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Na quarentena, 21 mulheres sofrem violência a cada dia

Número de BOs apresenta queda comparado a 2019, mas especialistas apontam dificuldades para o registro

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
05/07/2020 | 00:01
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EBC


Desde o início da quarentena por causa da pandemia de Covid-19, até o dia 31 de maio, as delegacias do Grande ABC registraram 1.406 BOs (Boletins de Ocorrências) por violência doméstica, média de 21 casos ao dia. Os dados foram obtidos junto à SSP (Secretaria da Segurança Pública) do Estado de São Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação.

Apesar dos casos deste ano, em comparação com os registros do mesmo período do ano passado, apontarem redução no número de BOs, especialistas da área de proteção à mulher vítima de violência são categóricos em afirmar que a violência tem crescido, mas que isoladas e com menos oportunidades de sair, as mulheres enfrentam mais dificuldade para fazer a denúncia.

Presidente do Conselho Gestor do Programa Casa Abrigo Regional Grande ABC, Maria Aparecida da Silva afirma que realmente houve queda na procura dos serviços de proteção, explicado pelo fato de as vítimas estarem convivendo 24 horas com o agressor. “Estão todos no mesmo espaço e isso inibe a ação do pedido de socorro da mulher”, pontua. Para Maria Aparecida, assim que se encerrar a quarentena, deve haver uma “avalanche de casos em que a mulher vai querer sair desta situação.” 

Maria Aparecida relata que, neste momento, o agressor tem mais liberdade e tempo para a prática da violência. “Muitas não chamam a polícia por medo de represália. Não têm alternativa, não têm para onde ir”, explica. A gestora destaca a importância de medidas como o BO eletrônico (violência contra a mulher já pode ser registrada pela internet), mas aponta que, para algumas vítimas, nem este mecanismo é o bastante. 

“É muita burocracia, o tempo para elaborar é longo, precisa informar todos os detalhes. Mecanismos mais simples, como um botão de alerta, precisam ser pensados para alcançar as mulheres de todas as realidades, até aquelas que não têm acesso à internet”, concluiu.

Integrante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Dulce Xavier também aponta que, apesar na queda dos registros, a violência tem aumentado. “O feminicídio no Estado de São Paulo aumentou 46% e esse é um indicativo claro deste avanço”, pontua.

Dulce relata ainda o aumento no número de chamados ao 190 por violência doméstica no Estado, que foi de 45%. “Também aumentou o número de ligações para o 180 (serviço específico para estes casos) em 37,6%”, completa. O registro mais rápido e simples da ocorrência por estes meios, e a possibilidade da denúncia ser anônima e feita por terceiros explicam o incremento nas chamadas, avalia a integrante da Frente.

“A gente precisa tomar muito cuidado quando trata da redução de registros, porque este aumento das chamadas mostra que as mulheres não estão conseguindo sair de casa para ir até uma delegacia. Neste contexto, o BO eletrônico é uma alternativa e a gente reconhece a importância dessa iniciativa, mas ainda não é acessível a todas”, finaliza. 

Advogada especialista em direito familiar e atuando apenas com mulheres, Juliana Almeida destaca que o isolamento físico agravou ainda mais um problema que sempre existiu, o da subnotificação dos casos. “Sabemos que a violência aumentou, porém, a dificuldade de denunciar aumentou ainda mais, e a redução dos registros se dá apenas pelo fato de as mulheres não poderem ir até a delegacia, ou mesmo fazer a denúncia com seu agressor ao lado.”

Juliana destaca que é preciso pensar em medidas a longo prazo para a prevenção da violência contra a mulher, como a criação de frentes de trabalho direcionadas à educar os jovens, “Além do trabalho em casa, e nas escolas, a urgência maior, ao meu ver, é um trabalho pensado para reeducar os adolescentes”, afirma. “As medidas que temos hoje são ‘apagar incêndios’, são validas, auxiliam, mas nada irá mudar efetivamente sem educação”, concluiu a advogada.


Especialistas cobram mais apoio do poder público

O poder público precisa ofertar apoio às mulheres em situação de violência, para que elas possam romper com a situação, afirma a integrante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Dulce Xavier. 

“É uma demanda que já vinha sendo feita, um dos grandes desafios no enfrentamento à violência é depois de a mulher ser atendida, até ficar abrigada, como o mercado de trabalho e o poder público se responsabilizam para geração de renda destas mulheres, auxiliando na inserção do mercado de trabalho e em programas sociais”, destaca. “A pandemia explicitou isso enormemente”, completa.

Presidente do Conselho Gestor do Programa Casa Abrigo Regional Grande ABC, Maria Aparecida da Silva aponta que o poder publico já oferta uma série de serviços para ajudar a mulher a conquistar sua autonomia financeira. “Temos condições de oferecer para a mulher, de imediato, uma condição melhor. Tem cidades no Grande ABC que já têm o aluguel social para as vítimas de violência e os centros de referência podem acionar diversos serviços para que ela possa se manter”, explica.

Maria Aparecida afirma, ainda, que é preciso reforçar a comunicação com as mulheres, que as prefeituras divulguem os canais de acesso aos serviços, além de fortalecer institucionalmente toda a rede de apoio. 

JUSTICEIRAS

Lançado em março, a força-tarefa Justiceiras recebe, por meio do WhatsApp, denúncias de violência doméstica. Pelo número 99639-1212, a mulher é atendida por um robô e orientada a preencher uma ficha, para que seja contatada em até 48 horas. O pedido é direcionado para uma equipe voluntária, profissional e multidisciplinar, que inclui advogadas, psicólogas, assistentes sociais, rede de apoio e, quando necessário, orientação médica.

Todo o contato é feito de forma remota, por mensagens, ligações ou videochamadas. As voluntárias também são de diferentes regiões do Brasil e já somam mais de 3.000 justiceiras. Até maio, já haviam sido recebidas 367 denúncias, 59% de mulheres do Estado de São Paulo. 

Delegacia da mulher 24 horas gera polêmica

A região ganhou na última semana a primeira DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) que funciona por 24 horas. Localizada em São Bernardo, na Rua Tasman, o equipamento está ao lado da Cidade da Criança. O novo endereço tem causado polêmica e grupos que atuam na defesa dos direitos das mulheres questionam se este foi o local mais adequado.

Integrante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Dulce Xavier afirma que o grande número de pessoas e, principalmente, de crianças nas proximidades do equipamento pode constranger as vítimas que chegam ao local. Uma nota de repúdio foi enviada à Prefeitura de São Bernardo, ao governo estadual, à Defensoria Pública e ao Ministério Público, solicitando providências. 

A coordenadora do GT (Grupo de Trabalho) Gênero do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Maria Aparecida da Silva, afirma que a proximidade ao parque pode ser um trunfo e as mulheres podem usar o artifício de ir ao local para fazer a denúncia. “Particularmente, não vejo nenhum problema. O importante é ter a delegacia, ainda mais 24 horas”, completa.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirma, por meio de nota, que a escolha da localização da nova sede da delegacia foi realizada após a análise de inúmeros quesitos, dentre eles, a facilidade de acesso da população à unidade e a disponibilidade de transporte público.

A Prefeitura de São Bernardo informa, também por meio de nota, que a nova estrutura não está localizada dentro do parque Cidade da Criança, contando com entrada própria e independente. “A nova estrutura conta com recreação de crianças, sala de atendimento psicológico, playground, recepção, sala de espera, cartório, cela, antecâmara para revista, entre outros”, detalha o comunicado. 




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