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Noite ao relento para visitar o amado
Por Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
07/03/2010 | 07:01
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A rotina de centenas de mulheres muda quando se aproxima o fim de semana. Normalmente na sexta-feira pela manhã, elas começam a preparar diversos pratos de comidas e doces preferidos de seus amados em suas casas. Ao ficarem prontos, cortam e guardam tudo em vasilhas transparentes colocadas em grandes sacolas de plásticos. Fora os alimentos, também são separadas garrafas de refrigerantes, cigarros, sabonetes, creme dental e mais uma série de outras coisas.

Elas saem, na maioria das vezes, de bairros periféricos da Capital e do Grande ABC no começo da noite da sexta-feira. Chegam a encarar horas de viagem. Depois, uma noite ao relento, sob chuva e vento, em locais infestados por ratos, baratas e outros insetos. Tudo isso para verem seus maridos, namorados e amores que estão presos nos CDPs (Centro de Detenção Provisória) de Diadema, Mauá, Santo André e São Bernardo.

O Diário acompanhou durante uma madrugada a vida dessas mulheres na frentes dos CDPs da região. O impressionante foi a rapidez com que os presos ficaram sabendo da presença da reportagem nos locais. Em poucos minutos de entrevistas, os celulares das mulheres começavam a tocar e dava para ouvir elas explicando que era "o pessoal do jornal". As filas começam a se formar na tarde de sexta-feira.

A desempregada Juliana dos Santos, 26, foi a primeira a chegar no CDP de Santo André, às 14h de sexta-feira. Ela aguardou cerca de 18 horas para ver o marido que está preso há oito meses. A cabeleireira e manicure Márcia Aparecida, 36, saiu de Santos às 17h carregando uma barraca e muita disposição. "Sábado é o dia de maior movimento. Não tem como deixar de vir."

Muitas delas são moças bonitas e novas e acreditam na inocência do companheiro. Outras são experientes em "porta de cadeia" e já colocaram em suas agendas que a noite de sexta-feira ou sábado será em péssimas condições para passar o dia seguinte com seus companheiros.

Para dormir, elas alugam colchões dos vizinhos dos presídios. Trazem os próprios lençóis, cobertores e mantas com medo de pegar alguma alergia. As mais experientes compram barracas de camping, por saber que a pena do seu parceiro será longa.

"Estou nessa vida há 14 anos, desde a Febem (atual Fundação Casa), e sei que quando ele sair, não vai demorar para voltar para cá. Ele não tem jeito, mas o que importa é que me faz muito feliz", conta Alexandra, 28, que não quis fornecer o nome completo.

Ela trabalha como operadora de telemarketing, cursa o 3º semestre de Administração de Empresas, mora em um bairro da Zona Norte da Capital e trouxe o filho de 11 anos para ver o pai na visita. Mãe e criança passaram a noite no carro de uma amiga. "Não trago o meu filho sempre. Aqui não é um lugar legal para ver o pai."

Segundo a professora de psicologia Angélica Capelari, da Universidade Metodista, essas mulheres se submetem a este tipo de situação por causa de dois sentimentos: o amor e a gratidão. "Essa é uma forma de manter o que tinha antes da prisão, mesmo sem a liberdade deles. Elas estão fazendo certo sacrifício. Mas essa é a realidade delas e tem que enfrentar", completa Angélica.

Uma das principais queixas das mulheres dos detentos é a revista íntima. Elas são obrigadas a ficar nuas e de cócoras, para a segurança ver se têm drogas, celulares ou outros objetos escondidos na vagina ou no ânus. "Eles (agente penitenciário) tratam a gente como cachorro, sem respeito. Não temos culpa que os nossos homens estão presos", comenta Juliana.

Garotas escondem onde passam a noite

Visitar os parceiros na cadeia pode trazer complicação em casa para as mulheres que ainda vivem com os pais ou responsáveis. Mas parte encara a rotina de dormir ao relento e passar por revista constrangedora e ainda mentem nos próprios lares sobre onde passaram a noite e o dia anterior.

"Se meu pai saber que estou aqui, ele me mata na hora ou vai morrer de desgosto. Fala para mim: que pai quer ver uma filha nessa situação?", questiona Laura, 21 anos, que mora em São Caetano e visita o namorado há 11 meses no CDP de Mauá. O Diário encontrou várias mulheres nesta condição e outras que levam os filhos pela primeira vez para ver o pai atrás das grades. Boa parte das que conversou com a reportagem não quis fornecer o nome completo.

Teo, 34, passou a madrugada fria com a filha de 3 meses dentro do seu carro na porta do CDP de Diadema. "Trago ela desde os 15 dias. Não tenho ninguém para olhar e acredito que meu marido é inocente", conta.

Para Juliana dos Santos, 26, o problema é que grande parte de sua família é de militares. "Meus tios não falam comigo. Já cheguei a morar na minha sogra, mas quem paga as minhas contas sou eu",diz.

Já Marcela, ao completar a maioridade, conseguiu entrar na lista de visita íntima do seu namorado. Isso foi há três meses. Ela ainda parece uma adolescente, com sorriso infantil, mas basta chegar sexta-feira ou sábado para arrumar uma desculpa para os pais e sair de Itaquera, na Zona Leste da Capital, para visitar seu parceiro no CDP de Santo André. "Não tem jeito, sei que deveria arrumar outro cara, mas gosto dele e só quero ver quando a minha mãe descobrir o que estou fazendo", imagina. "Chorei uma semana sem parar depois que entrei na cadeia pela primeira vez. Não queria voltar nunca mais, mas não sei o que acontece que volto para passar esse sufoco todo, acho que é amor mesmo."

Dia de princesa na porta da cadeia

Basta o relógio marcar 5h da manhã que começa a movimentação nas portas dos CDPs. As mulheres levantam e vão tomar banho na casa de vizinhos da prisão. Pagam em média R$ 3 por 15 minutos de água quente. No estacionamento que fica em frente ao CDP de Diadema, no dia da visita do Diário, o chuveiro da casa que "oferecia o serviço" queimou e as mulheres se lavaram debaixo de água fria. Elas mesmas se ajeitam no meio da rua, outras fazem a sobrancelhas, pintam os olhos e as unhas. Penteiam os cabelos, passam cremes e algumas até compram calcinhas novas para mostrar para os companheiros.

"Você acha que vou entrar feia? Vou nada. Me arrumo mesmo, coloco roupa nova, arrumo o cabelo. Coitado dele, fica a semana inteira dormindo com um monte de homem", lembra a loira Claudia, 24, mãe de três filhos. Sua mãe ficou até desconfiada por causa do tipo de roupa usa para visitar o marido. "Ela pensou que eu estava indo para as baladas. Olha a minha balada. Que delícia hein? Com um monte de mulher, dormindo neste frio, vou fazer o que?"

As mulheres comentam que os presos elogiam até quando a unha não foi feita, por falta de dinheiro. "Eles falam bem de tudo, são uns amores, românticos, atenciosos e carinhosos. Me sinto uma princesa, mas sei bem que quando ele sair isto não vai durar muito tempo. Mas aproveito que assim está muito bom", disse Claudia. A estudante Jessica Alves, 19, está com seu namorado há cinco anos e não entra no CDP de São Bernardo sem passar rimel, batom e blush. "Mesmo para entrar lá, tem que ir bonita. Ele já sofre muito lá dentro", explica.

Um pedido comum dos presos às suas parceiras é ter mais filhos. "Onde já se viu. Está difícil para trazer o jumbo (comida) deles e ainda vou trazer ao mundo mais uma criança. Falo que sem chance, só quando ele sair e me provar que está fora de coisas erradas. Minha fase de mulher de malandro tem data para acabar. Estou fora. Isso não é vida para ninguém", esbraveja Mariana, 23, que há cinco meses vai todas as semanas ao CDP de São Bernardo ver o marido.




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