Para Fabrício Boliveira, é difícil fazer uma simples caminhada no Jardim Botânico do Rio. Além das pessoas que o abordam para tirar fotos, de um lado ele ouve de um menino: "Didu, você estava chapado na novela". Enquanto outro garoto grita: "Didu, dá a mala de dinheiro para mim". São manifestações que mostram o sucesso de seu personagem na novela das nove da Globo, A Favorita. "Sou tranqüilo, aberto, então as pessoas sempre se aproximam de mim", conta o ator, com um sorrido no rosto. Como filho de um deputado corrupto que procura encontrar o melhor caminho para tocar a vida e se livrar do alcoolismo, Fabrício faz o trabalho mais popular de sua carreira. Este baiano de 26 anos iniciou sua carreira no teatro, em Salvador. E no cinema, fez o longa A Máquina, de João Falcão. O ator não esconde a satisfação com o reconhecimento do público, mas garante não se deslumbrar. "Meu contrato é por obra e com o fim da novela fico sem emprego fixo. Mas quero fazer cinema, teatro. São tantos desejos que nem penso na instabilidade da profissão."
Você fez um escravo em Sinhá Moça e depois o Saci no Sítio do Picapau Amarelo. Em A Favorita, seu personagem pertence a uma família rica, situação incomum para os atores negros na teledramaturgia. Como você avalia essa mudança?
FABRÍCIO BOLIVEIRA - É um retrato raro na teledramaturgia, mas que existe na realidade. E esse é um dos méritos do autor João Emanuel Carneiro. Ter colocado uma família negra e rica de maneira natural na novela. Eu não ando questionando todos os dias a minha questão racial. E as pessoas que se relacionam comigo também não me vêem só pela minha cor. Esse é só um detalhe. É importante que a TV mostre negros de todos os tipos. Ricos, pobres e com ou sem caráter.
No início da trama, o Didu era um inconseqüente. Mas no decorrer dos capítulos, o personagem está tentando ser mais centrado. Como o público responde às suas transformações?
BOLIVEIRA - Nas ruas, as pessoas sempre gostaram do Didu. Quando ele foi candidato a prefeito na novela, tinha gente que dizia que ele deveria ser eleito. Mesmo com o problema do alcoolismo, todo mundo sempre viu o personagem como um cara legal. Encaravam o álcool como uma válvula de escape. Muita gente fala que os vilões são os personagens mais amados e questiona a sociedade em que a gente vive. Eu não vejo assim. O Didu é um personagem que está sempre avaliando seus atos e se reconstruindo. Não é o bonzinho chato. Ele tem vários defeitos, mas as pessoas gostam muito. É assustador o fascínio que um trabalho na TV exerce no público.
Assustador por quê?
BOLIVEIRA - Porque as pessoas têm a necessidade de ter alguém para se espelhar, um herói, alguém como impositor de opinião e costumes para copiar. A cópia é até válida, mas não centralizada naquilo que uma única pessoa lhe impõe. A profissão do ator é para questionar as pessoas e não impor nada a elas. Sou sujeito a falhas, erros e me dá medo essa coisa das pessoas se espelharem no ator como exemplo. A TV no Brasil virou referência de costumes, de hábitos. Deixou todo mundo igualzinho.
É uma crítica bem direta a um veículo de comunicação em que você atua...
BOLIVEIRA - Acho que a teledramaturgia tem de se voltar mais para o popular porque o Brasil tem muitos cantos. O diretor Luiz Fernando Carvalho faz um pouco disso, vai buscar talentos em outros lugares. Mas ainda é pouco. Está tudo muito centrado nos grandes centros urbanos. A gente não vê o Norte do Brasil na TV, por exemplo. Visitei Belém do Pará e as pessoas me perguntavam como é que está o País. Isso porque elas não se sentem inseridas. Não se vêem representadas. Para sair da mesmice e dos mesmos formatos, seria legal expandir a produção de teledramaturgia para outros cantos do Brasil.
E como você, um ator baiano com formação teatral, entrou no universo da TV?
BOLIVEIRA - Eu fazia campanhas publicitárias em Salvador e já estava juntando minhas coisas para tentar alguma coisa no Rio quando pintou o teste para Sinhá Moça. Eu já tinha participado de um episódio de Cidade dos Homens no mesmo ano. De lá para cá foi rolando um trabalho atrás do outro e fui ficando. Quando terminar a novela estou sem um emprego fixo. Mas tenho vontade de fazer tantos projetos que isso não me angustia. Faz parte do meu trabalho ter de correr atrás do que quero.