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Novos trabalhadores

Quarenta minutos de espera. Era a primeira entrevista que eu participaria em busca de um trabalho ligado a minha área de estudos

Por Carlos Ferrari
06/10/2010 | 00:00
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Quarenta minutos de espera. Não era novidade, pois já com 14 anos eu havia participado do processo seletivo para encartadores no Diário do Grande ABC, o que na ocasião havia me garantido o primeiro emprego. Por outro lado, não deixava de ser um fato novo, afinal de contas era a primeira entrevista que eu participaria em busca de um trabalho ligado a minha área de estudos.

No segundo ano de faculdade o que a gente mais quer é conseguir uma colocação relacionada ao curso. Assim, ali aguardando para a entrevista que poderia abrir essas portas, os então exatos 47 minutos pareciam mais longos de todos os meus bem vividos 20 anos até aquela oportunidade.

Finalmente fui chamado e, ao cumprimentar a entrevistadora, senti que não era só eu quem estava nervoso. Bem que haviam me dito, "você deveria ter avisado no currículo que era cego!". Mas a vaga não era para cegos e sim auxiliares de vendas, entendi então que o dado cego nesse caso poderia se tratar de informação irrelevante.

Se era ou não, o fato é que a entrevistadora estava nitidamente surpresa. A voz tensa e as perguntas com tom de quem fala com um bebê de 8 meses me fizeram rapidamente perceber que os papéis estavam se invertendo. Fazia-se necessário uma atitude proativa de minha parte para que as coisas não se tornassem mais difíceis.

Tratei então de falar do assunto. "Como você deve ter percebido eu sou cego". Essa foi a frase que serviu de alivio, e porquê não dizer, de libertação para a moça assustada. Com um largo sorriso ela respondeu: "Verdade! E como você acha que pode trabalhar aqui?"

Foi assim que uma conversa até então sem perguntas passou a se preencher de inúmeras respostas. Falamos sobre leitores de tela, de como um cego poderia interagir com o computador e da importância de recursos tecnológicos para o bom desempenho do profissional. Bem, não consegui a vaga, talvez porque não estivesse apto ou por falta de compreensão da organização quanto as possibilidades de contratação de uma pessoa com deficiência. Tenho certeza, porém, que não foi em virtude de qualquer tipo de veto por parte de Simone, a profissional que naquela ocasião me entrevistou.

Quase 15 anos depois, na condição de professor de gestão de pessoas, não tenho dúvidas que os paradigmas de recrutamento e seleção têm passado por um profundo processo de reconstrução. Isso implica, também, em um novo jeito de se apresentar para o mercado. Com deficiência ou não, o que as organizações buscam são profissionais comprometidos com o constante aperfeiçoamento. Assim, uma limitação se torna um detalhe, diante das tantas possibilidades de potencialidades a serem observadas.

Atualmente, nós trabalhadores, temos tempo para refletir. O que temos colocado em primeiro lugar quando pensamos quem contratar ou quando buscamos ser contratados? Sem preconceitos, nem amarras a grandes verdades, encontraremos neste dia, dentro de nós, um novo trabalhador pronto para interagir com as diferenças sem que isso lhe pareça uma novidade.




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