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‘Clima é a favor da extradição de Pizzolato’, afirma deputada ítalo-brasileira Renata Bueno

Parlamentar nascida em Curitiba afirma que italianos ainda se ressentem da decisão do governo Lula de manter Battisti no Brasil

Por Raphael Rocha
Beto Silva
Evaldo Novelini
30/06/2014 | 07:00
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Andrea Iseki/DGABC


Primeira brasileira nata eleita para o Parlamento Italiano, a deputada Renata Bueno afirma que clima na Itália é favorável à extradição de Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, condenado a 12 anos e sete meses no julgamento do Mensalão, mas que fugiu para a Europa por ter dupla cidadania.

“(O Mensalão) É o maior escândalo do nosso País. Há vários condenados presos, julgados pela suprema Corte do Brasil (o Supremo Tribunal Federal). A comunidade italiana repudia o fato de ele ter usado a dupla cidadania para ficar impune”, discorre Renata, que visitou a sede do Diário.

Ex-vereadora de Curitiba, no Paraná, ela ressalta que há, na Itália, quem defenda a manutenção de Pizzolato no país como forma de troco no Brasil por não ter extraditado Cesare Battisti, acusado de terrorismo e condenado por quatro homicídios na Itália. “Digo que se a Itália der a extradição do Pizzolato será o tapa de luva no governo brasileiro. Vai mostrar para o governo brasileiro como se faz.”

A deputada revela que tem tratado diretamente com o Ministério da Cultura da nação europeia a criação da Lei Rouanet, que propõe facilidades à iniciativa privada para aporte em projetos culturais, conta que italianos se mostraram surpresos com as manifestações do povo brasileiro em pleno ano de Copa do Mundo e aguarda que os protestos que tomaram as principais ruas do Brasil no ano passado se reflitam nas urnas neste ano. “O brasileiro reclama do político, mas é o primeiro a se entregar, a votar pelo seu interesse, por um emprego. É hora de mostrar que o Brasil está evoluindo.”

É possível aproveitar algum projeto brasileiro na Itália? A sra. já levou alguma proposta do Brasil à Itália?
Há o exemplo interessante da Lei Rouanet. A Itália tem 70% do patrimônio artístico e cultural do mundo, mas um dos principais cortes na economia da Itália aconteceu nos fundos de cultura. A Lei Rouanet é interessante porque incentiva a iniciativa privada a financiar projetos culturais. Por que não a Itália ter essa iniciativa? O governo sempre bancou projetos culturais no mundo todo. A Itália mandava dinheiro em balde à América do Sul. Conseguimos protocolar o projeto, apresentamos o projeto de lei, que estou tratando pelo Ministério da Cultura italiano.

E ao contrário? O que há de positivo na Itália que pode ser aplicado no Brasil?
Um ponto interessante que trabalho no Brasil é a lei Tremaglia. Ela abre vagas para representar os italianos no Exterior. Acho legítimo. O brasileiro que deixa o País, e hoje são 2,5 milhões no Exterior, não deixa de ser brasileiro porque mora fora. É forma de participar e ter seu representante. Temos trabalhado na tradução da lei. Conversei com o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da comissão de Relações Exteriores no Senado. Conversei também com o Renan Calheiros (PMDB-AL, presidente do Senado). Vamos começar a criar debate no Brasil. O amadurecimento é lento e complexo, mas acho que temos de debater isso.

A sra. foi demandada no caso da extradição do Henrique Pizzolato?
Acompanhei desde o primeiro momento a história do Mensalão no Brasil. Tive participação forte com a polícia criminal da Itália. Pedi ênfase no caso, mostrando a importância do caso. Me falaram que há muitos refugiados na Itália, mas eu tentei mostrar a importância do caso para o Brasil. É o maior escândalo do nosso País. Há vários condenados presos, julgados pela suprema Corte do Brasil (o Supremo Tribunal Federal). A comunidade italiana repudia o fato de ele ter usado a dupla cidadania para ficar impune. Eles trabalharam intensamente junto à Interpol e a Polícia Federal brasileira por dois meses até que o encontraram em Maranello e decretaram a prisão, até por utilizar documentação falsa, do irmão (Celso Pizzolato, morto de 1978). A partir de então passamos a acompanhar a parte do processo. O trabalho foi longo porque tivemos de traduzir todo processo do Mensalão para mandar para lá. A Itália tem a faculdade de extraditar justamente por ter ele (Pizzolato) cidadania italiana.

O que a sra. defende?
Defendo que ele volte ao Brasil. Defendi desde o começo. É caso local e intenso politicamente no Brasil. Como todos os demais estão cumprindo pena, ele também tem de cumprir pena aqui. Ele tentou fugir pela impunidade, tem de voltar e cumprir a pena aqui. O Ministério da Justiça italiana recebeu processo e pediu complementação de informações ao Brasil que não foram entregues. Ajudei nisso, até para que a coisa flua bem. Houve audiência há pouco tempo (no dia 5), que foi adiada por faltarem os documentos (decisão deve ser expedida em outubro; Justiça italiana pediu informações sobre presídios brasileiros que poderiam acolher Pizzolato).

O clima na Itália é favorável à extradição?
O clima é favorável. O próprio Ministério Público da Corte de Apelação de Bolonha, que cuida do caso, deu parecer favorável. A Justiça italiana, dependendo da audiência, dará seu parecer, mas a decisão final será do Ministério da Justiça juntamente com o Ministério da Relações Internacionais. Porque acaba caindo em decisão política. Mas é muito possível, o clima é bastante favorável, justamente pelo âmbito político, pela comoção social que representa ao Brasil.

Como os italianos receberam a decisão do governo brasileiro em não extraditar Cesare Battisti?
Ficou muita mágoa. Essa comoção social que o brasileiro sente, que quer o Pizzolato de volta, foi a mesma sentida pelos italianos na época do Battisti. Os italianos sentem a mágoa até hoje. Não é nem o governo, é o cidadão italiano. É impressionante. Você anda nas ruas, fala do Brasil, e eles sentem a mágoa. Foi triste e vergonhoso porque o próprio povo brasileiro era a favor da extradição do Battisti. Foi decisão do governo (de Lula) contra a vontade popular, e que acabou gerando caos de relação diplomática que durou cinco anos. Agora é que começa a retomar a relação entre o Brasil e a Itália.

O fato de o governo brasileiro não ter extraditado o Battisti pode influenciar na decisão sobre Pizzolato?
A Itália tem tentado ser discreta. Muita gente fala que sim. Essa discrição é para não retomar toda essa mágoa do caso Battisti, que eles estão tentando superar. A Itália, no ano passado, disse que iria fechar os olhos para o caso e olhar para frente. Para eles, remontar do caso Battisti é muito ruim. Mas é inevitável que venha à tona. Tem até associações de pessoas que sofreram com os crimes de Battisti e que estão se movimentando no caso do Pizzolato. Digo que se a Itália der a extradição do Pizzolato será o tapa de luva no governo brasileiro. Vai mostrar para o governo brasileiro como se faz. Espero que aconteça.

Como os italianos veem os políticos brasileiros? O caso do Mensalão foi amplamente difundido pela imprensa italiana?
Essa questão do Mensalão não foi muito divulgada lá fora, embora a Itália tenha passado por escândalo muito semelhante que foi o Manipullite nos anos 1990. O Mensalão é parecido com isso, mas que foi falado muito na Itália somente após o caso Pizzolato. O que pegou para valer, acredito que não somente na Itália, mas em todos os países do mundo, foram os protestos do Brasil. Eles analisavam a contradição do futebol, que é paixão nacional, com o protesto. Queriam saber o que levou o povo brasileiro a protestar ao mesmo tempo que tem a Copa do Mundo no Brasil.

Qual análise a sra. faz das manifestações?
O Brasil é país que cresceu muito e tem muitas oportunidades, mas que mostra sua realidade de diferença de classes sociais. Não que a classe mais pobre tenha Educação ruim, Saúde, Segurança pública ou transporte de baixa qualidade. No Brasil, o serviço público realmente não existe. Se for comparar com países europeus, até na comparação com a Itália em crise, os serviços públicos funcionam. No Brasil é caos. As manifestações mostraram para o mundo o que é a realidade da política brasileira. O Brasil tem corrupção, a Copa do Mundo mostrou isso, é a Copa mais cara da história. É triste ver a imagem do Brasil desse jeito, mas é processo de amadurecimento e o povo brasileiro tem se despertado. A política não é melhor ou pior em outro país, mas o povo brasileiro não é politizado. O povo italiano é bastante politizado. É verdade que eles votam no (ex-premiê Silvio) Berlusconi, mas são politizados (risos). Os italianos acompanham a política, a imprensa está todo dia falando da política e do Parlamento. A política é viva no dia a dia. Aqui não, as pessoas evitam falar disso. É algo que o Brasil precisa amadurecer.

De que forma a sra. acompanhou toda discussão sobre Berlusconi, que foi condenado por ter mantido relações sexuais com uma menor quando era primeiro-ministro italiano?
Me formei em Direito no Brasil, e fui para a Itália estudar Direitos Humanos, fiz mestrado e doutorado tudo lá. Peguei essa fase berlusconiana terrível. Sempre fui política, adorava. E sempre fui muito anti-Berlusconi. Essa derrota dele agora foi política, porque perdeu seus aliados. Antes ele perdia a força popular, mas tinha grande grupo. Uma hora ou outra haveria a condenação, era inevitável, o próprio poder judiciário não tinha como esconder. A condenação aconteceu e houve processo de cassação no Senado, ele perdeu mandato. Houve nova inserção política, principalmente a de Matteo Renzi (atual primeiro-ministro da Itália), que é nova liderança e ocupou espaço. O Berlusconi acabou perdendo força de base, de grupo político.

Há futuro sustentável para a União Europeia?
Sou grande fã da União Europeia. Passa por crise porque partiu de filosofia que, integrando vários países pequenos, seria grande potência. Não é fácil tentar salvar vários países. Foi muita coragem da União Europeia. Sofre desequilíbrio, mas nada insuperável. Está passando por fase de começar equilíbrio novamente. Claro que progressão econômica vai demorar um pouco.

Essa retomada da força da União Europeia dependerá do governo ou acontecerá de maneira natural?
Depende muito dos governos. Recentemente tivemos a eleição para o Parlamento europeu e entra agora nova comissão europeia, nova fase da Itália presidindo semestre europeu. A União Europeia representa muito para o mundo porque propõe conceitos de humanidade para o mundo.

A sra. foi vereadora em Curitiba até 2012 antes de se eleger deputada no Parlamento italiano. Como a sra. acompanha a eleição de outubro no Brasil?
Vai ser eleição muito dura. Espero que todas as manifestações tragam reflexo na eleição. O brasileiro reclama do político, mas é o primeiro a se entregar, a votar pelo seu interesse, por um emprego. Sei porque passei isso como mandatária e percebemos nitidamente. No Brasil, diferentemente da Itália, que vota em lista, aqui todo mundo vota no seu candidato. Não tem desculpa. Se é corrupção, é retrato direto da sociedade. É hora de mostrar que o Brasil está evoluindo.




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