Cultura & Lazer Titulo
Aguinaldo Silva: toda novela é um salto no escuro para o autor
Por André Bernardo
Da TV Press
06/03/2005 | 19:34
Compartilhar notícia


Aguinaldo Silva é um vaidoso assumido. Desses que compram todos os cremes, perfumes e hidratantes a que tem direito. "Enquanto existir a L’Oreal, meu cabelo não fica branco", diz, aos risos. Mas a vaidade do autor não é apenas estética. Com o sucesso de Senhora do Destino, ele parece ter ficado ainda mais cheio de si. De todos os autores da Globo, é o único que só escreveu novelas para o horário das nove. Além disso, das 12 novelas de maior audiência da emissora, cinco foram escritas (ou co-escritas) por ele.

A Roque Santeiro, Tieta, Pedra Sobre Pedra, Fera Ferida e Vale Tudo convém acrescentar Senhora do Destino, com 49 pontos de média e 73% de share (percentual de televisores ligados). "Meu maior acerto foi escrever cada capítulo como se fosse o penúltimo. Afinal, o penúltimo é sempre o mais eletrizante", afirma. Aos 60 anos, Aguinaldo gaba-se da responsabilidade de falar, todas as noites, para um público estimado em 60 milhões de pessoas. Por isso, garante, toma cuidado com tudo o que escreve. Mesmo assim, Senhora do Destino liderou o mais recente ranking da baixaria, divulgado pela campanha Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania. De um total de 269 reclamações, 54 foram contra Senhora do Destino. "Se a novela não tivesse a audiência que tem, ninguém se chocaria com coisa alguma", desconversa.

PERGUNTA: O que passa pela cabeça de um autor quando termina de escrever uma novela de 220 capítulos?

AGUINALDO SILVA: Ah, é basicamente alívio. Escrever novelas é um exercício físico muito exaustivo e um esforço mental ainda maior. Mas, ao mesmo tempo que você sente alívio, sente também uma certa nostalgia. Quando se escreve uma novela, os personagens da vida real passam a não ter mais importância para você. Às vezes, estava aqui em casa trabalhando quando chegava um amigo contando uma história terrível que aconteceu com ele ali na esquina. Na mesma hora, me perguntava: ‘Mas essa história não está na minha novela. Quero saber é da Nazaré’ (risos)

PERGUNTA: Senhora do Destino tornou-se uma das maiores audiências dos últimos dez anos. Como o ibope interfere no seu trabalho?

SILVA: Toda novela é um salto no escuro para o autor. Você nunca sabe o que vai acontecer. Se a sua novela será um sucesso ou um fracasso. Quando vi que a audiência começou a ser positiva, senti um alívio muito grande. Só senti realmente orgulho nas últimas semanas. Aí, comecei a pensar: ‘É, realmente, foi um grande trabalho! Mas nunca perco de vista o fato de que novela é trabalho de equipe. Se um autor disser a você que a novela é dele, não acredite, ele está mentindo. Ele pode até ser o cabeça, mas a novela não existiria se não fosse a direção, a produção, o elenco...

PERGUNTA: Pela primeira vez, você teve a chance de acompanhar a audiência através do aparelho de medição instantânea instalado no seu computador. O que achou?

SILVA: É, aquela maquininha é meio misteriosa. Às vezes, ela demora a engrenar. Outras vezes, dá um salto. Confesso que ela me deixou viciado. Inicialmente, ela estava instalada no meu notebook. Quando começava a novela, eu ficava com um olho nela e outro no aparelhinho. Um belo dia, eu estava em Itaipava quando caiu um raio de não sei onde, porque não estava chovendo, e o meu notebook pifou. Foi aí que instalei o aparelhinho no computador da minha casa, que fica longe da televisão. Com isso, passei a consultá-lo só nos intervalos comerciais, o que é menos angustiante (risos).

PERGUNTA: Em algum momento, você se deixou influenciar pelo Ibope?

SILVA: Com essa novela, aconteceu uma coisa estranha. Ela pegava do Jornal Nacional uma audiência em torno de 38 pontos e, até 21h10, ficava entre 45 e 50. A partir das 21h10, então, passava dos 50 e não parava mais de subir, independentemente da trama que estivesse no ar. Com isso, não me foi possível saber em que histórias, por exemplo, as pessoas se levantavam para fazer xixi.

PERGUNTA: Como se sente ao saber que fala, todas as noites, para um público estimado em 60 milhões de pessoas?

SILVA: Isso é muito complicado. Todo dia, eu me perguntava: ‘Meu Deus, o que eu vou dizer hoje para essas pessoas?. A responsabilidade, reconheço, é muito grande. Numa novela das nove, você não pode ousar muito. Porque as minhas opiniões, vamos e venhamos, podem não combinar com as opiniões de quem está assistindo, não é mesmo? Por isso, costumo dizer que novela é um produto que se dirige a um público tão grande que você tem de ser cuidadoso com o que escreve para não chocar ninguém.

PERGUNTA: Qual é o seu principal critério para saber se determinada cena vai ou não chocar o público?

SILVA: Alguns pentecostais trabalham na minha casa e sei que todos eles assistem à novela. Uma coisa que eu sempre me pergunto é: ‘Como será que eles vão me olhar amanhã?. Eu me preocupo muito com a opinião deles porque sei que, se eles não ficarem chocados com o que viram, então, as outras pessoas também não ficarão. Recentemente, fiquei preocupado com a cena em que a Nazaré lavava privadas na delegacia. No dia seguinte, estava no escritório quando uma delas abriu a porta, me cumprimentou com uma risadinha e foi embora. Logo, pensei: ‘Ah, que bom, ela gostou!’.

PERGUNTA: Mesmo assim, Senhora do Destino liderou o ranking da baixaria. O que achou disso?

SILVA: De fato, Senhora do Destino bateu todos os recordes de queixas. Deve ser o programa mais abominável da TV brasileira, não? Mas a verdade é que a gente tem de ler as entrelinhas. Qualquer coisa que as pessoas achem chocante na novela ganha mais proporção por causa da audiência. É natural. Se a novela não tivesse a audiência que tem, ninguém se chocaria com coisa alguma. Acho até que a novela foi bastante cândida se comparada a outras coisas que tenho visto na televisão.

PERGUNTA: A uma semana do final da novela, já arriscaria apontar Senhora do Destino como uma de suas favoritas?

SILVA: Ah, sim, seguramente. Essa novela foi muito importante porque significou para mim um rompimento com tudo o que eu já tinha feito antes: as tramas regionalistas, o realismo mágico. Recomecei do zero. Do zero, não, porque a minha experiência anterior não podia ser descartada. Mas quis fazer algo que não tivesse o menor vestígio de Aguinaldo Silva. Por essas e outras, ela mostrou que posso escrever mais novelas e, principalmente, que posso escrever mais novelas surpreendentes.

PERGUNTA: Mas você duvidava disso?

SILVA: Eu estava em crise. Porto dos Milagres, por exemplo, não passou de uma mera repetição de tudo que eu já tinha feito antes. E não só eu estava me repetindo, como todos os demais autores. Nós estávamos sempre fazendo as mesmas novelas. Para o público, isso funcionava. Mas, para mim, não. Era incômodo. Por isso, resolvi mudar. Queria fazer alguma coisa realmente nova.

PERGUNTA: Que personagens de Senhora do Destino superaram as expectativas?

SILVA: Eu tive muito medo do núcleo da Comunidade da Pedra. Pelo realismo daquela favela, achei que as pessoas pudessem rejeitá-la. Tive receio da história do Barão e da Baronesa. Achava que a história daqueles velhinhos elétricos poderia não agradar. Inclusive a outros velhinhos. Tive medo também de que a Nazaré ficasse over demais. Por isso, apelei para o humor. Ao contrário de outros vilões, que ganham todas, ela sempre fracassa. Para fugir do Madruga, por exemplo, desceu por uma corda e, quando chegou em casa, descobriu que esquecera a bolsa. No final, todos funcionaram, cada um à sua maneira.

PERGUNTA: E qual deles ficou aquém do esperado?

SILVA: Olha, tem um personagem que, por culpa minha, acabou não rendendo o esperado, que foi a Yara. Fiquei devendo essa para a Helena (Ranaldi). A certa altura, tive de transportá-la para a casa da Maria do Carmo. E, lá, eu já tinha personagens demais com histórias demais. Aí, tive de sacrificar alguém e acabou sendo a Yara.

PERGUNTA: Se estivesse viva, o que sua mãe, a verdadeira dona Maria do Carmo, teria achado da novela?

SILVA: Provavelmente, ela faria como a Maria do Carmo: se não gostasse de alguma coisa, falaria na cara! Honestamente, acho que ela ficaria ofendida com algumas coisas. Minha mãe tinha o mesmo espírito autoritário em relação aos filhos que a Do Carmo. Ela gostava também de ter a família toda reunida e, principalmente, de interferir na vida de todo mundo. Ah, e tem a coisa da comida também. A frase ‘Eu tô varada de fome!’, inclusive, era dela. Por essas e outras, acho que ela diria: ‘Meu Deus, você não podia ter feito isso comigo... Quem foi que deixou?(risos).




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;