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Mancha urbana avança na região, com centro vazio e periferia cheia
Por Roney Domingos
Do Diário do Grande ABC
06/03/2005 | 19:50
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Quinta-feira, 3 de março, 17h54. O presidente da Empresa Metropolitana de Planejamento, Marcos Campagnone, afirma ao Diário que a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) deverá atingir – ainda nesse ano a marca de 19 milhões de habitantes. Sexta-feira, 4 de março, 19h26. A Região Metropolitana de São Paulo ganha em um dia mais 621 moradores, o suficiente para lotar pelo menos seis ônibus. O novo patamar é de 18.975.719 habitantes. O relógio populacional não pára. Lastreado no Censo de 2000 e abastecido com informações diárias dos cartórios dos 39 municípios sobre nascimentos e óbitos, é mostrado que a cada dia aumenta o desafio para governos e sociedade que integram a metrópole: como acomodar tanta gente sem degradar o meio-ambiente e com acesso a água, saneamento, asfalto, endereço, emprego, escola e cidadania?

Mais preocupante do que o tic-tac do relógio populacional – que normalmente anda para frente – é a distribuição das pessoas dentro da metrópole. Cientistas falam da necessidade de políticas públicas para reverter o avanço da mancha urbana sobre florestas e represas. Municípios do entorno da Capital não são mais o destino dos migrantes que chegam de outros lugares do país. Nos últimos quatro anos, a população brasileira cresceu 1,74%, em ritmo mais forte que a paulista (1,55%). Um dos motivos pode ser o fato de que agora o Eldorado brasileiro está no Centro-Oeste onde prospera o agronegócio movido a carne de boi e soja para exportação. No entanto, permanece vigoroso o movimento conhecido como periferização, em curso desde a década de 70. A cidade de São Paulo cresceu ao ritmo de 0,61% nos últimos quatro anos. O ritmo da Região Metropolitana do entorno foi mais forte: 1,44%.

Pressionadas pelo valor dos aluguéis e pela queda na renda, famílias pobres deixam as áreas centrais da RMSP ou das principais cidades. Sem ter onde morar, alargam ainda mais as margens das periferias, em alguns casos ocupando áreas verdes essenciais para manter a qualidade de reservatórios de água. Pressionadas pela falta de segurança, famílias ricas compram imóveis em condomínios fechados cada vez mais longe dos centros urbanos. Marco Campagnone, da Emplasa, afirma, olhando no mapa sobre a evolução da mancha urbana da RMSP, que São Bernardo é uma das pontas dessa expansão. Do outro lado estão Itaquaquecetuba e as localidades próximas à rodovia Anhangüera.

Coordenador da área de transferência de tecnologia do Centro de Estudos da Metrópole, sediado no Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – o cientista social Haroldo Torres afirma que é preciso pensar políticas públicas que revertam a expansão da mancha urbana. "O zoneamento urbano produz em parte o efeito de extensão urbana. Precisamos pensar de que forma políticas de taxação de solo podem contribuir para reverter ou reduzir o ritmo da expansão. No Grande ABC, por exemplo, é um contrasenso que ao longo do corredor da linha férrea, como na Avenida Presidente Wilson, hajam galpões fechados enquanto a população vai morar não-sei-onde."

Campagnone afirma que a principal preocupação dos agentes públicos deve ser o desenvolvimento humano e aí a questão social ganha o primeiro plano na ordem das prioridades. "Isso se traduz em uma série de políticas públicas de saúde e segurança, assistência social e qualificação da mão de obra para contingente de 2,5 milhões de habitantes que estão abaixo da linha de pobreza. Isso significa cerca de 14% da população da metrópole, que têm renda inferior a R$ 75,5 por cabeça. Precisamos tornar a Região Metropolitana de São Paulo um ambiente mais prazeroso e seguro de se viver."

A receita para evitar o aprofundamento da crise urbana é o desenvolvimento de políticas públicas voltadas a solucionar impasses históricos nas áreas de transporte de massa, habitação, saneamento. Está provado que sem investimento muitas dessas áreas entrarão em colapso. Prova disso é a declaração recente do prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), que para cobrar financiamento do governo federal chegou a dizer que sem Metrô a cidade vai enfartar. Mais do que dinheiro, o espaço público depende de planejamento. Faltam políticas urbanas mais integradas em nível metropolitano. Não adianta haver plano diretor em São Paulo se os municípios vizinhos desprezam a regulação do espaço ou praticam uma política que entra em choque com a da cidade vizinha.

"Há deslocamento das pessoas que estão no centro para a periferia. Na periferia, essas pessoas moram em assentamos ilegais, clandestinos, muitas vezes sobre áreas de preservação ambiental. Precisamos de políticas urbanas para reverter o processo, com investimentos em saneamento, moradia, circulação viária. Temos de levar equipamentos sociais à periferia. Fazer com que as pessoas trabalhem perto de casa, para evitar a necessidade de deslocamento e do uso de transporte de massa," afirma o presidente da Emplasa.

Campagnone mostra que além das patologias urbanas, esse monstro chamado metrópole oferece oportunidades, entre elas a existência de infra-estrutura montada ao longo de décadas que favorece a competitividade da região, produtora de um PIB (Produto Interno Bruto) igual ao do Chile. As oportunidades e desafios têm conexão direta com a vida social e econômica do país, que precisa produzir e exportar para reduzir sua fragilidade externa e consequentemente poder investir mais na melhoria da competitividade e das condições de vida da população.

O vice-coordenador do Núcleo de Estudos da População da Unicamp, Roberto Luiz do Carmo, apresentou em 2001 a tese de doutorado Redistribuição espacial da população e recursos hídricos no Estado de São Paulo, estudo que aborda a expansão sobre os mananciais da Região Metropolitana de São Paulo. No título ele lança a pergunta: "A água é o limite?". Quatro anos depois, Carmo afirma, baseado na observação a olho nu, que o processo de ocupação acentuada dos mananciais continua o mesmo porque não existe uma política habitacional para pessoas de baixa renda. É dele a observação de que além das famílias pobres, a periferia começa a ganhar condomínios fechados sob medida para a necessidade de segurança dos ricos. Para o cientista, é preciso pensar em políticas de redistribuição da população. Seriam mecanismos para induzir o desenvolvimento que atraísse moradores para outras regiões menos adensadas.

Carmo afirma que a evolução da mancha urbana em cidades como São Bernardo e Itaquaquecetuba pode ser explicada pela ligação que essas cidades têm com as principais vias de transporte da região metropolitana. Espontaneamente, expressa a preocupação de que o trecho Sul do Rodoanel – que corta a região – abra a trilha para mais uma sequência de loteamentos habitacionais sem infra-estrutura e, o que seria pior, plantados sobre áreas de mananciais. "O Rodoanel precisa ser pensado dentro de um conceito maior de política pública. Pode ser um cinturão de contenção, uma espécie de muro, para impedir o avanço das ocupações sobre as áreas de mananciais. Dessa forma teria um impacto positivo", observa.

Para o vice-coordenador do Nepo/Unicamp, o inchaço da região metropolitana é produto de política habitacional falha, combinada com a inexistência de planos diretores ou a acomodação desses mesmos planos diretores a interesses econômicos e políticos. Carmo lembra, por outro lado, que embora falte uma cultura de planejamento, os instrumentos para exercê-la, entre eles o Estatuto das Cidades, estão dados. "O que precisa é utilizar de maneira que atenda às necessidades futuras da população", afirma.




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