Economia Titulo Consequências
Pandemia apavora a economia

Crise provocada pelo avanço do novo coronavírus coloca em risco a sobrevivência de empresas e direitos de trabalhadores no Brasil

Arthur Gandini
Do Diário do Grande ABC
22/06/2020 | 07:00
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 O impacto da pandemia do novo coronavírus no País teve como efeito a dificuldade financeira e o fechamento de empresas de forma definitiva e a consequente perda de postos de trabalho. De acordo com pesquisa da consultoria Willis Towers Watson realizada em abril, 54% das empresas brasileiras acreditam que a crise sanitária terá impacto negativo em seus negócios pelos próximos 12 meses. Já conforme o Ministério da Economia, houve alta de 76,2% no número de pedidos de seguro-desemprego na primeira quinzena de maio na comparação com o mesmo período de 2019.

Segundo especialistas, o fato de muitas empresas fecharem, irem à falência ou entrarem em recuperação judicial por causa da pandemia traz o risco de os trabalhadores ficarem sem os seus direitos e se verem obrigados a buscar o auxílio do Judiciário. “O isolamento físico e a paralisação do comércio estão levando as empresas, sobretudo as de pequeno e médio portes, a utilizarem a reserva que possuem ou possuíam para pagar funcionários e suas contas. O baixo crescimento do País nos últimos anos e a recessão que se instala em decorrência da pandemia afetarão ainda mais o ambiente de negócios, tornando difícil a manutenção da saúde financeira das empresas e de muitos empregos”, avalia Gustavo Milaré, advogado, mediador privado e sócio do escritório Meirelles Milaré Advogados.

Como forma de sobrevivência, muitas empresas têm optado por suspender contratos de trabalho ou reduzir de forma proporcional os salários e a jornada de trabalho em 25%, 50% ou até 70%, após aderirem ao programa da MP (Medida Provisória) 936, no qual o governo faz a cobertura dos salários até o limite do teto do seguro-desemprego (R$ 1.813,03). Neste caso, há regras específicas.

“A empresa não poderá demitir o trabalhador durante a vigência do contrato e o empregado terá garantia de estabilidade por tempo igual ao que teve seu salário reduzido ou suspenso o seu contrato de trabalho”, explica Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados. Atualmente, é permitido que as empresas mantenham a suspensão por até 60 dias, e a redução do salário e jornada pelo prazo máximo de 90 dias. Entretanto, o Senado autorizou na última semana com que o governo faça a ampliação dos prazos.

Gustavo Milaré destaca que empresas que entram em recuperação judicial podem reduzir os salários e a jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva. “Não pode haver, porém, a suspensão do pagamento dos salários, já que o empregado que continuar trabalhando na empresa durante a recuperação judicial deve ser pago normalmente”, ressalta.

As empresas nesta situação também pode pagar créditos trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalho em até um ano após a aprovação do plano de recuperação. Esse plano não pode prever prazo superior a 30 dias para o pagamento de salários vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial e tem o limite de até cinco salários mínimos por trabalhador, soma que totaliza hoje o valor de R$ 5.225.

AÇÕES TRABALHISTAS
De acordo com especialistas, o não pagamento das verbas rescisórias pelas empresas tem sido um dos principais motivos para trabalhadores ingressarem com ações na Justiça durante a pandemia. Levantamento do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, realizado pelo site Consultor Jurídico, em conjunto com a empresa Datalawyer e a instituição de ensino Finted, demonstrou que os valores relacionados às verbas rescisórias na primeira instância, por causa da crise sanitária, já haviam alcançado a cifra de R$ 1 bilhão em abril.

Bianca Canzi, advogada especialista em direito do trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que a dispensa do empregado deve obedecer às regras habituais da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) mesmo que ocorra durante a crise sanitária. “O empregado que é dispensado sem justa causa tem direito ao aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, que poderá ser de até 90 dias. Também receberá o saldo de salário, férias proporcionais, férias vencidas e os 40% de seu saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)”.

É possível ingressar com reclamação trabalhista para obrigar a empresa a pagar tudo o que é devido, além de indenização que pode chegar a 100% do salário a que o empregado tem direito. No caso da falência, há a possibilidade ainda de a Justiça determinar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e a penhora dos bens dos proprietários. “A melhor saída é tentar resolver de forma amigável com o empregador, viabilizando para ambas as partes”, pondera Bianca Canzi.

Especialista prevê ‘enxurrada de processos’ no segundo semestre
O advogado Gustavo Milaré avalia que o Judiciário atualmente se encontra sobrecarregado e que a tendência é que isso piore a partir do segundo semestre por causa da pandemia. “Já é esperada verdadeira enxurrada de processos, principalmente de recuperação judicial. Tais razões evidenciam que o momento é de diálogo, empatia e negociação”.

Uma possível mudança que pode agravar o cenário, aprovada na última semana pela Câmara dos Deputados, é a suspensão dos pagamentos de acordos trabalhistas judiciais ou extrajudiciais até 31 de dezembro para empresas que tiveram as suas atividades paralisadas na crise sanitária. Foi incluída emenda na MP (Medida Provisória) 927/20, que ainda necessita ser aprovada pelo Senado e que vale para acordos realizados para quitar ações trabalhistas ou a rescisão do contrato de trabalho, assim como para trabalhadores que aderiram a PDV (Plano de Demissão Voluntária) e recebem os benefícios em parcelas.

Na opinião de Daniel Moreno, advogado especialista em direito do trabalho e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, a suspensão dos pagamentos dos acordos trabalhistas deve gerar insegurança jurídica. “Várias empresas, abertas inclusive, que tiveram movimento reduzido vão alegar que se enquadram e vão querer suspender os pagamentos. O único efeito que vejo será o de tumultuar o Judiciário.”

Moreno avalia que a mudança busca proteger as empresas e acaba por deixar de lado os trabalhadores, que são a parte mais vulnerável aos efeitos da pandemia nas relações de trabalho. “O trabalhador é o mais necessitado nesse momento e está contando com esse dinheiro porque fez um parcelamento na Justiça do Trabalho. Provavelmente, abriu mão de alguns valores, aceitou um valor menor para fazer o acordo, fez o parcelamento e ainda vai ter esse acordo suspenso, sendo que está contando com esse dinheiro”, alerta.

Para o advogado Ruslan Stuchi, é necessário que trabalhadores e empregadores se unam para enfrentar o atual momento. “Todos devem colaborar e serem compreensíveis, devendo sempre observar os direitos e garantias dos trabalhadores, assim como as condições em que os empregadores se encontram, gerando menos demissões e o não aumento de ações trabalhistas.”




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