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Empresa de fachada vence licitação da Sama em Mauá
Sérgio Vieira
Do Diário do Grande ABC
17/10/2010 | 06:46
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Apenas cinco meses após sua criação e em processo licitatório cercado de contradições, irregularidades e documentos falsos, a empresa Comercial Nova Rochamar Construções assinou contrato emergencial de 180 dias com o Sama (Saneamento Básico do Município de Mauá) para fornecimento de pintor, pedreiro, ajudantes gerais e recepcionistas.

O acordo, assinado no dia 10 de maio no valor total de R$ 143,5 mil (R$ 23,9 mil por mês) e que vence no próximo dia 10, já é alvo de investigação do MP (Ministério Público) e do TCE (Tribunal de Contas do Estado).

O superintendente do Sama, Vladimilson Garcia, o Bodinho, disse que será aberta sindicância para apurar as irregularidades.

A Comercial Nova Rochamar foi aberta em 7 de dezembro de 2009, como consta no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, da Receita Federal. E, apenas 24 dias depois, já contava com ativo circulante de pouco mais de R$ 720 mil. Somente no caixa da empresa apareciam R$ 456,4 mil, segundo balanço patrimonial de 31 de dezembro de 2009.

Sem funcionários - Há pelo menos mais duas contradições no mesmo documento contábil. O balanço mostra que foram gastos, no mesmo período, R$ 77,1 mil com salários de funcionários. A questão é que, conforme consta no processo de licitação da autarquia municipal, a empresa possuía, no ano passado, Rais (Relação Anual de Informações Sociais) negativa, o que significa que, na ocasião, não havia nenhum funcionário registrado.

Outro problema detectado é relacionado ao capital social da Nova Rochamar. No balanço contábil, ele é de R$ 1.000, mas, no contrato social entregue ao Sama, consta R$ 50 mil.

Para atender exigência da licitação, a Nova Rochamar foi obrigada a apresentar à autarquia atestados de capacidade técnica fornecidos por empresas que, em tese, teriam contratado a firma de Mauá pelo mesmo período do contrato com o Sama (seis meses). Somente este detalhe já seria o suficiente para o não cumprimento da norma, já que, na ocasião, a empresa tinha apenas cinco meses de existência.

Ainda assim, entregou dois atestados, um da empresa Areva, de São Paulo, e outro da Wheaton Brasil, de São Bernardo. O problema é que os documentos são falsos. Nelson Oliveira, da Wheaton, disse que não assinou nenhum documento e sequer conhece a empresa. Marcos Bussola, da Areva, também negou ter enviado o papel. Os dois disseram que vão acionar os departamentos jurídicos das empresas contra a Nova Rochamar.

Além disso, os atestados já estavam prontos no dia 23 de abril deste ano, dez dias antes de a divisão de compras e licitações do Sama ter solicitado os documentos.

Também há problemas nas emissões das notas fiscais à autarquia de Mauá. Para os serviços prestados de maio a julho, foram emitidas notas sequenciais - 07, 08 e 09 -, o que mostra que a empresa não realizou nenhum outro trabalho no período. E ferindo o que diz a licitação, duas notas foram emitidas para pagamento no mesmo mês: uma com vencimento em 2 de julho e outra no dia 30 do mesmo mês.

Contador se nega a explicar patrimônio
Responsável pelo balanço patrimonial da empresa, que alcançou cifras significativas em tempo recorde, o técnico em contabilidade Emerson Pereira da Silva negou-se a dar explicações sobre o documento contábil da empresa. O Diário telefonou duas vezes para o escritório de contabilidade, que fica a poucos metros da Comercial Nova Rochamar, e foi até a empresa, mas em todas as ocasiões a resposta foi de que ele não iria falar sobre o assunto.

Na sede da Nova Rochamar - uma pequena sala em um prédio comercial - a responsável pelo escritório, que apenas se identificou como Sandra, disse que ela mesma fez os contatos com a Aveta e Wheaton Brasil e que os documentos são verdadeiros. Ela não soube responder, no entanto, em que data os serviços foram executados. Ela disse que a Nova Rochamar atende várias empresas, mas, questionada, não lembrou do nome de nenhum cliente.

Ela também não soube explicar o fato de a empresa ter arcado com R$ 77,1 mil para pagamentos de salários de funcionários em 2009, mesmo não constando nenhum empregado da Nova Rochamar.

O procurador da empresa, José Vieira da Rocha, e a sócia-proprietária da Nova Rochamar, Renata Mandelli Pereira, não foram localizados na empresa. Segundo Sandra, eles estavam em Salvador e somente retornariam nesta semana.

Mesmo constando como diretor da Nova Rochamar e responsável pela assinatura do contrato com o Sama, José Vieira da Rocha aparece na folha de pagamento de maio da empresa, do valor recebido pela autarquia, com remuneração líquida de R$ 453,90. Renata aparece na folha de junho, com salário líquido de R$ 454.

‘Não dá para checar tudo na licitação', diz superintendente
O superintendente do Sama, Vladimilson Garcia, o Bodinho, afirmou que irá apurar as irregularidades do processo licitatório e que será aberta sindicância. Ele não descarta rescindir o contrato se ficar comprovado que foram enviados à autarquia municipal documentos falsos e até mesmo solicitar a devolução dos recursos aos cofres públicos. Para ele, é difícil detectar problemas durante as licitações.

"Essas informações passaram despercebidas. Mas não dá para fazer um pente-fino, checar todas as informações na licitação. Se o documento está assinado e reconhecido firma, como o balanço contábil, como vamos contestar?", alegou o superintendente. "Não temos como ficar investigando tudo".

No processo de contratação emergencial, o Sama recebeu dois orçamentos - além do da Nova Rochamar - para participar do certame: a Constru Construções e a Roma Construções. Só que nos dois documentos não há sequer endereço ou CNPJ das empresas. Sequer os dados foram fornecidos em papel timbrado. No caso da Constru, há assinatura de uma pessoa identificada como Etevaldo, sem sobrenome ou cargo. No caso da Roma, assina o orçamento Luis Paes, também sem identificar quem é. Para Bodinho, não há problema quanto a isso. "Não há exigência legal de fornecimento de papel timbrado ou CNPJ no orçamento."

Bodinho é braço-direito do ex-comandante da autarquia Diniz Lopes (PR), que deixou o cargo no fim de março para se candidatar a deputado estadual. Sem obter sucesso nas urnas, Diniz deve ser reconduzido ao comando do Sama pelo prefeito Oswaldo Dias (PT) nos próximos dias.




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