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O seu descarte é consciente?

Responsabilidade compartilhada na destinação do lixo ainda é desafio

Por Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
24/06/2018 | 07:00
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André Henriques


Cada vez mais, estudos internacionais apontam os impactos ambientais negativos da falta de destinação final adequada de resíduos sólidos, popularmente chamados como secos e com potencial imenso de reaproveitamento, caso dos plásticos, vidros e papeis, por exemplo. Apesar de o problema ser latente, não tem recebido a atenção devida pelos diversos setores da sociedade. Exemplo disso é que, em quatro das sete cidades (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires), das 678,9 mil toneladas de lixo urbano produzidas no ano passado, apenas 16,54% do material não tiveram como fim os aterros sanitários.

O descarte inadequado dos resíduos (em Santo André, por exemplo, 105 mil toneladas de lixo aterradas em 2017 tinham potencial de reciclagem), somado ao baixo percentual de reaproveitamento e à tímida participação do setor industrial no processo, culmina em impactos financeiros (a região gasta, em média, R$ 260 milhões por ano com a gestão do lixo) e ambientais, tendo em vista os inúmeros problemas de descarte irregular de resíduos já denunciados pelo Diário entre as sete cidades, os ‘minilixões a céu aberto’.

“Os custos do lixo são altos,com coleta, caminhões, funcionários, manutenção do aterro, e é o munícipe quem paga”, observa o diretor do departamento de resíduos sólidos do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental) de Santo André, José Elidio Rosa Moreira.

Embora a cidade – que gasta em torno de R$ 70 milhões por ano com o tema – tenha ampliado para 30% o percentual de reaproveitamento do lixo urbano descartado pela população (é o mais alto da região), ainda sofre para otimizar o uso do aterro sanitário local, cuja vida útil se esgotará em meados de 2020. Por isso, o município busca autorização para aumentar a área, localizada no bairro Cidade São Jorge. “Nosso foco é ampliar as campanhas de conscientização. Precisa martelar o assunto”, acredita Moreira.

Projeção conjunta do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que o Brasil perde R$ 8 bilhões a cada ano por enterrar o lixo que poderia ser reaproveitado.

REDUZIR É A REGRA

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) estabelece não só a responsabilidade compartilhada em relação à destinação final dos produtos no pós-consumo, como também a famosa regra dos ‘Rs’: reduzir, reutilizar, reciclar e repensar.

Estudo recente publicado na Revista Nature aponta que os oceanos concentram alto nível de contaminação, em especial pelo plástico – embora o material se quebre em partículas pequenas, não é biodegradável. O cenário, inclusive, trará impacto à vida dos moradores do Rio de Janeiro, onde legislação aprovada pela Câmara (depende de sanção do prefeito Marcelo Crivella, PRB) proíbe o uso de canudos de plástico. “O ideal é evitar o uso dos chamados materiais de ciclo curto, como é o caso dos descartáveis em geral, que demandam enormidade de matéria-prima para sua produção”, ressalta o professor de Engenharia Ambiental e Sanitária da Metodista e consultor do Ministério do Meio Ambiente Carlos Henrique Andrade de Oliveira.

Para o especialista, as pessoas precisam ter padrão de consumo melhor. Ele sugere, para isso, mudança nos hábitos diários. “Podemos evitar o consumo de isopor e de filme plástico quando levamos potes para o mercado e compramos produtos a granel, como é o caso do arroz, do feijão e dos frios, por exemplo. Eu faço”, revela.

POR QUE SEPARAR?

A fórmula é simples. Além de aliviar os aterros sanitários, fazendo com que chegue até eles apenas os rejeitos (restos de resíduos que não podem ser reaproveitáveis) e, com isso sua vida útil seja prolongada, praticamente um terço dos resíduos sólidos gerados em casa pode ser reaproveitado. A reciclagem economiza recursos naturais e gera renda para profissionais de cooperativas de lixo, onde o material é separado e encaminhado para receber novo uso.

Cetesb atrela reaproveitamento dos materiais a licenciamento


O cumprimento da logística reversa por parte das empresas é condicionante para a emissão ou renovação das licenças ambientais de operação, determina a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). No entanto, conforme acordo firmado entre o órgão ambiental e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), fabricantes ou responsáveis pela importação, distribuição ou comercialização dos produtos poderão implementar o sistema de forma gradual.

“As indústrias terão de comprovar o cumprimento das metas e, para isso, vamos usar o sistema já implementado de coleta e destinação dos resíduos e comprar certificados (nota fiscal da venda do material)”, explica o especialista em meio ambiente do departamento de desenvolvimento sustentável da Fiesp Ricardo Garcia. Anualmente serão publicados relatórios pela companhia ambiental do Estado com os resultados.

“É importante frisar que a embalagem é projetada para proteger o produto. Todo e qualquer material é reciclável, mas às vezes existe falha de comunicação do sistema”, refere-se aos resíduos de difícil absorção pelo mercado, como é o caso do isopor, observa Garcia.


Falha da aplicação da política nacional de resíduos onera os cofres municipais


Um dos pontos principais da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), a logística reversa determina a restituição do lixo gerado pelo setor industrial para que seja reaproveitado ou dada a ele destinação final ambientalmente adequada. Na prática, pouco se avançou em relação ao tema, principalmente quando falamos das embalagens em geral, criticam especialistas.

“O problema é a regulamentação, que tem sido tímida”, considera o advogado especializado em resíduos sólidos Wladimir Antonio Ribeiro. Ele ressalta que a falha desta política onera os cofres municipais, tendo em vista que as prefeituras acabam tendo de arcar com os gastos da coleta e destinação final do material. “Os resíduos passam cada vez mais a ser responsabilidade do município. Quem paga por isso é a população.”

Para o professor de Engenharia Ambiental e Sanitária da Metodista e consultor do Ministério do Meio Ambiente Carlos Henrique Andrade de Oliveira, as empresas “enrolam”. “No caso das embalagens, o acordo setorial foi firmado em 2015 e a logística reversa só começou a ser implantada no ano passado. Estamos na Região Metropolitana mais rica e importante do País e ainda não temos informações sobre como isso vai funcionar”, critica.


Cooperativas fazem ‘garimpo’ em busca de objetos recicláveis

Depois que os consumidores descartam o lixo seco e o volume é recolhido pelos caminhões da coleta seletiva porta a porta, os materiais passam por série de etapas até, finalmente, serem reciclados. A equipe do Diário acompanhou o processo de triagem, feito na cooperativa Cidade Limpa, em Santo André. “A gente praticamente garimpa, não separa o lixo. Acredito que 60% do material que chega vêm misturado (com lixo orgânico)”, destaca o fundador da entidade José Batista, 56 anos, para enfatizar a necessidade de conscientização, em casa, sobre a separação de resíduos.

Depois de depositado em galpão, o lixo seco passa por diversas etapas até estar pronto para a revenda. “A gente pesquisa para conseguir comprador e aproveitar todos os materiais”, conta Batista. Uma das questões que mais interferem na compra dos recicláveis é do dólar. “Se o dólar está caro, como é o caso de agora (cada 1 U$S custa R$ 3,90), as empresas preferem sucata a produtos novos”, diz.

Cada item tem seu valor de mercado, sendo a garrafa pet o mais lucrativo (R$ 0,90 por quilo). Mas até mesmo produtos pouco prováveis de serem reaproveitados, como é o caso do papel molhado, têm saída (R$ 0,07 por quilo). “Temos empresas que estão com a gente desde o início. Até mesmo o canudo de plástico (proibido por lei no Rio de Janeiro) a gente consegue aproveitar.”

O apelo é para que a população tome consciência sobre o quão importante é separar o lixo antes de descartar. “É simples. Não precisa nem mesmo lavar as embalagens. Basta separar em dois latões: orgânico e seco”, ensina o coordenador.

PAIXÃO

Padeiro e confeiteiro por formação, Batista se encontrou profissionalmente há 19 anos, mas não foi em uma padaria. Ele é fundador da Cidade Limpa e passa pelo menos 17 horas do seu dia na coordenação do serviço de triagem e revenda dos materiais. “Reciclagem é a minha vida. A gente faz com amor, porque ajuda o meio ambiente”, acredita.

Hoje, a Cidade Limpa conta com 85 cooperados divididos em dois turnos – 6h às 14h e das 14h às 22h. “Cada um consegue tirar, num mês bom, R$ 1.100 livres. O almoço e o jantar são bancados pela cooperativa”, orgulha-se Batista.
 




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