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Paul McCartney estréia como autor de livros infantis
Por Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
03/10/2005 | 08:11
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A infância é o período da vida em que a realidade ganha contornos fantásticos e o mundo é simplesmente dividido em mocinhos e vilões, verdades e mentiras, assuntos chatos e legais. É também o momento em que o indivíduo começa a receber noções de valores morais e constrói seus primeiros sonhos, que, infelizmente, têm de se adaptar à realidade, com o passar dos anos.

Talvez por isso essa fase instigue tantos artistas, entre eles o ex-Beatle Paul McCartney, que lança mundialmente nesta segunda-feira o livro infantil Lá no Alto das Nuvens (High in the Clouds: an Urban Furry Tale, Planeta, R$ 34,90), traduzido para o português pela escritora Ruth Rocha. Inspirado no curta-metragem de animação Tropic Island Hum, produzido pelo músico em parceria com o renomado diretor Geoff Dunbar, o livro conta a história do esquilo Serelepe, que ganhou acabamento com a colaboração do escritor Philip Ardagh.

Serelepe morava em uma floresta, até ela ser destruída por tratores que não só derrubaram as árvores e espantaram os bichos como mataram sua mãe, Calda de Açúcar. Neste trecho, o livro – dedicado a todos os entes queridos – ganha contornos autobiográficos, já que, aos 14 anos de idade, McCartney perdeu sua mãe, Mary, em decorrência de um câncer de mama (que, por infeliz coincidência, vitimou também sua esposa Linda, em 1998).

Antes de morrer, presa debaixo do tronco de uma árvore, Calda de Açúcar pede a Serelepe que fuja para a ilha de Animália, lugar onde os bichos vivem em harmonia e paz. Triste, o esquilo consegue fugir no balão do sapo Ranulfo e desce, depois de dias, em Megatrópolis, cidade cinzenta e com todas as características negativas de uma metrópole: poluição, sujeira e desigualdades sociais.

Engajamento – Vegetariano radical, ativista dos direitos dos animais e de outras causas ecológicas, McCartney freqüentemente colabora em eventos humanitários como o Live 8, série de shows realizada em julho passado com o objetivo de chamar a atenção do G-8 (grupo dos oito países mais ricos) para a fome na África. No livro, o músico evidencia seus posicionamentos políticos, destacando os contrastes entre os que vivem em condições miseráveis e os que mantêm sua opulência.

Ao redor dos grandes edifícios, Serelepe conhece a favela Cheira Mal, onde residem os animais escravizados por Ratão, ajudante da poderosa gorila Gadolfa, dona de uma fábrica. Nesta aventura pela cidade, ele também faz amizade com Ratzy e Serena, para quem comenta as maravilhas de Animália. A conversa chega aos ouvidos de Gadolfa e, sem querer, o esquilo coloca a ilha em perigo, pois a poderosa quer destrui-la e aprisionar os animais.

Procurando se adiantar, Serelepe parte em busca da ilha a bordo do balão de Ranulfo e acabam encontrando-a. Como desconhecem a arte da guerra, os bichos não acreditam logo na história, até serem surpreendidos por um bombardeio e resolverem enfrentar os inimigos, em uma batalha semelhante à descrita em um clássico cartum cinematográfico Yellow Submarine (1968), dos Beatles.

Velha Infância – O interesse de McCartney pelas histórias infantis e a admiração por Walt Disney começou quando ele era garoto, em Liverpool (Inglaterra). Tamanha paixão fez com que o músico lançasse no ano passado, com o apoio de Dunbar, uma série de DVDs de animação, que incluiu os filmes Rupert and The Frog Song, Tropic Island Hum e Tuesday.

Dunbar é considerado por especialistas como um dos maiores diretores de animação do mundo. Entre vários prêmios no cinema e na televisão, recebeu dois BAFTA (prêmio da academia britânica de artes cinematográficas e televisivas, com Rupert and The Frog Song e Daumier’s Law.

Além de McCartney, outros músicos brasileiros e estrangeiros já se dedicaram a escrever ou cantar sobre o universo infantil. No exterior, o exemplo mais recente é o da cantora Madonna, que lançou cinco livros do gênero – o último é Enrico de Prata (Lojtsa de Casha), publicado em junho passado, sobre um homem muito rico que perde todos os seus bens, mas descobre o valor da amizade.

No Brasil, não há marmanjo beirando os 30 anos que não conheça as músicas de Arca de Noé, disco de Toquinho e Vinícius de Moraes. Ainda no campo da MPB, a cantora Adriana Calcanhoto se reinventou e cativou as crianças com o disco Adriana Partimpim, gravado no ano passado.

Até o rock brazuca já brincou no playground. Em 2001, o titã Branco Mello lançou o livro/disco Eu e Meu Guarda Chuva, com texto de Hugo Possolo e ilustrações de Ricardo Lins.

Trechos

- Quando finalmente chega à periferia da cidade, fica surpreso. Olhando as copas das árvores da Floresta para Megatrópolis, a cidade parecia ser constituída sobretudo de arranha-céus. Mas agora, à sua frente, está uma favela, formada de caixas de papelão e engradados. Numa velha tábua de madeira lê-se CHEIRA MAL, escrito grosseiramente. Serelepe enruga o nariz. Aquele lugar fede!

Seguindo caminho através do lixo entre os barracos, vê os habitantes de Cheira Mal com olhos parados os seus passos. embora encontre animais de vários tipos, todos eles têm uma característica comum: parecem famintos, sujos e desesperados.

- Depois de algum tempo, ele se vê diante de uma coisa muito rara em Megatrópolis. Uma árvore! E porque esquilos e árvores se combinam, assim como cachorros e postes (ou hipos e banhos de lama), Serelepe corre para ela. Tinha acabado de dobrar a esquina quando, pela primeira vez, põe os olhos em Serena. Ela é uma linda esquilinha vermelha... e está sendo importunada por dois texugos.

"Já disse para me deixarem em paz", exclama Serena corajosamente, embora a voz trema de leve.

"Ou o que?", caçoa o texugo maior. "Você vai nos bater com essa sua enorme cauda peluda?"

"Ooooooo! Estou com tanto medo!", continua o outro.

Serelepe tem que fazer alguma coisa...mas o que pode um pequeno esquilo contra dois mal-encarados texugos?




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