Setecidades Titulo
Parabólica e piscina, sim senhor
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
24/01/2006 | 08:30
Compartilhar notícia


Fez calor, é dim-dom o dia inteiro. A campainha da casa não pára de tocar. A dona-de-casa Maria Lúcia Reis de Lisboa, 48 anos, nem precisa espiar pela fresta da janela para saber o que a espera do lado de fora: um monte de crianças pedindo para usar a piscina. Dona do quintal mais cobiçado do Jardim Zaíra 4, em Mauá, ela faz parte de um seleto grupo de moradores de periferias carentes que transformou suas residências em verdadeiros palácios, se comparados à vizinhança.

Lúcia mora numa rua de terra, toda irregular. A casa, cercada de grades, nem chama tanto a atenção. Não dá nem pra desconfiar que, nos fundos da propriedade, a família esconde um “tesouro” para dias tão quentes. A piscina, construída há dois anos, tem capacidade para 15 mil litros de água, tratada toda semana com cloro – eles ainda não conseguiram comprar a bomba automática, e enchem e esvaziam o quadrado de azulejo com a mangueira mesmo.

As crianças, conta a “tia” Lúcia, não nadam ali com freqüência. “Tenho um pouco de medo de deixar. É muita responsabilidade. Já pensou se acontece alguma coisa? Não posso passar o dia inteiro o-lhando, é complicado.”

A idéia de construir a piscina foi do marido. Eles moram há 14 anos na casa, bastante espaçosa e arejada e, ele desempregado, começou a “inventar moda”. “Um dia ele chegou e falou ‘mulher, vou fazer um poço aqui no quintal pra gente tomar banho no calor’. E fez a piscina.” Os vizinhos apelidaram o endereço de “Clube da Lúcia”. No meio da paisagem marrom do bairro, o quintal parece oásis no deserto. Tem jardim florido, com pé de laranjeira e tudo, e aquelas estátuas de sapinho de óculos escuros se espreguiçando ao sol. Já teve quem quisesse alugar o espaço para festas. “Mas a gente não aluga, não. Perde a privacidade.”

Antes de morar no Zaíra, Lúcia vivia com o primeiro marido num apartamento no Ipiranga, bairro da capital. Não gostava muito; lá, as pessoas nem se olhavam, e até torciam para pegar o elevador livre, sem ter de passar pelo constrangimento de não ter o que dizer. “Aqui todo mundo se conhece. Não sairia daqui. Sei que sou privilegiada, tenho um pouco mais de condição que outros. É tudo gente simples. Sou simples também. Povão, né? A gente sempre dá um jeito de se divertir.” Há trinta metros do clube, dois barracos de madeira se equilibram na parte alta do barranco.

Um dos vizinhos, o pedreiro Vicente Félix de Souza, 46 anos, adora quando é convidado para as festinhas na casa da Lúcia. Quando a reportagem visitou o bairro, Vicente não se fez de rogado e caiu na piscina. “Vocês podiam vir todo dia aqui fazer matéria, né?”. Ele é um dos melhores anfitriões do Zaíra 4. Aos domingos, recebe os amigos, já que tem bom espaço para “eventos” na frente de casa. O quintal do Vicente também é sinônimo de balada. Se faz calor, refresca na base da simplicidade, só no improviso. “A gente liga a bomba do poço de água e faz a festa. Ficar suando é que não dá.”

TV sem ‘rabisco‘ – No bairro do Areião, periferia de São Bernardo, a casa do metalúrgico Gilvan Andrelino chama a atenção logo de cara, pelo tamanho, pela cor, um “rosa cheguei” e por outro detalhe, a antena parabólica. Das tantas melhorias que fez no imóvel, providenciar uma imagem “sem rabisco” para a televisão foi a primeira. “Não dava. Era um inferno. Pobre já não tem o que fazer. Sem TV, fica muito difícil”, conta ele. O filho, Kelvin, 8 anos, agradece. Não desgruda o olho e não larga o controle remoto.

A parabólica foi instalada quando a casa de Andrelino só tinha três cômodos – sala/quarto, “banheirinho” e cozinha, sem reboco. Há seis anos, ele e a esposa, Eliete, mudaram-se para o Areião “felizes que só”. Antes, viviam no Jardim Farina, também em São Bernardo. Moravam num quartinho, sem banheiro. “Há uns dois anos, começamos a arrumar nossa casinha. Economizava cada moeda para levantar as paredes. Chegava do serviço às 18h, e já ia bater massa, empilhar tijolo. Eu mesmo ergui tudo isso aqui”, relata Andrelino. A casa agora tem dois andares, varanda, e um cantinho que aguarda a construção da churrasqueira. “Se Deus quiser, faço ainda esse ano.”

Enquanto isso, ele e a esposa estão curtindo a casa nova e cor-de-rosa. Chamam a família e assam um cabrito, ou preparam buchada de bode, acompanhada de cerveja gelada. “Me dói ver que tem gente aqui que ainda mora em barraco. Sou um sujeito de sorte, que trabalhou muito. Mas sei que outros também ralam o dia inteiro e não conseguem.” Sair do Areião? “Nem pensar. Aqui, se esquecer o carro na rua com a chave dentro, ninguém mexe. Tenho sossego”, diz ele, sem esconder o orgulho de ser entrevistado pela reportagem por ter uma casa bonita. “É o esforço de uma vida inteira.”




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;