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Vazias, escolas de samba agonizam na pandemia

Pontos de encontro das comunidades, quadras agora servem de apoio a quem tem fome

Por Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
13/07/2020 | 00:20
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Claudinei Plaza/DGABC


Embaixo do Viaduto da Saudade, em Mauá, repousam artigos que já fizeram a alegria de muito carnavalesco da região. O espaço acanhado é sede da União das Escolas de Samba de Mauá e da Liga das Ligas do Grande ABC. É tudo o que sobrou de lembrança dos memoráveis desfiles de rua que não acontecem em nenhuma das sete cidades desde 2017. O cenário de incertezas quanto ao futuro se agravou nos últimos meses, desde a chegada da pandemia. Além de ter ficado mais difícil retomar as festas populares, as quadras das escolas, antes cheias de eventos sociais, agora estão vazias ou ocupadas por moradores das comunidades em busca de ajuda.

As prefeituras do Grande ABC cancelaram o Carnaval nos últimos anos como medida de contenção de gastos para a manutenção dos investimentos em áreas consideradas prioritárias, como saúde e educação. A promessa era que fosse criada programação mais enxuta, mas, na prática, a Folia se resume em blocos de rua. Os tão saudosos desfiles resistem na memória.

O que já era difícil para se manter, com a pandemia piorou. Como forma de sobreviver financeiramente, algumas escolas promoviam festas nas quadras para entreter a comunidade, mas esses eventos foram cancelados para evitar aglomerações. Sem dinheiro, agremiações ainda viram aumentar as demandas sociais das comunidades nas quais estão inseridas.

A presidente das escolas de samba do Grande ABC, Meire Terezinha da Silva, comenta que nas sete cidades existiam cerca de 40 escolas de samba. Hoje, esse número pode ter caído pela metade – média de duas a três escolas fechadas por cidade –, pois não conseguiram sobreviver. “As escolas que possuem uma quadra ainda conseguem se manter, justamente pela possibilidade de realizar eventos e festas. As que não têm, fecham, não conseguem se manter”, explica.

Meire lamenta o cenário. Apaixonada por samba, a dirigente destaca que as agremiações são muito mais do que desfiles. “Uma tristeza, as escolas também são pontos de cultura, de conversas e convívio sociais”, comenta a presidente.

A dirigente abriu as portas das organizações que comanda para receber doações e entregar pelas comunidades desde o início da pandemia. Ela também organiza campanhas para doação de sangue, que continuaram durante o isolamento físico. Todas as quartas-feiras, uma equipe se reúne em frente à sede da liga, em Mauá, na Avenida da Saudade, e vai até o Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André. Além dessa iniciativa, o local arrecada e entrega roupas e cestas básicas.

“Conforme chega para nós alimentos separados ou em forma de cesta básica, nós conseguimos separar e atender diversas famílias. A fome tem pressa, então recebemos às terças e às quintas-feiras e, no dia seguinte, saímos para entrega. Foram mais de 430 cestas, tudo com ajuda de pessoas que já nos conheciam, onde entregamos a famílias que estão precisando”, finaliza Meire.

SANTO ANDRÉ
Presidente da Escola de Samba Seci, na Avenida das Nações, em Santo André, Ricardo Bastos Pereira, conhecido como Ricca, comenta que antes da pandemia os eventos, como shows movimentavam os projetos sociais gratuitos, como as aulas de bateria e zumba, para população da região. O carnaval de rua também fazia parte da programação da escola.

Foto: Divulgação/ Foto tirada antes da pandemia em uma das aulas oferecidas no local.

“A unidade já era um ponto de doações de roupas e alimentos, o que agora foi intensificado. Durante a pandemia, ainda não temos soma de quantas famílias já beneficiamos, mas são muitas e, em diferentes perfis, inclusive, pessoas que sempre doava, hoje, precisa de doação”, comenta Ricca.

No pós-pandemia, o presidente espera dias melhores para o samba. “Quando a pandemia dar trégua, gostaríamos que as escolas de samba fossem conhecidas com outros olhos.Sempre nos mobilizamos por uma boa causa e agora, na quarentena, ainda mais, vai muito além das festas e eventos.”

Cenário é incerto até em SP e RJ

Em fevereiro deste ano, o Diário mostrou histórias de moradores do Grande ABC que migraram das escolas de samba de suas cidades para as da Capital, como alternativa de participar dos desfiles e matar a saudade da festa popular.

Porém, para 2021, a incerteza também afetou o evento nas esferas estadual e nacional. A Rede Globo, emissora de televisão dona dos direitos de transmissão e uma das principais apoiadoras do Carnaval paulistano e também do carioca, suspendeu o pagamento das escolas de samba do grupo Especial de São Paulo e Rio de Janeiro. O motivo é a incerteza sobre a realização do evento, diante da situação atual da pandemia pelo novo coronavírus.

A situação mudou os planos das escolas, que neste momento do ano já intensificavam a preparação para montagem dos carros alegóricos e planejamento para a produção das fantasias. Sem o apoio da televisão, dirigentes acreditam que a festa fica inviável porque perderiam a visibilidade que atrai dezenas de patrocinadores.

CENÁRIO REGIONAL

Presidente da União das Escolas de Samba de Mauá e da Liga das Ligas do Grande ABC, Meire Terezinha da Silva diz que a situação do Carnaval regional para o ano que vem ainda é imprevisível, isso porque não é possível iniciar o planejamento dos encontros sem a certeza de quando poderão realizar eventos com mais pessoas novamente, diante dos cuidados e dos riscos trazidos pela pandemia do novo coronavírus.

“Ainda não começamos a dialogar com as entidades carnavalescas da região. Só depois que tivemos a certeza dessa condição, de receber um público maior, podemos sentar e conversar sobre o que poderá ser feito, inclusive, saber quais escolas ainda estão na ativa ou não. A princípio, estamos sem nenhuma expectativa para 2021”, lamenta Meire.

Já o presidente da Escola de Samba Seci, na Avenida das Nações, em Santo André, Ricardo Bastos Pereira, conhecido como Ricca, confia que em 2021 as coisas possam ser diferentes. “Gostaria que as administrações municipais pudessem nos ajudar, não só no sentido do Carnaval, mas em todas as outras ações que desempenhamos. É muita gente envolvida, direta ou indiretamente, e muita gente que depende disso. É uma área cultural que se desdobra para todo mundo”, avalia o dirigente carnavalesco. 




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