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Noites Tropicais de Nelson Motta vira disco
Alessandro Soares
Da Redaçao
08/07/2000 | 15:48
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  A memória musical brasileira narrada pelo jornalista, compositor e produtor cultural Nelson Motta, 55 anos, no livro Noites Tropicais (Objetiva, 464 págs., R$ 39,50), que já vendeu mais de 35 mil exemplares desde fevereiro, virou trilha sonora. O álbum duplo Noites Tropicais, o Disco chega a partir desta semana às lojas (Universal, 32 faixas, R$ 40, em média) como um complemento da aventura cultural brasileira, citada por ele no livro como "uma entre raras", que começou com o surgimento da bossa nova, em 1957, e chegou até 1992, quando Marisa Monte apareceu, descoberta por ele.

As músicas escolhidas foram organizadas em ordem cronológica para acompanhar fatos e personagens do livro, que terá versao em inglês para o mercado exterior, incluindo os CDs.

Motta, paulista "de alma carioca", como ele se define, vive em Nova York desde 1992, por conta do predomínio da música sertaneja nas rádios, TVs, revistas e jornais do Brasil. "Era demais para mim", justifica. Esse capítulo, que se passou durante os anos do ex-presidente Fernando Collor, ele conta no livro. No CD duplo, Motta explica como ele ouviu e viveu a música no Brasil, seja atuando como crítico musical, seja como produtor de festivais, como fundador da Dancing Days, no Rio, ou, ainda, como compositor. Leia trechos da entrevista concedida ao Diário:

DIARIO - Por que "a trilha sonora de nossas vidas"?
NELSON MOTTA - Depois do livro, recebi muitos e-mails pedindo um disco. As pessoas liam e lembravam da época. A música tem essa capacidade evocativa. Achei que as pessoas pudessem gostar do livro pelas histórias engraçadas e personagens populares e queridas como Erasmo e Roberto Carlos, mas o livro nao pegou pelo ouvido, pegou pelo coraçao. Por isso, as pessoas queriam ouvir essas cançoes. Muitas nem viveram a época, ou entao eram pequenas. Outras viveram, sim. Os quarentoes e cinqüentoes de hoje eram os garotoes dos anos 60 e 70. O livro está produzindo lembranças idealizadas e tenho ouvido muitos comentários nesse sentido.

DIARIO - Qual foi seu critério para selecionar 32 músicas de 1957 a 1992?
MOTTA - Optei por relacioná-las em ordem cronológica, formando um processo da música brasileira. Sao músicas de alta qualidade ligadas a eventos e personagens descritos no livro. Essas músicas também aparecem bastante no Noites Tropicais.

DIARIO - Você falou em processo da música brasileira. Que processo é esse?
MOTTA - A música brasileira nesse período foi incorporando elementos internacionais aos nacionais que foram se acumulando em camadas. Daí, foi havendo uma síntese dialética de uma camada com a próxima. A bossa nova se soma com outras tendências e por aí vai. As coisas vao se contrapondo e somando. Por exemplo, em Comida, dos Titas, o rock nacional já tinha acabado como movimento e o sertanejo estava entrando com tudo. Daí, a Marisa Monte gravou a música, cantando um tema da geraçao dela.

DIARIO - Escolher as 32 músicas deve ter sido difícil. Como foi, entao, deixar outras tantas de fora?
MOTTA - Enfrentei dificuldades para escolher as 32, sim. Foi um sofrimento deixar músicas de fora. Escolhi as que melhor retratam as épocas tratadas no livro. Aí eu comecei a avaliar: tem de ter essa do Chico, tem de ter essa do Caetano, tem de ter Joao Gilberto, tem de ter Gal Costa. Só nesse tem de ter eu tinha mais de 60. Daí parei e usei o critério de somar música que representa o artista e um momento importante do livro. Foi como brincar com aquele cubo mágico: virava e mexia aqui e ali para arrumar.

DIARIO - O resultado é uma trilha sonora brasileira por excelência?
MOTTA - Nunca tive a pretensao de fazer uma trilha sonora brasileira. Esta é a trilha do livro. Nem tinha imaginado fazer o disco, mas como recebi muitos pedidos, o disco saiu para o público que leu o livro.

DIARIO - Você teve alguma dificuldade em encontrar as músicas?
MOTTA - Tive muita dificuldade de achar a gravaçao original da Gang 90. A gravaçao de Sérgio Mendes para Rio, em 1965, nunca havia saído em CD, assim como o dueto de Elis Regina e Hermeto Paschoal, gravado no Festival de Montreux em 1979, que também nao existia em CD.

DIARIO - Que música você deixou de fora com dor no coraçao?
MOTTA - Coisas do Brasil, do Guilherme Arantes, que eu gosto porque tem a cara dos anos 80. É uma bossa feita por um cara pop. Outra que ficou de fora foi Namoradinha de Um Amigo Meu, mas a Sony e o Roberto (Carlos) nao autorizaram. Entrou O Bom no lugar, que ficou de bom tamanho.

DIARIO - Por outro lado, qual música foi escolhida antecipadamente?
MOTTA - Desafinado, que abre o disco 1. É a mais recente gravaçao da música manifesto que o Joao Gilberto canta há mais de 40 anos. E foi autorizada pelo próprio Joao, logo ele que é difícil de autorizar alguma coisa. Ele sabe que gostei mais dessa gravaçao, porque é só ele e o violao. Achei superior a tudo, o filé do filé, o máximo do mínimo.

DIARIO - Você escrevia músicas para compositores como Djavan. Está compondo de novo?
MOTTA - Fazia tempo que nao, mas o livro ajudou a puxar essa vontade de compor. Há uns três ou quatro meses estou escrevendo músicas a partir da melodia que me dao. Fiz três para o Ed Motta, duas vao sair em seu próximo disco este mês, Ela Disse Sim e Conversa Mole. A outra, Tarde de Verao, acho que ele vai dar para a Zizi Possi gravar. Lulu Santos gravou uma letra minha, Deusa da Ilusao, para um Acústico MTV.

DIARIO - Você vive em Nova York desde 1992. Nestes oito anos, como tem visto, ou escutado, a música brasileira atual?
MOTTA - Tenho acompanhado de longe. Venho umas dez vezes por ano, compro alguns discos, mas é pouco. Ouço só aquilo que me interessa muito ou coisas que amigos me indicam.

DIARIO - Alguém se destaca?
MOTTA - O mais moderno que eu ouvi até agora é Max de Castro, filho do Wilson Simonal. Conheço ele há algum tempo. Fez todas as músicas e produziu seu disco. Seu trabalho aponta para um caminho bem amplo, misturando techno com drum'bass, Simonal com Chico, bossa nova, afro e samba. É talentosíssimo.

DIARIO - Alguma dica para quem vai a Nova York este mês?
MOTTA - Nao vá. Nova York parece Teresina. O calor no verao é insuportável e o ar-condicionado nos ambientes é gelado. Detesto a cidade nessa época, julho e agosto, e no inverno também. Na primavera é maravilhosa, a divergência entre culturas e raças convivendo, embora a cordialidade entre as pessoas, só no Brasil. Lá, só pensam em dinheiro, celebridades e exibicionismo. É uma mania bem norte-americana.




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