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‘As redes sociais evitam combater as fake news’
Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
13/07/2020 | 00:28
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Divulgação


Especialista em direito eleitoral, Arthur Rollo admite que as fake news vão atrapalhar as eleições deste ano. Entretanto, o advogado cobra que as empresas que administram as principais redes sociais – avenidas para disseminação das notícias falsas – auxiliem a Justiça Eleitoral no combate do problema. “As redes sociais, melhor do que ninguém, dispõem das ferramentas de controle das fake news. No entanto, estão ainda colocando seus interesses econômicos na frente dos interesses da população. A Justiça Eleitoral, apesar dos esforços, não consegue combater com eficiência as fake news”, diz Rollo, que lançou o livro Eleições, o Que Mudou, para detalhar as alterações no processo deste ano. 


Como o senhor viu o adiamento das eleições deste ano?

O adiamento parece ter sido importante para trazer maior confiança para o eleitor ir votar. Existem muitas pessoas que estão em quarentena rígida e que, se não fosse o adiamento, provavelmente deixariam de votar. Também foi importante para trazer segurança para os mesários e funcionários da Justiça Eleitoral, que trabalham nas eleições.

O senhor acredita que haverá condições sanitárias para a aplicação da eleição? Como viu os debates sobre esse tema no Congresso e TSE (Tribunal Superior Eleitoral)?
Tudo indica que, finalmente, estamos chegando em um ponto de estabilidade da curva de casos de Covid-19. Se isso realmente acontecer, acredito que teremos condições sanitárias adequadas nos dias 15 e 29 de novembro. Todos os cuidados terão que ser adotados, como uso de máscaras, distanciamento nas filas, uso de álcool em gel, mas até lá teremos condições de fazer eleições seguras. Naquelas localidades onde isso ainda não for possível, o TSE, mediante parecer de autoridade sanitária nacional ou estadual, poderá solicitar ao Congresso que a data das eleições, em municípios específicos, seja adiada para dezembro. Isso está previsto na emenda constitucional 107.

Será a segunda eleição municipal com a proibição do emprego de recursos de empresas. O senhor acha salutar essa medida?
Eu, particularmente, prefiro que o financiamento das campanhas eleitorais seja feito por empresas do que com mais recursos públicos. Muitos reclamam do fundo especial de financiamento de campanha, mas ele acaba sendo a única alternativa em um cenário de proibição de doações de pessoas jurídicas e de pessoas físicas que perderam seus empregos e grande parte da sua renda. O problema desse fundo é que sua distribuição não chega em muitos municípios e para muitos candidatos. O financiamento, com limites percentuais e de valores, por pessoas jurídicas, na minha opinião, tornaria as campanhas mais iguais. Teria de haver doações limitadas. Por exemplo, teto de R$ 100 mil e de 2% do limite de faturamento das empresas ajudaria a financiar as campanhas, possibilitando diminuir os repasses de recursos públicos. As empresas doadoras também poderiam ser proibidas de participar de licitações e contratos públicos.

Ainda sobre a questão da vedação do uso de recursos empresariais na campanha. Houve, oficialmente, redução nos custos de campanhas. Mas o senhor identifica que essa medida trouxe igualdade de condições no jogo eleitoral ou abre brecha para privilegiar determinado segmento?
As campanhas eleitorais são naturalmente desiguais, com a possibilidade de reeleição sem desincompatibilização, com a possibilidade de candidaturas de artistas e apresentadores de rádio e televisão e com a possibilidade de financiamento das campanhas com recursos dos próprios candidatos, agora limitados. Não há como igualar as condições de disputa de forma absoluta, porque cada candidato tem suas vantagens e suas desvantagens. Quem está mais exposto para elogios também está mais exposto para críticas. As campanhas continuam sendo desiguais, apesar da redução dos gastos.

Como o senhor viu a proibição das coligações proporcionais ao Legislativo?
A principal finalidade prática das coligações é obter recursos para as campanhas e um maior tempo de televisão. Nem sempre essas coligações se formam entre partidos de mesma linha ideológica, o que faz com que candidatos de partidos de ideologias absolutamente distintas concorram para formar o quociente eleitoral. Agora as vagas serão disputadas entre os candidatos do mesmo partido. Tenho para mim que fica mais fácil de saber o número de votos que o candidato terá que obter para se eleger, porque ele já sabe quem disputará pelo seu partido. Do ponto de vista ideológico essas coligações proporcionais já não funcionavam há algum tempo.

O adiamento das eleições trouxe discussão acerca da validade das condenações eleitorais. Um exemplo: determinado candidato condenado por prática ilegal em outubro de 2012, quando houve eleição, tecnicamente está apto a disputar a eleição deste ano, em novembro. Como o senhor vê essa discussão?
Eu entendo que as penas aplicadas, que já são bastante duras, não devem ser ampliadas. O adiamento das eleições foi obra do destino e não foi causado por nenhum desses candidatos que poderá ser beneficiado. O mais correto é que os candidatos, que estejam aptos na nova data da eleição, possam se candidatar. Entretanto, parece que não é esse o sentimento do TSE, que deve prorrogar a inelegibilidade nesses casos. Em breve teremos a resposta porque existe consulta pendente de resposta no TSE tratando desse tema.

Aliás, qual sua opinião a respeito da Lei da Ficha Limpa?
Acho que os objetivos da lei em si, tirar da política quem comete graves crimes e irregularidades administrativas, são bons. No entanto, me preocupam as prorrogações indefinidas das penalidades por ela impostas. Dou um exemplo: a partir da condenação colegiada o político já fica inelegível. Se entre a condenação colegiada e o trânsito em julgado (não cabimento de recurso) decorrem seis anos, esse período não é abatido das penalidades impostas pela lei. Vamos supor que o político tenha sido condenado a cinco anos de suspensão de direitos políticos, ele ficará fora da política por seis anos de inelegibilidade, mais cinco anos de suspensão de direitos políticos, mais oito anos de inelegibilidade, totalizando 19 anos. Acho que seria mais razoável e justo que a inelegibilidade entre a condenação colegiada e o trânsito em julgado fosse abatida dos oito anos cominados pela lei.

O senhor defende que haja aumento no tempo de campanha como forma de atenuar a dificuldade da pré-campanha por causa da pandemia de Covid-19?
Apesar dos 45 dias de campanha eleitoral, ela só tem acontecido na prática nos últimos 20 dias, porque falta dinheiro para as campanhas eleitorais. Aumentar o tempo de campanha, no meu entender, só iria ampliar a desigualdade entre os candidatos, beneficiando aqueles que dispõem de mais recursos. A grande maioria dos candidatos não tem dinheiro sequer para fazer campanha em 20 dias. O aumento do prazo de campanha iria aumentar essa desigualdade. Sou contra.

Em 2018, muito se falou em fake news e como elas interferiram no processo eleitoral. O TSE se preparou para coibi-las neste ano?
Um dos grandes problemas mundiais da atualidade são as notícias falsas. Não só no direito eleitoral, como, principalmente, na saúde. As notícias falsas em relação a candidatos se espalham de forma muito rápida e a Justiça Eleitoral, mesmo sendo a mais rápida das justiças, não consegue acompanhar. Precisa haver uma maior colaboração das redes sociais, em possibilitar a checagem do teor das notícias e em impedir o compartilhamento de notícias falsas. As redes sociais, melhor do que ninguém, dispõem das ferramentas de controle das fake news. No entanto, estão ainda colocando seus interesses econômicos na frente dos interesses da população. A Justiça Eleitoral, apesar dos esforços, não consegue combater com eficiência as fake news. Cada um de nós precisa também fazer sua parte e não sair compartilhando, sem conferir, tudo que aparece na timeline.

Ainda em 2018, houve muito questionamento acerca das urnas eletrônicas. Como o senhor vê esse tipo de debate?

Já participei de várias discussões a respeito de segurança das urnas eletrônicas. Também já apurei várias denúncias de fraude. Até hoje não vi nada que desabonasse a urna eletrônica. Tenho para mim, o que o TSE vem fazendo, que ela deve merecer constante aperfeiçoamento. Sem dúvida o sistema eletrônico traz muito mais confiança e muito menos risco de fraude do que trazia o sistema manual.

O TSE recentemente iniciou debate para classificar o abuso de poder religioso em eleições. Qual sua visão sobre o assunto?
Vejo a religião como algo benéfico e indispensável para a maioria das pessoas. Como em todos os setores, também nas religiões existem líderes bons e maus. Maus líderes religiosos exercem influência ruim nas vidas das pessoas, em todos os setores. Existem fiéis que, por temor religioso, votam no candidato indicado pelo líder religioso. Isso não deveria acontecer, mas acontece. Igrejas são locais de uso comum, onde não pode haver propaganda eleitoral. As manifestações religiosas não devem ser utilizadas como forma de convencer os eleitores. Cada integrante da igreja pode apoiar os candidatos da sua preferência e manifestar seu pensamento sobre eles, mas não pode usar a estrutura da igreja para convencer os fiéis e alavancar campanhas.

Será a primeira eleição municipal que o seu pai, Alberto Rollo, não estará presente. Ele era considerado sumidade no assunto por diversos candidatos aqui da nossa região. Qual legado ele deixou ao trabalho seu e de seus irmãos?
Não tinha me dado conta disso. De fato, na última eleição municipal, apesar de doente, meu pai ainda conseguia dar conselhos e opinar nas questões eleitorais. Ele deixou um legado para o direito eleitoral brasileiro, até mesmo por ter deixado três filhos que continuam atuando nessa área. As boas lições e os bons ensinamentos ficaram e o bom trabalho, que ele nos ensinou, continua.

Como surgiu a ideia de escrever o livro Eleições, o Que Mudou?
Meu pai foi um dos doutrinadores pioneiros do direito eleitoral, junto com o doutor Tito Costa. Ele criou o hábito de lançar em todas as eleições um livro. No começo esses livros eram escritos em conjunto com Enir Braga, que foi servidor do TSE. Depois, passou a escrever os livros com os colegas de escritório. A ideia de lançar esse livro, após dez anos do último que ele coordenou, foi de homenageá-lo e continuar o seu legado. 




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