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Um monstro ‘cultural’ no campus
Por Wilson Marini
Para o Diário do Grande ABC
26/01/2015 | 07:00
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Parecia um sintoma apenas pontual e que poderia ser tratado cirurgicamente por meio de medidas internas, mas agora se sabe que casos de estupro e violência nos trotes em faculdades paulistas fazem parte de um caldo de cultura muito mais amplo e antigo. É o que revelam os corajosos e doloridos depoimentos obtidos em pleno mês de recesso parlamentar pela CPI da Assembleia Legislativa criada para investigar violações de direitos humanos no meio universitário paulista. Na semana passada, o professor de patologia da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva admitiu que a instituição errou ao não dar ouvidos às primeiras informações sobre atos violentos cometidos por alunos dentro da faculdade: “A gente ouviu um zum-zum-zum e não se atentou. Ninguém queria se expor. E, no momento em que as poucas pessoas se expuseram, a primeira reação foi: ‘Vamos tentar resolver internamente’. Houve uma certa tentativa de dizer: ‘São desvios pontuais’”, disse em entrevista após falar à CPI. Engano. “Fomos vendo que o desvio não é pontual, é real. É cultural, a gente foi consolidando uma cultura e a gente não teve mecanismos de reverter isso”. A exposição do problema parece ter atingido o auge. Não faltam testemunhas e evidências da existência de práticas de terrorismo com os calouros. Haverá culpados? A cultura vai mudar? São respostas que só o tempo irá responder. Tudo dependerá do êxito da ação a ser proposta pelo Ministério Público, após receber os relatórios da CPI.

Reitor
O reitor da USP, Marco Antonio Zago, disse na CPI que as denúncias estão sendo “acompanhadas” pela reitoria por meio da Comissão de Direitos Humanos, presidida por José Gregori. O deputado Marco Aurélio de Souza (PT) pediu a Zago para “não dar título de médico a criminosos” e o reitor ponderou que “o foco da USP é a Educação”, embora admitindo que há casos que merecem ser encaminhados à Justiça. Também foram ouvidos professores da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, de Piracicaba.

Abusos
A advogada Marina Ganzarolli, da Faculdade de Direito da USP, disse ao reitor Zago que “o foco do problema não são as festas, não é o uso do álcool, não é o uso de uma roupa curta. É preciso ensinar os alunos a não estuprar. É preciso apurar o abuso, e, se culpado, o aluno deve sofrer punição administrativa rápida, antes da formatura”. O aluno de medicina Felipe Scalisa denunciou a existência de um “pacto de silêncio” para abafar denúncias e duas alunas reclamaram da falta de canais para que sejam feitas denúncias.

Na Esalq
O professor Antonio Ribeiro Almeida Júnior, da Esalq, apresentou documentos de investigação sobre o trote, lembrando que a prática é proibida por lei estadual e por portaria da USP desde 1999, ano em que morreu o estudante Edison Hsue, afogado na recepção de calouros da Faculdade de Medicina da USP. Segundo o estudo, há condenação por boa parte dos estudantes de práticas comuns nos trotes como a ingestão forçada de álcool. A pesquisa também mostra que o trote não integra os alunos na faculdade, mas estimula atitudes preconceituosas e que muitos são forçados a participar por medo de retaliação. Alguns alunos abusados no trote ficam traumatizados e desistem do curso, pois não aguentam ver seus abusadores impunes. Houve até caso de suicídio na Esalq. Segundo o professor, “o calouro que está na rua, pedindo esmola, é soldado de uma hierarquia que tem general, submisso a pessoas que têm histórico de violência e que deveriam ser levadas à polícia”.

Ameaças
O deputado Adriano Diogo (PT), que preside a CPI, disse que integrantes da comissão têm sofrido “ameaças” por parte de ex-alunos envolvidos no caso de estupro coletivo a uma aluna da Esalq. É que foram registrados em ata os apelidos dos agressores, que hoje seriam profissionais bem-sucedidos e poderão ser investigados. A vítima nunca se recuperou totalmente e desenvolveu quadro de uma doença hepática rara. Como fica?

Pesquisa
A professora Heloísa Buarque de Almeida, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, disse ter recebido denúncias de casos de estupro e de abuso físico e psicológico nas faculdades, repúblicas, festas e trotes. Realizou uma pesquisa anônima entre os alunos e concluiu que os casos ocorrem em todos os cursos e atingem alunos de ambos os sexos. No casos de estupro, a situação “é complicada”, pois há tentativa de amenizar o ocorrido ao se culpar a vítima por ter se colocado em posição vulnerável ao beber. A vítima também se sente culpada, o que faz com que as denúncias não aconteçam. Nos casos de violências em trotes, por vezes a vítima acaba sendo algoz no ano seguinte.

Breve
4 Foi sancionada a Lei 15.686, que institui o Dia Estadual do Ciclista na data de 22 de novembro em todo o Estado visando incentivar o uso da bicicleta como esporte e como meio de transporte.  




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