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FHC defende uniao de forças para combater narcotráfico
Por Do Diário do Grande ABC
12/11/1999 | 09:57
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O presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu na noite passada uma entrevista exclusiva ao "Jornal das Dez", da GloboNews, quando falou de diversos temas como a questao do narcotráfico, da violência nas cidades, da falta de controle na venda de armas, do desemprego, da inflaçao, do PPA e das dificuldades políticas que enfrentou no primeiro semestre do ano.

O presidente nao tergiversou em nenhuma resposta, manteve em todo o tempo o seu habitual otimismo, mas insistiu em que a guerra contra narcotráfico só será vencida se houver uma participaçao maior do Congresso, do Judiciário, da sociedade, da imprensa, da Igreja e de todos os partidos político. Sobre as perpectivas da economia, reiterou que o PIB terá um crescimento de 4% no próximo ano, e que o dólar irá recuar, já que os compromissos externos do país serao substancialmente menores em 2000. E fez um alerta aos produtores de álcool: nao vai permitir aumentos abusivos de preços e especulaçoes.

Confira a íntegra da entrevista:

Pergunta - O senhor declarou que há um enraizamento do crime organizado, do narcotráfico, nos setores políticos e governamentais. E que, por sorte, este enraizamento ainda nao alcançou as altas esferas do Poder.

FHC - É verdade. Basta acompanhar o noticiário dos jornais e das televisoes, ver esta CPI do Narcotráfico para que se verifique que existe, efetivamente, um início de enraizamento que me preocupa muito. Você vê políciais envolvidos, você vê políticos envolvidos, às vezes com mandato, você vê pessoas ligadas à Justiça sendo acusadas... Entao, existe uma situaçao que é muito mais grave do que simplesmente um fato aqui e outro ali. Existe um sistema para ser combatido.

Pergunta - Qual é o alcance do narcotráfico, hoje, nas estruturas de poder no Brasil?

FHC - Eu disse, também, o seguinte: que para sorte do Brasil esse enraizamento nao atingiu os níveis mais elevados de nenhuma destas instituiçoes. Pelo menos eu nao vi. Pode atingir, se nós nao atuarmos, porque em outros países atingiu. Eu nao quero comparar o Brasil com outros países, cada um tem sua peculiaridade, mas o que aconteceu na Itália foi muito grave, destruiu quase o sistema político italiano por ter penetrado profundamente lá. Nao estou dizendo que isso ocorra aqui. Lá, no narcotráfico, havia outros aspectos do crime organizado. Mas o crime organizado, sobretudo num mundo que se transnacionalizou nas comunicaçoes, nos modos de remeter recursos de um lado para o outro, entao é realmente uma coisa muito séria, e que nós brasileiros temos que encarar com seriedade, com persistência e com determinaçao.

Pergunta - E o senhor tem algum receio do que ainda está por vir, e mesmo assim estaria disposto a continuar incentivando estas investigaçoes? Ou haveria um limite para o trabalho da CPI do Narcotráfico?

FHC - Nao há limite algum. Nem para a CPI do Narcotráfico, nem para qualquer outra organizaçao que esteja buscando o crime ou corrupçao no Brasil. Eu acho que essas coisas nao podem ser encobertas, doa a quem doer.

Pergunta - O senhor citou o exemplo da Itália, como a Itália resolveu o problema do narcotráfico. Qual seria a diferença da cruzada que o senhor prega contra a impunidade e a 'Operaçao Maos Limpas' que levou dezenas de juízes, políticos e empresários para a cadeia?

FHC - Na Itália havia, realmente, durante muitos anos já, há décadas, houve várias organizaçoes, que chamam de máfias... Houve um momento, também, de guerrilha; houve algumas acusaçoes ligando uma coisa à outra, embora nunca fosse muito claro... Entao, na Itália, houve um processo de desarticulaçao muito grande, e houve corrupçao em níveis elevados de poder. Eu nao quero, na condiçao de presidente, eu nao posso me referir a pessoas, a líderes de outros países. Mas sao conhecidos. Alguns foram condenados, outros foram exilados... Enfim, decisoes que a Justiça italiana tomou. E houve, na Itália, a questao da Operaçao Maos Limpas, onde um conjunto de procuradores atuou com muita força para combater o crime organizaçao, havendo também excessos. Houve na Itália acusaçoes do contrário, de que tinha havido excessos. E sempre que nao exista uma norma democrática que regule, como é que se faz realmente a perseguiçao, sempre há o risco do arbítrio. Nós nao estamos nesta situaçao. No Brasil, as instituiçoes sao basicamente sadias quanto ao crime organizado. Mas nós levamos muito tempo para organizar o Estado brasileiro, e ainda estamos lutando por isso, para que ele tenha meios eficazes de combater o crime organizado.

Pergunta - Presidente, a CPI do Narcotráfico é um sucesso de mídia e de opiniao pública. E talvez a razao pela qual ela tenha tanto sucesso nessas áreas é que ela está conseguindo fazer alguma coisa contra o crime organizado, está conseguindo botar na cadeia quadrilhas do crime organizado. A imagem da populaçao de Sao Luiz vendo no telao, na porta da Assembléia Legislativa o pessoal sendo algemado, e batendo palma, é uma imagem impressionante. A CPI tem essa força por quê? Porque há uma sensaçao generalizada no país de que o Estado está perdendo a guerra contra o narcotráfico, e subestimava o poder e a influência do narcotráfico no país. O Estado está perdendo a guerra contra o narcotráfico?

FHC - Nao é só o Estado, a sociedade. O país começava a perder a guerra contra o narcotráfico, porque o narcotráfico penetra em tudo. Nao penetra só nas estruturas do Estado, destrói as famílias, desorganiza os grupos que normalmente dao coesao à sociedade; penetra nas escolas e, obviamente, um processo dessa natureza tem que ser coibido, o Estado tem responsabilidade, mas nao é o Estado. Tem que haver uma convergência de esforços. Por isso é importante a CPI. Ela realmente se orientou para combater aquilo que era a sua razao de ser, e nao para fazer política ou para acusar partidos. Nao. Está discutindo um problema, e a CPI tem instrumentos que, uma vez que o governo apóie, como está apoiando, permite a ela uma agilidade maior. Eu queria chamar a atençao para o seguinte: o governo vem tentando organizar os instrumentos para combater o crime organizado e o narcotráfico. Nós criamos a Senad, que é a Superintendência Nacional Antidrogas, para coordenar as políticas que têm de existir para combater a droga. E coloquei a Senad no meu Gabinete, o general Cardoso, que era o chefe da Casa Militar, hoje é o secretário de Segurança Institucional, e a Senad está sob o comando dele. Estamos fazendo articulaçao com o Ministério da Justiça. O ministro José Carlos Dias acabou de criar um grupo mais ágil, para dar apoio às açoes da sociedade, do Congresso, do próprio governo, para que haja visibilidade e mais rapidez. Nós criamos um Comitê de Controle Financeiro. Se existe uma movimentaçao financeira suspeita, o que se faz com isso? Para tal foi preciso criar uma lei, aprovada há um ano e pouco, levou tempo sendo discutida, que permite que se informe quando há uma movimentaçao financeira irregular. Nós mandamos uma lei para o Congresso, que foi aprovada, para permitir que haja a possibilidade de alguém mandar derrubar um aviao, se o aviao for de narcotráfico. Nao havia base legal para isso; nós estamos criando. Falta ainda uma coisa muito importante: a transferência do sigilo bancário para certas instituiçoes. Eu perguntei há pouco: como é que nos Estados Unidos pegaram o Al Capone? Quem pegou o Al Capone? Foi a Receita, nao é? Se nao houver entrosamento entre a Polícia Federal, Receita Federal e o Banco Central, as informaçoes ficam bloqueadas. Até hoje nós nao temos autorizaçao legal para o Banco Central transferir esse sigilo para as instituiçoes, e sobretudo isso dificulta, mesmo agora na CPI. Aí sim, a CPI tem o poder de quebrar o sigilo bancário. Mas eu mandei várias vezes a lei (projeto) de sigilo bancário para o Congresso, e nao consegui êxito. Espero que agora tenha.

Pergunta - Mas nao fica uma sensaçao de que, da parte do Estado, da parte das leis, da parte da Justiça, da parte da polícia, tudo é muito lento? O narcotráfico é muito rápido. Nós estamos condenados a perder essa guerra?

FHC - Acho que nao, se nós tivermos realmente empenho para ganhar, ganhamos a guerra. Primeiro, é preciso dizer que nao estamos dormindo. Nós estamos criando instituiçoes necessárias para que, com persistência, cheguem lá. O Congresso está ativo nessa matéria, a legislaçao começa a se organizar de uma forma mais conseqüente. Mas nós temos que pegar sao os donos do narcotráfico, quem ganha dinheiro com isso, é a lavagem de dinheiro. Só agora nós estamos tendo as primeiras instituiçoes legais que permitem realmente ir em cima disso, porque se nao nós vamos pegar pé-de-chinelo. Vai pegar, na linguagem da gíria, o 'aviao', o jovem que leva a cocaína. E quem financia tudo isso? E quem faz com que haja movimentaçao internacional de dinheiro? E quem encaminha esse pessoal para fugir para outros países aqui fronteiros nossos e ficar impune? Nós temos que chegar ao coraçao disso, e isso depende de serviço de inteligência. Só agora o Congresso está votando a Abin (Agência Brasileira de Informaçao), isso num sentido democrático, porque (esse órgao) tem que ser democrático. Nós precisamos efetivamente acelerar essa luta, mas para isso é indispensável nao só o apoio, mas a consciência da sociedade. A escola, a família, a Igreja tem um papel importante nisso, os sindicatos, os próprios partidos políticos... É uma questao de coesao. O que temos que entender é que essa luta é de todos nós, e também da mídia.

Pergunta - Presidente, em que pese a necessidade de uma açao articulada, de um serviço de inteligência, antes de o senhor tomar posse no primeiro mandato já havia um clamor, uma exigência de quem lida nesta área de segurança pública, do reforço de material humano e infraestrutura da Política Federal. Porque a droga vem de fora, a arma vem de fora. O Rio de Janeiro é um exemplo clássico de que, se nao houver uma repressao forte ao contrabando, nao há como a Polícia Militar e a Polícia Civil reprimir, no varejo, o narcotráfico.

FHC - É verdade. A Polícia Federal tinha 5.000 agentes e delegados. Nós aumentamos, tem 7.000 hoje - um aumento de 40%. Isso tem custo. Mais ainda: a Escola de Formaçao de Policiais estava desativada: nós ativamos. Eu fui lá. Fui para dar um sinal de apoio à reestruturaçao da Polícia Federal. Acho que hoje ela está mais apta para isso, está havendo um maior entrosamento agora, com o novo ministro, entre a Senad e a Polícia Federal. O que nós nao podemos aceitar no Brasil é essa competiçao burocrática, quando o povo quer açao. 'Saber se a responsabilidade é minha ou é sua'. É nossa, Nós temos que agir, e agir com presteza. Vamos abrir mais 1.000 vagas na Política Federal, mas é preciso mais açao da própria Polícia Federal. As fronteiras do Brasil sao imensas, nós temos 16 mil quilômetros. É muito difícil controlar, nós todos sabemos. Mas nada disso serve de desculpa. As Forças Armadas, uma questao que toda hora vem à baila, têm uma certa participaçao nesse processo. Vou dar alguns exemplos. Ainda recentemente as revistas semanais publicaram que houve uma grande manobra conjunta na Amazônia, mostrando que nós temos condiçoes de defender nosso território. Mas isso também tem efeito, moral e psicológico, para que os narcotraficantes nao pensem que isso aqui é terra de ninguém. Mas você nao pode imaginar que as Forças Armadas possam ter um treinamento específico para pegar narcotraficante, porque isso depende, como eu disse, de um serviço de inteligência, e isso a polícia tem, mas para pegar uma pessoa. As Forças Armadas sao treinadas para destruiçao em massa, elas nao sao polícia, elas sao outra coisa. Isso quer dizer que nós devemos ter sempre as Forças Armadas próximas, elas nao se negam a cooperar na inteligência, no apoio, na logística, mas na hora de chegar lá e pegar à unha o criminoso, nao é papel das Forças Armadas.

Pergunta - Presidente, políticos têm reclamado que o Banco Central estaria dificultando o acesso a informaçoes de sigilo bancário. O senhor ficaria surpreso se fosse descoberto envolvimento de alguma instituiçao financeira na lavagem de dinheiro do narcotráfico?

FHC - Nao, nao ficaria surpreso. No Banco Central, nao. O Banco Central nao tem nada com isso. Mas eu nao teria surpresa. No mundo todo é assim. Por onde é que passa o dinheiro? Passa pelo ar, é etéreo? Nao, ele tem instrumentos. Há quem manda, deposita tem gerente que sabe... Agora, como nós temos essa nova lei, sabe-se que há quase 300 pessoas suspeitas de movimentaçao de dinheiro. Mas para você transformar essa suspeita em algo que requeira açao direta, você precisa da Receita Federal e da Polícia Federal, porque nao é só o Banco Central. Há algumas reclamaçoes da CPI, eu vi, conversei com o presidente do Banco Central e ele botou à disposiçao mais gente (para investigar). O Banco Central pede aos bancos privados... Ora, sao milhoes de contas, milhoes de movimentaçoes diárias; os bancos alegam que leva muito tempo para organizar. Acho que podiam ir mais depressa. E o Banco Central tem disposiçao, o presidente está ativo nisso, o doutor Alvares, que é o diretor de Fiscalizaçao, vai apertar... Os bancos têm que andar mais depressa; acho que a CPI tem razao. O presidente do Banco Central está ansioso para agilizar mais essa questao. Mas repito: acho que precisamos ter uma cruzada nacional contra a impunidade. Cruzada nao é uma questao de alguém sair com uma espada aí, fazer bravata para obter voto. Nao é isso, nao. É a consciência de todos nós numa açao contínua contra a impunidade e contra o narcotráfico. O combate a isso, e o combate à violência, é hoje uma questao essencial para a democracia. É para o bem-estar do povo, das pessoas, para cada brasileiro, para cada brasileira, mas é também para a democracia. Porque se nao houver a consciência de que a democracia é eficaz patra combater a violência, é eficaz para combater o narcotráfico, se a populaçao sentir que a democracia sao apenas palavras, e que nao as protege, fica mal. A proteçao do indivíduo é uma açao social. Acho que o governo tem que se empenhar fortemente nessa proteçao social. E tem que haver esse entrosamento. O ministro da Justiça está chamando agora aqui os secretários de Segurança de todos os Estados. Porque nao podemos ficar também com uma briguinha; polícia militar, polícia civil, polícia federal, polícia nao-sei-o- que-lá. Ou se entende que é um só país, que é o Brasil, que é um só povo que está com medo de ser assaltado, de ter na sua família problema com a droga... Ou nós entendemos que é preciso uma consciência muito aguda, ou entao perde a batalha. Nao é que o governo vai perder a batalha, nós todos é que vamos perder a batalha. Nós nao vamos perder a batalha. Nós temos que lutar com muita firmeza para ganhar essa batalha, essa guerra.

Pergunta - O senhor nao teme que a sociedade tome a dianteira diante dos desencontros das políticas públicas, apesar do senso de urgência ao rito processual, ao Congresso que tem se manifestar... E de repente os ritmos nao sao coincidentes e todos os projetos no sentido de desarmar a populaçao, de nao permitir a posse de arma a fabricaçao de arma no Brasil, perda de popularidade, que a populaçao se arme, enfrente essa realidade tomando as rédeas da populaçao?

FHC - Bem, para que existe Estado, desde a definiçao clássica de Hobbes? É para evitar que o homem seja o lobo do homem. É isso. Evitar que haja violência de uns contra os outros...

Pergunta - Isso já nao esta acontencendo, numa certa escala?

FHC - Nao, eu acho que nao. Mas eu acho que é preciso estar sempre atento, porque essa uma funçao precípua da vida política. No momento em que se aceitar que cada um se arme, estamos perdidos. Eu acho o contrário. Acabei de mandar para o Congresso, acabei nao, já faz tempo, uma lei pedindo o desarmamento e a proibiçao de venda de armas. Vou lutar para conseguir aprová-la. Sei que é difícil. Sempre se encontra, nao sei por que, uma coisa que escapa. Mas acho que agora vai haver mais consciência. Eu vou receber no Rio de Janeiro um apelo feito pelo movimento Viva Rio de milhoes de pessoas pedindo que se proiba a venda de arma. Acho que temos que seguir nesse caminho para evitar o outro, porque o outro é o fim da democracia. É o fim mais do que da democracia, é o fim da pólis, da vida em sociedade, da vida civilizada. Nós nao podemos deixar isso. E acho que o papel dos meios de comunicaçao é decisivo nisso também. É chamar a atençao como estao chamando, e mostrar que há caminhos, que há saída, evitar que tudo vire demagogia, evitar que tudo vire sensacionalismo. Se nao houver uma açao permanente, e também um diálogo como nós estamos fazendo aqui, para que a populaçao saiba o que cada um pensa a respeito... Chame alguém que seja contra, por exemplo, a proibiçao de armas, um relator que é contra... Ele tem lá suas razoes. Eu sou democrata, quero ver qual é a razao dele. Será que o povo se convence? Nao sei. Vamos chamar. Acho que o que está acontencendo já um pouco isso. Tanto é que se deu voz, através da mídia, a esse grande clamor da sociedade por segurança. O fato de eu mesmo, como pessoa, estar me metendo nesse assunto é porque eu já estou num ponto em que 'ora, tenho que me jogar eu próprio, o país, o Brasil precisa disso aqui'. Nao é só ficar negociando com o Congresso, 'aprova tal lei, nao aprova tal lei, a polícia faz isso ou aquilo'. Tem que mostrar ao país. O país está realmente, acho eu, sensibilizado e sabendo que existe alguma voz de salvaçao. Daí talvez essa experiência da CPI... Mas há perigo aqui também, porque você nao resolve essa questao do narcotráfico somente prendendo 20, 30 ou 40 pessoas. Você tem que ter estruturas permanentes e organizadas, num marco jurídico que permita açao, para que isso possa avançar. Outro dia eu li que o presidente do Supremo Tribunal fez uma sugestao, que até endossei embora nao seja especialista na matéria, que alguma parte do esforço feito é anulado porque nao há puniçao. A pessoa fica impune. E às vezes fica impune porque existem erros na formaçao do processo. A nossa legislaçao é muito intrincada, habeas corpus para cá, habeas corpus para lá, em nome da democracia, o que é natural, o que é justo. Mas nós precisamos aperfeiçoar mais isto. Por que nao fazer juizados de instruçao como há nos Estados Unidos? Desde o começo você tem um juiz, você tem um promotor público, você tem um policial, acompanhando o processo. Faz um processo na polícia e depois um processo na Justiça. Eu até conversei com o ministro Aloysio Nunes, e isso parece que requer uma mudança da Constituiçao. No Brasil, tudo está na Constituiçao. Tudo tem esse negócio de Constituiçao. Três quintos (do Congresso) para mudar a Constituiçao. Aí o presidente começa a se envolver com os partidos, a populaçao nao gosta, acha que é barganha... Essas sao as dificuldades. Sao reais, a democracia é assim, obriga a essas tratativas longas. Mas por que nao fazer uma coisa desse tipo (os juizados de instruçao)? Nao podemos aproveitar esse momento e andar mais depressa? Na reformulaçao dos instrumentos de que dispomos? Por que a toda hora o país olha para as Forças Armadas (para combater a violência)? 'Por que nao as Forças Armadas?' (pergunta-se). Porque elas têm sentido de missao, sentido de pátria. Entao você diz: 'vai para a fronteira". E ela vai com orgulho.

Pergunta - O senhor acha que está faltando sentido de missao à Polícia Federal?

FHC - Acho. Mas nao é só à Polícia Federal. Nao quero ser injusto. Eu nao sou tonto, e vejo que a Polícia Federal atuou muito nestes últimos tempos. Em Alagoas, lá no Piauí, lá no Maranhao... Ela está muito ativa. Eu nao gosto de fazer esses juízos precipitados. Eu diria que isso é geral. Nós temos que ter um pouco mais essa consciência de que nós podemos, se nós quisermos. Se nós quisermos, eu quero criar uma situaçao que limite a açao impune. Tem que haver puniçao, senao nao adianta. O sujeito volta para cometer o crime.

Pergunta - Presidente, violência também se combate com política de geraçao de emprego e renda. E essa é uma das premissas do PPA. Ora, o PPA no Congresso só gerou polêmica até o momento. Qual é a avaliaçao que o senhor faz dessa demora na apreciaçao do Plano Plurianual e das polêmicas envolvendo, neste exato momento, por exemplo, a ameaça do presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhaes, intervir, se o constrangimento com a indicaçao do senador Luiz Estevao continuar?

FHC - Em primeiro lugar, sua premissa é discutível. De que emprego e renda evitam a violência. Veja o exemplo dos Estados Unidos, um dos países mais violentos do mundo, uma das sociedades mais violentas, com estes crimes todos. Nao é só assim nao. Isso nao justifica a fome e a violência. Com violência ou sem violência é preciso gerar emprego, gerar renda para o bem-estar da populaçao. Mas a violência moderna nao está ligada a isso, nao está ligada diretamente à pobreza. A violência do narcotráfico é outra, ela pega as camadas altas e médias. Ela tem, de outro lado, um aspecto ruim, porque emprega gente de uma maneira malsa. O Rio de Janeiro é a cidade (das grandes) do Brasil que tem a menor taxa de desemprego. Tem 5,2%. Entao, nao há essa relaçao direta de desemprego e violência. O desemprego é ruim mesmo. A violência é ruim mesmo, indiferentemente do desemprego. Agora, isso nao quer dizer que nao se deva gerar emprego, desenvolvimento, e o PPA, o 'Avança Brasil', é um grande instrumento para isso. Mas vamos olhar as coisas com uma certa perspectiva sobre o Plano Plurianual. O que está acontecendo no Senado, no Congresso, é um debate sobre o PPA. Ele nao é o orçamento do ano 2000. O orçamento do ano 2000 já foi feito por nós, pressupondo a aprovaçao do Plano Plurianual. Se nao for aprovado, vai ter que mudar o orçamento. Mas o atraso do Plano Plurianual nao poe em risco os investimentos. Agora, claro que seria melhor se eles estivessem debatendo, se é bom ou se é ruim nós termos proposto o Plano Plurianual, ao invés de estarmos debatendo quem é que vai ser o subrelator de uma parte do Planto Plurianual. Isso sao percalços da política, mas que tiram o enfoque do principal.

Pergunta - Presidente, nas últimas semanas as pressoes inflacionárias voltaram a se manifestar, o que é preocupante. O dólar chegou a bater em dois e pouco etc... Nós estamos enfrentando um momento em que há uma certa incerteza de novo se criando na economia. Esse é um problema meramente conjuntural, e daqui a pouco as coisas se acomodam e entramos num círculo virtuoso, ou esses problemas podem ameaçar essa retomada? Como é que o senhor está vendo esse momento da economia?

FHC - Estou vendo da maneira como você acabou de descrever. Ou seja: por que o Copom, que é quem cuida da taxa de juros, nao pôde baixá-la mais? Porque houve certamente aí alguns indicadores, se disse que os preços de atacado subiram. Quando você olhar mais em detalhe, e eu olho, foram alguns dos preços. Alguns sao administrados, que sao os preços de tarifas públicas, como energia elétrica, gasolina, porque o preço do petróleo subiu lá fora... Outros, sao exploraçao. A questao do álcool nao tinha nenhuma razao, foi mera tentativa de especulaçao e tem que ser combatida imediatamente. Os produtores de álcool romperam um acordo com o governo federal e com o Estado de Sao Paulo. Mas suspendemos o financiamento para eles. O que nao pode é, na primeira oportunidade, querer ganhar mais dinheiro, ao invés de trabalhar de acordo com o que foi combinado. Há outros (preços) que sao questao de entressafra, como a carne... Quando você somar esses diferentes fatores, que levam a isso, sabemos que existem algumas pressoes, mas pressoes localizadas que o governo tem instrumentos para contra-atacar. Sem dúvida alguma nós vamos combater fortemente qualquer tentativa de subida de inflaçao. A inflaçao ao consumidor praticamente foi controlada, o preço por atacado é que está preocupando mais, e tem essas questoes. A ligaçao com o dólar é indireta, é psicológica, porque nós só importamos 50 bilhoes de mercadorias, para uma produçao (PIB) de 800 (bilhoes). Entao é uma parte muito pequena que influenciaria sobre os preços. É mais psicológico. E também o dólar nao chegou a disparar, o sistema hoje é flutuante, nós imaginamos que no ano que vem vamos ter muito menos compromissos externos, e estamos na expectativa confiante de que haverá superávit na balança comercial, e essas pequenas especulaçoes (com o dólar) vao perder força. De modo que, apesar de estarmos atentos, nós guardamos o otimismo, a firme expectativa de que o ano que vem a taxa de crescimento seja de 4%.

Pergunta - Nesta última quarta-feira realizou-se no país um dia nacional de paralisaçao convocado pelos partidos de oposiçoes, movimentos sindicais e pelo MST. O movimento ficou aquém do que os próprios organizadores esperavam. Isso evidentemente foi uma boa notícia para o senhor, porque quando foi convocada essa manifestaçao, há uns três meses, era dentro de um processo crescente que visava a enfraquecê-lo, emparedá-lo no Palácio, e evidentemente fortalecer a oposiçao. O senhor teve um primeiro semestre, do ponto de vista político, de cao. Era quase uma crise por semana. De uns tempos para cá, as coisas estao amainando, aquietando, a maiora governista voltou a funcionar no Congresso, as brigas continuam mas nao batem mais no senhor, sao entre os caciques... O senhor acha que já passou o Cabo das Tormentas, já pode batizá-lo de Cabo da Boa Esperança, já vê terra à vista? Ou a situaçao ainda pode rolar ali na frente?

FHC - Eu vejo terra à vista, mas nao tenho medo da tempestade. Eu nao percebi que houve um dia de protesto, sinceramente. Eu vi muito assim localizado, queimar automóvel... Nao gostei. Nao gostei, nao; achei que nao teve efeito. O que nao quer dizer que nao possa, de repente, haver. Mas nao houve. Muito bem. Primeiro, por razoes que nós temos hoje uma situaçao mais esperançosa na economia, inclusive no emprego. A taxa de desemprego vem caindo, pouquinho, mas vem caindo...

Pergunta - O senhor está devendo um milhao de empregos pela promessa de campanha. Para gerar quatro milhoes de empregos...

FHC - Eu prometei para quatro anos. Essa conta nao vale. Nao dá para admitir, nao. Eu nao sei quantos empregos vamos gerar até o fim do ano. Geramos mais empregos. Outra coisa que eu acho que aconteceu: 'ah, os governadores vao ficar em rebeliao'. Aliás, eu tive um esforço grande, os governadores também... Mesmo com os governadores de oposiçao eu tive um comportamento, digamos, correto com eles. Eu discuto objetivamente a questao do Acre, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de Mato Grosso do Sul. Eles estao negociando com o Ministério da Fazenda. Nao faço perseguiçao, nunca fiz na minha vida. Sempre trato um governador ele foi eleito pelo povo... Eu tenho esse estilo, que é meu. As pessoas querem que eu bata na mesa, que vire, que grite. Se eu fizer isso, vou transformar o Brasil num campo de batalha permanente, com demagogia, com gritaria. Nao é assim, porque propomos caminhos. Eu acho que essa questao da relaçao federativa foi sendo desanuviada. O Congresso nunca deixou de votar, a maioria continua lá. Ela é desorganizada? É desorganizada, porque nossos partidos nao sao propriamente partidos europeus. Eles votam, eu nao posso me queixar. Tem que convencer. As vezes se perde. É natural. A democracia é assim. Entao acho que essas coisas aí estao mais calmas também. Eu nunca fiquei com medo nesses seis meses que você chamou de cao. Eu nunca fiquei como gato. Quer dizer, nao fiquei fugindo do problema, nem fiquei atiçando tampouco. Fiquei vendo o Brasil. É o meu jeito. Procuro ver, nao sei se consigo. Procuro ver mas de mais longo prazo. Procuro ver se as coisas estao caminhando numa certa direçao, nem do país, mas do povo, das pessoas. Nao vou acirrar brigas só por acirrar brigas; nao vou fazer isso. As pessoas às vezes dizem coisas desagradáveis, a gente agüenta algum desaforo... 'Ah, o presidente deve reagir!' Mas eu vou ficar igual a quem bate boca. Nao vou bater boca. Vou ver se o caminho está certo. Eu espero que esteja certo e que, com o tempo - nao para o meu benefício, mas para o benefício do país - as coisas avancem.




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