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Fernando Capez: ‘É preciso dialogar com serenidade’
Por Wilson Moço
Do Diário do Grande ABC
31/05/2020 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Diretor executivo do Procon-SP, o ex-deputado estadual Fernando Capez, 56 anos, avalia que o Brasil enfrenta momento excepcional, em que todas as relações de consumo foram afetadas ao mesmo tempo devido à crise causada pela pandemia do novo coronavírus, que implicou na queda de renda da população e afetou a prestação de serviços.  Diante do quadro nebuloso, prega que é “preciso dialogar com serenidade e equilíbrio para minimizarmos os impactos dessa crise.” Apesar do momento de tensão que atinge a todos indistintamente, dos empresários, que vêem os negócios ameaçados pelo fechamento imposto pela quarentena, à população, que sente no bolso os impactos do desemprego ou da redução do salário, Fernando Capez defende que é preciso encontrar saídas negociadas para problemas como mensalidades escolares, interrupção de serviços de internet, telefone e TV por assinatura.

Tanto que o Procon-SP tem promovido encontros virtuais para tirar dúvidas e dar orientações sobre caminhos que possam promover acordos que beneficiem tanto consumidores quanto fornecedores de serviços. Para o diretor executivo do órgão estadual, o melhor para as partes é o acerto amigável, sem a necessidade de ir à Justiça.  “Creio que recorrer à Justiça nesse período não é a melhor opção, uma vez que muitos fóruns estão fechados e a tramitação de processos também está mais lenta”, comenta. E completa: “A situação de pandemia afetou o mercado global, suscitando reclamação na execução de serviços em escala nunca antes imaginada”. Nesta entrevista exclusiva ao Diário, Fernando Capez esclarece alguns dos principais pontos que têm causado dúvida e polêmica nas relações de consumo. E afirma que, caso a negociação não surta o resultado esperado, o Procon vai intervir e instaurar procedimento administrativo, que pode render multa ao fornecedor do serviço.

A pandemia impactou em todos os setores, e levou à queda na renda. Um dos problemas tem sido aumento da inadimplência em escolas particulares. Acordo do Procon com sindicato das instituições estabeleceu que os pais devem negociar com as mantenedoras. Isso não é deixar o consumidor à mercê da disposição das escolas?
As escolas regulares estão obrigadas a ministrar todo o conteúdo pedagógico definido pela legislação. Podem se valer, inclusive, de reposição de aulas por meio virtual e de supressão de férias escolares. Com a continuidade da prestação do serviço durante o ano letivo, não há motivo para solicitar a suspensão de pagamento ou devolução das mensalidades pagas. O Procon-SP e o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo assinaram termo de entendimento estabelecendo diretrizes para negociação das mensalidades no ensino infantil, fundamental e médio durante esse cenário de pandemia. O termo prevê que as instituições deverão negociar alternativas para o pagamento, como maior número de parcelas ou desconto no valor das mensalidades; deverão atender ao consumidor no prazo máximo de sete dias; e, durante a negociação, não poderão ser exigidos documentos cobertos pelo sigilo fiscal e bancário (como extrato do imposto de renda ou bancário), apenas os que comprovem a falta de condição de pagamento. Ficam suspensas as cobranças de valores extras, como os referentes à alimentação e atividades extracurriculares externas, por não terem relação com o conteúdo pedagógico e não podem ser prestadas a distância.

E com relação aos alunos dos cursos superiores nas universidades particulares, o Procon tem tomado alguma iniciativa?
No caso do ensino superior, o sindicato que representa instituições manifestou seu apoio às diretrizes do Procon-SP para negociações com alunos. Entre as diretrizes fica estabelecido que deverá ser disponibilizado, no mínimo, um canal de atendimento ao consumidor para tratar das questões financeiras; que as demandas dos consumidores deverão ser atendidas com rapidez, assim como a análise de situações de inadimplência, devendo a instituição negociar alternativas para o pagamento; não poderá haver recusa de pedido de agendamento da reunião de negociação, devendo a instituição informar em no máximo 15 dias, a contar do pedido de atendimento, uma data para a realização da negociação (reuniões poderão ser realizadas de forma virtual remota); não poderão ser exigidos documentos como pré-condição para agendar a negociação, pois a exigência será interpretada como recusa em negociar; e durante a negociação, a instituição poderá exigir somente os documentos que comprovem a falta de condição de pagamento, vedada a exigência de documentação coberta pelo sigilo bancário ou fiscal.

Sabe-se que muitas instituições enfrentam dificuldades financeiras, mas é inegável que alguns grupos são mais capitalizados e provavelmente têm condições de suportar o momento, tanto no ensino superior quanto no básico. Nesses casos, os estudantes e os pais não ficariam em desvantagem na hora de negociar?
O Procon está atento e vai estimular a negociação direta entre as partes, mas se não der o resultado esperado, vai intervir e instaurar procedimento administrativo que poderá resultar em multa. O consumidor que não conseguir tirar suas dúvidas ou entrar em negociação com a instituição de ensino deve procurar os nossos canais de atendimento. O Procon-SP disponibiliza acesso pelo site www.procon.sp.gov.br e aplicativo, que pode ser baixado na loja oficial das plataformas Android e IOS. Há área específica para registro de reclamações de problemas relacionados ao coronavírus.

No caso específico da educação, que caminhos pais e estudantes podem seguir para buscar apoio, se não houver possibilidade de acordo direto com a instituição?
Estamos enfrentando um momento excepcional em que todas as relações de consumo foram afetadas ao mesmo tempo. É preciso dialogar com serenidade e equilíbrio para minimizarmos os impactos desta crise. Caso tenha a sua tentativa de negociação frustrada, o consumidor deve procurar o Procon-SP.

Alguns serviços, como bancos, reduziram seu horário de atendimento durante a quarentena. Alguns não atendem mais à noite. Apesar disso, não consta que oferecem desconto nas tarifas que cobram dos clientes. Como o Procon enxerga a questão?
Por se tratar de direito difuso, no qual bem jurídico tutelado alcança número indeterminado de pessoas, a questão seria passível de ingresso de ação coletiva. Porém, o Procon-SP não recomenda a judicialização das demandas, pois ações judiciais são demoradas e podem trazer distorções se não forem analisadas no contexto em que as demandas se dão. Como já dito, passamos por um período absolutamente imprevisível e extraordinário e o setor bancário não ficou imune aos prejuízos causados na pandemia. Os bancos também sofreram os impactos do isolamento físico, com redução de horário e pessoal de atendimento. Portanto, as agências continuam funcionando, mas podem ter seus horários alterados ou, em alguns locais, estarão fechadas ao atendimento ao público. Os caixas eletrônicos estão em funcionamento, mas como o horário das agências é diferenciado, orientamos que o consumidor se informe antes, nos canais de atendimento. De acordo com circular do Bacen, as instituições financeiras devem ajustar o horário de atendimento ao público enquanto perdurar, no País, a situação de risco à saúde pública decorrente do novo coronavírus. Devem, ainda, afixar aviso em local visível em suas dependências, bem como comunicar os clientes pelos demais canais de atendimento disponíveis, sobre o horário de atendimento e medidas tomadas para evitar aglomeração de pessoas.

Serviços de provedoria de serviços, como internet, telefone e TV por assinatura, também estão exigindo maior tempo de espera para o atendimento telefônico, o que, nestes casos específicos, podem retardar a solução da interrupção nos serviços. Como o consumidor pode exigir o desconto proporcional do tempo em que ficou sem o sinal? Seria preciso recorrer à Justiça?
Cremos que recorrer à Justiça nesse período não é a melhor opção, uma vez que muitos fóruns se encontram fechados e a tramitação de processos judiciais também está em ritmo mais lento. Com o isolamento físico, boa parcela da população passou a utilizar mais os serviços de provedoria (internet, telefone e TV a cabo). Algumas empresas, por exemplo, têm liberado o sinal de canais que antes ficavam restritos a planos exclusivos. Agora, caso tenha ocorrido mudança significativa no serviço contratado, o consumidor deverá procurar a empresa e fazer a sua reclamação, solicitando o pronto restabelecimento do mesmo. Já no que tange ao tempo de espera para atendimento, sugerimos calma aos consumidores. A situação de pandemia afetou o mercado global, suscitando reclamação na execução de serviços em escala nunca antes imaginada. Até por isso, portaria do Ministério da Justiça suspendeu, pelo prazo de 60 dias, a regra do tempo máximo para o contato direto com o atendente no SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor). Isso quer dizer que o tempo de espera para falar com o atendente poderá ser superior aos 45 segundos estipulados antes.

Assinantes de canais específicos de TV, como os de futebol e de combate, que transmitem eventos ao vivo, estão sem nenhum tipo de programação, já que jogos e lutas estão suspensos. Provedoras dizem que o assinante pode cancelar o serviço temporariamente, mas isso implica em perder os possíveis benefícios, como preço diferenciado do pacote, no momento do retorno. Não é uma prática abusiva?
O serviço pode ser cancelado; inclusive, pode haver cancelamento temporário. E o consumidor não deve perder as condições contratadas (incluindo benefícios). A suspensão pelo não fornecimento do serviço garante ao consumidor que, quando for restabelecido, ele tenha o mesmo serviço, nas mesmas condições e valores. Ou seja, os benefícios contratados quando da assinatura do contrato devem ser garantidos quando for retomada a contratação. Na dúvida, o consumidor deve consultar o Procon-SP.

Planos de seguro de vida, descobriu-se agora, não cobrem mortes causadas por pandemia. Ou seja, beneficiários dos planos de mortos pela Covid-19 acabam ficando desassistidos. Como o Procon acompanha as discussões sobre o assunto? No que pode colaborar?
Estamos acompanhando os casos, mas não há registros. Se houver, iremos requisitar a apresentação do contrato por parte da empresa para averiguar se há clareza nas informações para entender se a cobertura deve ocorrer ou não. Essa falta de registro faz com que não haja um entendimento oficial, pois é um caso específico. É importante que as cláusulas sejam claras, sem juridiquês e atendam à legislação.

Por falar em planos, a ANS determinou que planos de saúde garantam atendimento mesmo para inadimplentes nestes tempos de pandemia, mas sabe-se que alguns colocam dificuldades. Qual tem sido a atuação do Procon com relação a isso?
O Procon-SP observa as leis de defesa do consumidor, como o Código de Defesa do Consumidor, normas e portarias, entre elas, as regras da ANS, que possuem força de lei e devem ser cumpridas. O não cumprimento pode gerar abertura de processo administrativo contra a operadora, pois se é uma norma oficial, deve ser cumprida. O consumidor que tiver dificuldade pode reclamar. No momento, não há um pico de atendimento sobre o tema, mas poderá haver demanda futura, acarretando em multa contra a empresa, em caso de não cumprimento.

Também existem relatos de que planos de saúde colocam empecilhos para quem busca o teste para o novo coronavírus. A questão é que se trata de vidas, e há complicadores, sobretudo para pessoas que estão nos grupos de risco. Nesses casos os testes não deveriam ser realizados, independentemente dos protocolos?
Os planos e seguros de saúde são obrigados a cobrir exames e tratamentos relativos à Covid-19, independentemente se estar previsto ou não em contrato. As empresas não podem impor dificuldades para a realização de exames de detecção. Havendo pedido médico, o exame deve ser aprovado pela operadora. Se a empresa de plano ou seguro de saúde cria dificuldades chamando de ‘protocolo’ o consumidor pode procurar o atendimento do Procon-SP para intermediar solução do caso. Já se os protocolos forem de fato orientados pela ANS (que regulamenta os planos de saúde) ou pela Susep (que regulamenta os seguros de saúde) e exigidos pela legislação devem ser seguidos pelas empresas e não há como refutá-los. Mas, se forem protocolos criados administrativamente pelas empresas para dificultar e não atender é preciso reclamar para buscarmos solução.




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