como forma de contrapartida pela construção de empreendimento imobiliário, no bairro Piraporinha. A Câmara segue investigando o caso.

A Secretaria de Habitação de Diadema, gerida por Eduardo Monteiro, informou que, atualmente, há 16 empreendimentos verticais sendo erguidos. Isso representa cerca de 4.000 novos apartamentos. A administração informou também que há 1.000 famílias no programa de auxílio moradia.

Desde o início do governo, o prefeito Lauro Michels entregou 954 unidades populares. com recursos dos governos federal e estadual. Todos os empreendimentos já tinham sido negociados por seu antecessor, Mário Reali (PT, 2009-2012).
Colaborou Vanessa de Oliveira

Cota solidária de São Paulo tem de ser copiada, diz especialista

A alternativa dada pela coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Fundação Santo André, Sandra Malvese, à especulação imobiliária e ao crescimento do déficit habitacional nas grandes cidades é a chamada cota de solidariedade, implementada na Capital recentemente pelo prefeito Fernando Haddad (PT).

A medida prevê destinação de unidades habitacionais para a população de baixa renda em grandes empreendimentos imobiliários erguidos na cidade. “Isso tem de ser copiado”, diz a especialista, ao completar que a existência de leis específicas que regulamentem o uso da terra para a construção de moradias de interesse social é indispensável para garantir habitação para a população pobre.

“Se não fossem as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), não haveria nem terra para a produção de habitação para o público de baixa renda”, analisa. Sandra também destaca a questão da falta de ZEIS vazias em Diadema e no Grande ABC. “Praticamente não há área livre na região. Em Diadema, não tem. Em toda essa trajetória de luta por moradia, quase 1 milhão de m² foi destinado para habitação de interesse social na cidade, que foi uma das primeiras a adotar essa política.”

Meire Borges Gomes de Souza, 38 anos, comprou um apartamento no Centro de Diadema no ano passado. Ela, que curiosamente hoje é corretora de imóveis, reconhece os altos valores e conta que ficou quatro anos para sair do aluguel. “Eu e meu marido pagávamos um aluguel razoavelmente barato, mas tivemos que guardar um dinheiro durante uns quatro anos para poder ter boa quantia para usar como entrada no apartamento”, relata. “É muito burocrático. Achei um abuso ter de gastar R$ 10 mil só com documentação em cartório ”, afirma. “Meus vizinhos são todos de São Paulo, poucos já moravam em Diadema.”

Experiências traumáticas na história

Em todo o histórico de luta por moradia em Diadema, dois episódios ocorridos há mais de 20 anos causaram trauma para os movimentos, mas resultaram em ações de habitação pioneiras na cidade.

Em 4 de agosto de 1989, há 26 anos, cerca de 300 famílias escreviam a história do Buraco do Gazuza, nome dado a uma ocupação em alusão ao sobrenome do proprietário da área, Garzouze. Apesar de existirem planos da prefeitura para construções de unidades para a população pobre naquela área, setores do movimento de moradia, incluindo militantes do próprio PT – que governava a cidade na época – decidiram ocupar o local.

A decisão gerou racha no Paço, governado pelo então petista José Augusto da Silva Ramos (hoje no PSDB e atual secretário de Saúde na cidade) e culminou em intensa intervenção da tropa de choque da Polícia Militar para a retirada das famílias.

Apesar do conflito, a luta resultou no primeiro projeto de construção de moradias populares verticais em regime de mutirão no Brasil e levou o governo federal a financiar, pela primeira vez, projetos habitacionais em Diadema. Total de 180 apartamentos foram construídos no Gazuza, por meio da Caixa Econômica Federal.

Em 1990, nova ação truculenta da PM durante reintegração de terreno, na Vila Socialista, no Jardim Inamar, gerou marcas. Foram diversos feridos, três mortos e um coquetel molotov (bomba caseira) decepou a mão direita do então vereador Manoel Boni (PT). A despeito do trauma, pela primeira vez na cidade o governo estadual financiava construção de moradias populares: 500 unidades, com a ajuda do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).

Na década de 1990, a luta por moradia em Diadema intensificou e o direito ao teto passou a não ser reivindicação única. A briga por saneamento básico entrou na pauta e a administração teve de municipalizar o serviço, criando a Saned (Companhia de Saneamento de Diadema). A autarquia foi extinta no ano passado após acumular dívidas desse processo. 




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