Política Titulo São Bernardo
Sem parque, sem reparação

Morando abre mão de alternativa para compensar o descumprimento de plano que minimizaria impacto do Rodoanel

Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
02/08/2020 | 00:53
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DGABC


O Trecho Sul do Rodoanel rasgou considerável área de proteção ambiental em São Bernardo, com seu traçado promovendo supressão de vegetação às margens da Represa Billings. Em troca, a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), órgão estadual responsável pela obra, propôs pacote de compensação ambiental. Eram R$ 93 milhões em obras para mitigar os problemas que a via iria trazer ao município. No pacote, dois parques às margens da represa: um com caráter de preservação e outro de acesso popular.

Passados 12 anos do encaminhamento do convênio de reparação ao meio ambiente firmado entre a Prefeitura de São Bernardo e a Dersa, um dos parques foi transferido para o Estado e o outro sequer saiu do papel. Mais do que isso. A alternativa proposta pelo município, na gestão de Luiz Marinho (PT), para minimizar o prejuízo com o descarte de um dos equipamentos foi rejeitada pelo governo do prefeito Orlando Morando (PSDB).

Em 2008, teve início debate para as compensações, ainda com William Dib como prefeito. Em 2010, o acordo foi assinado pelo então prefeito Luiz Marinho (PT), por Delson José Amador, diretor-presidente da Dersa à ocasião, e por Paulo Vieira de Souza, ex-diretor de engenharia da empresa pública – Souza, conhecido como Paulo Preto, é acusado de cobrar propina para a execução da obra do Rodoanel, chegou a ser preso, está solto e sempre negou as irregularidades a ele imputadas.
Dois anos depois da assinatura do convênio e com alguns trechos das reparações ambientais sem sair do papel, Marinho sugeriu ao governo do Estado que áreas remanescentes de desapropriações feitas pelo Palácio dos Bandeirantes fossem transferidas para o município como forma de ressarcimento pelo fim do projeto do Parque da Billings, um dos itens do plano de compensação. O projeto era audacioso e envolvia R$ 40 milhões em 2008 (em valores corrigidos, R$ 80,7 milhões).

Para a construção do Trecho Sul do Rodoanel, as empreiteiras contratadas pela Dersa tiveram de aterrar parte da Represa Billings. No local, para compensar o estrago no principal corpo hídrico do Grande ABC, o Estado ofereceu a construção de um parque popular. Contratou o escritório do renomado arquiteto Ruy Ohtake para desenhá-lo. Os 30 mil metros quadrados do aterro dariam lugar a um equipamento de lazer, esporte e conscientização ambiental. Junto a isso, seria dada adequada destinação final ao esgoto do Jardim Canaã.

Era a intervenção mais cara do pacote de R$ 93 milhões em compensações ambientais, que incluíam recuperação da malha asfáltica e obras correlatas na região (R$ 23,8 milhões), plantio de mudas (R$ 6,3 milhões) e a construção do Parque do Riacho Grande (R$ 23 milhões) – esse parque, de caráter de preservação, saiu em 2018, denominado como Parque Estadual Águas da Billings e, a despeito de o convênio indicar que ficaria sob responsabilidade do município, hoje é gerido pelo governo paulista.
Sobre o projeto do parque popular da Billings feito por Ohtake, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) considerou temerária a construção de um equipamento no local. Colocaria em risco os frequentadores e o Rodoanel. A obra mais cara do planejamento de reparação ambiental seria retirada do plano original, dando início a uma queda de braço entre Prefeitura de São Bernardo e Dersa.

O Diário teve acesso a documentos que remontam a história dessa discussão. Para substituir o parque, Marinho chegou a oficializar proposta de reassentamento de moradias de unidades precárias e implantação de áreas de lazer no Jardim Nova Canaã, Jardim Represa e Parque Imigrantes. Outra sugestão oficial foi a de a Dersa transferir ao município titularidade de áreas remanescentes de desapropriações para o Rodoanel. Na visão do petista, poderia ser feita conexão com o Parque do Pedroso, em Santo André, além de permitir melhor capacidade de proteger os braços da Billings que servem para abastecer as residências – a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) possui unidade nas redondezas. As alternativas não andaram.

No dia 10 de julho de 2017, com Morando como prefeito de São Bernardo, um ofício foi confeccionado pela Prefeitura. Tratava de abrir mão da proposta feita anos antes por Marinho para receber terrenos remanescentes de desapropriações para reparar a não construção do Parque da Billings. Sob número 031/2017, o então secretário de Gestão Ambiental, Mario de Abreu (ex-PSDB, hoje PDT), diz que “considerando que a atual administração avaliou as possibilidades de ampliação de parques e concluiu que a mesma é inviável, informamos que esta municipalidade não tem mais interesse em receber estas áreas remanescentes”. Abreu revelou ao Diário que “cumpriu ordens superiores” ao assinar o ofício, enviado à Dersa (veja mais abaixo).

Na prática, o governo Morando abriu mão de parte da compensação ambiental pela construção do Rodoanel, uma obra que ele capitalizou politicamente enquanto deputado estadual. O Diário já mostrou, inclusive, que um terreno comprado por ele em 2002 foi desapropriado pela Dersa anos depois, com pedido de indenização 75 vezes maior do que o valor pago pelo tucano inicialmente – os R$ 200 mil investidos por Morando viraram R$ 15,5 milhões, mas a transação foi anulada pela Justiça e ainda é alvo de processo judicial em tramitação.

Ex-presidente da Dersa e quem assinou o convênio de reparação ambiental, Delson é secretário de Transportes de Morando desde maio de 2017. Chegou à administração são-bernardense dois meses antes de o ofício abdicando da proposta alternativa ao Parque da Billings ser enviado ao Estado.

Em nota, o governo Morando negou que tenha aberto mão das compensações ambientais previstas com a construção do Trecho Sul do Rodoanel. “O ofício citado não tratou de dispensa destas compensações, mas apenas da transferência do parque para o Estado, por questões de operacionalidade. Desta forma, o Parque Estadual Águas da Billings, no Riacho Grande, foi instalado e atualmente é gerido pela Fundação Florestal do Estado, conforme o decreto estadual número 63.324/18.”

“A atual gestão vem provocando a Dersa para efetuar as compensações restantes, com notificações emitidas em julho e setembro de 2019 e resolução conjunta em janeiro deste ano. Esta situação é fruto da falta de ações da gestão anterior, que não tomou quaisquer providências sobre o assunto nos oito anos em que esteve no governo”, emendou a Prefeitura. A Dersa não se manifestou sobre o caso. 

Seguia ordens superiores, diz Abreu

Vereador afastado de São Bernardo e secretário de Gestão Ambiental quando a Prefeitura abriu mão de parte da compensação ambiental por causa da obra do Trecho Sul do Rodoanel, Mario de Abreu (ex-PSDB, atual PDT) declarou ao Diário que “seguia ordens superiores” quando o assunto envolvia convênios e contratos entre Prefeitura, Estado e Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A).

 Por nota, Abreu informou que “não está mais na Secretaria de Gestão Ambiental, não tem mais conhecimento do andamento do processo citado pela reportagem e que, à época, quando estava como titular da Gestão Ambiental, em questões que envolviam a Dersa e o Estado, ele cumpria ordens: os andamentos desses casos não sendo mais de sua competência”.

 A declaração sugere que assuntos relacionados à Dersa precisavam ser submetidos à apreciação do prefeito Orlando Morando (PSDB). O tucano tem relação política quase umbilical com o Rodoanel. Esteve na comissão de transportes da Assembleia durante a obra e capitalizou politicamente com o projeto.

 Abreu deixou o governo em outubro de 2017, alvo da Operação Barbatanas, conduzida pelo Ministério Público estadual. Promotores acusam o pedetista de vender licenças ambientais e cargos dentro da pasta. Ele nega todas as irregularidades e tenta, judicialmente, retomar o mandato na Câmara.




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