Política Titulo 70 anos do dia da vitória
Memórias da região na 2ª Guerra Mundial

Dois andreenses da extinta FEB (Força Expedicionária Brasileira) relembram funções no conflito; quase 26 mil brasileiros foram convocados

Por Caio dos Reis
Especial para o Diário
11/05/2015 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


“Nós éramos os pernas de pau e eles os profissionais”. A frase, que expõe a diferença de preparo entre os brasileiros e demais combatentes, é do andreense Miguel Garofalo, 93, que esteve na linha de frente na 2º Guerra Mundial e foi um dos 25.445 brasileiros a irem para a Itália. Na sexta-feira foram comemorados os 70 anos do Dia da Vitória, que lembra a rendição da Alemanha nazista em favor do aliados, culminando no fim do combate.

Dos quase 26 mil soldados, aproximadamente 600 saíram do Estado de São Paulo, segundo relato de Antônio Cruchaki, 93, natural de Santo André, outro ex-combatente.

A guerra mais sangrenta da história vitimou mais de 70 milhões de pessoas e teve início em 1939. Mas, para Cruchaki, Garofalo e outros brasileiros, o combate começou em 16 de julho de 1944, quando 6.000 integrantes da antiga FEB (Força Expedicionária Brasileira) desembarcaram em terras italianas. “Chegamos em Nápoles e estávamos usando roupa preta igual dos alemães. Os italianos nos viram e começaram a xingar. Eu saí da formação e fui explicar que éramos brasileiros e estávamos do lado deles”, relembra Garofalo.

O Brasil se manteve neutro até o início de 1942, quando navios mercantes brasileiros foram bombardeados por submarinos alemães. Os ataques se juntaram à ameaça dos Estados Unidos de invadir o Nordeste caso Getúlio Vargas, então presidente da República, mantivesse a neutralidade. Em fevereiro de 1943, Vargas se encontrou com o presidente norte-americano Franklin Roosevelt e decidiu que o envio de tropas dependia de um reaparelhamento bélico das Forças Armadas brasileiras.

Em 3 de agosto de 1943, foi criada a FEB, constituída para lutar na Europa ao lado dos países aliados. O distintivo era formado por uma cobra fumando e fazia alusão ao que era dito na época: ‘Mais fácil seria uma cobrar fumar do que o Brasil participar da guerra na Europa’.

Cruchaki é presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira, Secção de São Bernardo, e trabalhou como engenheiro na guerra. “Ninguém sabia o que iria fazer lá. Quando cheguei ao Rio de Janeiro, tivemos um aprendizado rápido com de técnicas de guerra já relativas ao trabalho de engenharia de combate.”

Garofalo, que atualmente preside a Associação dos Ex-combatentes do Grande ABC, foi à Itália com a missão de conquistar a cidade de Castelnuovo e os vilarejos vizinhos. “Após horas de tiros para todos os lados a nossa munição acabou e a deles também. Eu levantei para sair e uma granada explodiu. Eu me feri com estilhaços.”

A tristeza e as lágrimas de ambos não se escondem quando perguntados sobre a valorização. “Ninguém nos ajuda ou reconhece o que fizemos pelo nosso país. E não é de hoje. Quando eu voltei para o Brasil, já não tive nenhuma instrução e tive de me virar para voltar para casa”, lamenta Cruchaki.

Garofalo se diz revoltado com a situação. “O poder público não nos ajuda em nada. Eu acho uma vergonha. Os brasileiros, principalmente os políticos, não sabem conservar seus heróis.”
 

Comerciante se especializa no combate

Encontrar pessoas que não sabem que o Brasil participou da 2ª Guerra Mundial não é muito difícil. A descoberta por acaso transformou o comerciante andreense Ricardo Lavecchia, 33, em um pesquisador e amante do assunto.

“Sempre gostei de assuntos ligados à guerra. Um dia estava de bobeira no antigo trabalho e vi um jornal da Mooca, se não me engano, falando sobre 100 anos da Imigração Japonesa ou coisa do tipo. Lá tinha uma reportagem sobre o veterano Raul Kodama. Aí fui saber que o Brasil tinha participado de uma guerra e me interessei pelo tema e comecei a ir atrás”, conta Lavecchia.

O comerciante contou que chegou a ter 200 livros sobre a participação brasileira na guerra, mas vendeu por motivos financeiros. “Por meio de uma pesquisa na internet eu achei a Associação de Veteranos do Rio (de Janeiro) e lá me deram o número do sr. Antônio Cruchaki, presidente da Associação de São Bernardo. Eu liguei pra ele e depois de conversamos pessoalmente acabei me apaixonando ainda mais pelo tema.”

Lavecchia começou a postar textos sobre o assunto em grupos da extinta rede social Orkut e depois conheceu o Ecos da Segunda Guerra, onde foi colaborador durante um tempo.

O desejo de levantar as histórias dos combatentes oriundos do Grande ABC diminuiu pela falta de registros oficiais.

Atualmente, ele mantem o blog World War II Brasil (www.wwiibrazil.com.br), que tem o objetivo de divulgar histórias pouco conhecidas e exploradas sobre os pracinhas.


Filme retrata brasileiros na batalha

Aqueles que querem saber mais sobre as ações dos pracinhas brasileiros na 2ª Guerra Mundial ganharam mais um opção além dos livros e blogs sobre o tema. O filme Estrada 47, do cineasta Vicente Ferraz, foi eleito a melhor obra no 42º Festival de Cinema de Gramado 2014 e estreou em território nacional na quinta-feira. Na região, o ParkShopping São Caetano exibe o longa.

Com abordagem humanista, Estrada 47 busca investigar o ser humano nos momentos de dificuldades e o relacionamento entre brasileiros, italianos e alemães durante a maior guerra que o mudo já viu.

Vicente Ferraz explicou que o filme foi feito porque o cinema brasileiro de ficção ficou devendo contar essa parte da nossa história. “Imaginar que 70 anos atrás o único contingente militar sul-americano foi a FEB é algo que chama a atenção. É excepcional. Foram mais de 25 mil jovens que cruzaram o Atlântico em uma guerra distante, onde não eram protagonistas. Essa história interessa qualquer dramaturgo”, explicou.

Entre as dificuldades que a cineasta enfrentou estão o frio extremo do inverno europeu e o orçamento limitado de uma produção brasileira.

Ferraz conta que o diálogo com a exigência do cinema italiano, semelhante ao norte-americano, foi outro empecilho. “Todos os técnicos tinham trabalhado em filmes emblemáticos da época de ouro do cinema italiano, mas também em grande produções norte-americanas atuais. Tive de convencê-los de que aquele filme era brasileiro, com orçamento limitado e acho que foi a vontade de contar essa história perdida no tempo que nos uniu”.




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