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Juíza brasileira analisa conflito que já matou 200 mil no Sudão
Pietra Nabarrete
Especial para o Diário
27/09/2007 | 08:35
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Há quatro anos, a luta entre rebeldes e o governo sudanês na província de Darfur, região localizada no oeste do Sudão, já provocou a morte de mais de 200 mil pessoas e obrigou dois milhões de africanos a abandonar seus lares e a se refugiar em campos sudaneses ou no Chade, país vizinho.

O caso, que ganhou repercussão internacional, está no TPI (Tribunal Penal Internacional), na primeira câmara preliminar da qual faz parte a brasileira Sylvia Steiner.

Dois mandados de prisão já foram expedidos pela câmara contra dois suspeitos sudaneses e, segundo Sylvia, o Tribunal aguarda que eles sejam entregues à Corte pelo governo sudanês. Um dos mandados é referente a um ministro de Estado sudanês e o outro ao líder da milícia janjaweed (milicianos árabes), que estaria envolvida em ataques à população.

Em entrevista ao Diário OnLine, a juíza comenta o caso sobre o conflito que, em 2003, começou quando dois grupos armados, o MJI (Movimento de Justiça e Igualdade) e o MLS (Movimento de Libertação do Sudão), decidiram pegar em armas em protesto à situação de marginalização e pobreza da província de Darfur.

OnLine - O TPI possui muitos casos em andamento?
Sylvia - Atualmente, o Tribunal está com casos relativos a situações em Uganda, na República Democrática do Congo, na República Centro Africana e Darfur.Agora, as investigações da promotoria prosseguem, mas os juízes não tomam conhecimento das investigações que estão em andamento pela promotoria. Isto é uma parte que cabe só a ela.

OnLine - Como está o caso Darfur?
Sylvia - A gente chama de situação a investigação. E a gente chama de caso quando o promotor vem com o pedido de mandado de prisão contra determinados suspeitos. Então, já temos com relação a Darfur um caso contra dois suspeitos. Agora as investigações da promotoria sobre crimes cometidos em Darfur continuam. Nós não sabemos se ela virá com outros pedidos de mandado de prisão ou não.

Por enquanto, nós temos dois casos: do atual Ministro de Assuntos Humanitários e contra o líder da milícia chamada Janjaweed pela prática de diversos crimes. São 21 acusações contra estes dois suspeitos.

OnLine - Quais seriam as acusações?
Sylvia
- Ataque contra a população civil, estupro, tortura, assassinato, destruição de casas e pilhagem dos bens que pertenciam às vítimas. Algumas são de tipos de crime de guerra e outras de tipos de crime contra a humanidade.

OnLine - Qual seria a participação de cada um desses dois suspeitos, segundo a promotoria?
Sylvia - A participação de um dos acusados, que é o ministro de Estado, não é direta em cometer crimes, mas o promotor alega que ele foi responsável por uma política para o cometimento desses crimes, e de financiar e armar as milícias janjaweed para que os cometessem.

Ele é acusado pela promotoria em termos de incentivar, de financiar, de fornecer armas e de autorizar que o Exército colaborasse nas operações junto com as milícias janjaweed. O outro acusado é líder da milícia. Esse é acusado de cometer ele mesmo esses delitos.

A par disso, que nós ainda não temos os suspeitos na Corte, nós já estamos trabalhando com pedidos de vítimas que querem acompanhar a investigação e o caso diante do Tribunal.

OnLine - São muitas vítimas?
Sylvia - Em relação à situação da República Democrática do Congo nós já passamos de 200 vítimas que fizeram pedido de serem autorizadas a participar do procedimento. No caso de Uganda, também estamos perto de 200 pessoas e, Darfur, creio que recebemos cerca de 30 pedidos.

Isso é importante porque é a primeira vez que um Tribunal Internacional abre esse canal para as vítimas poderem participar.

OnLine - De que forma as vítimas participam?
Sylvia - As vítimas se inscrevem para participar na fase de investigação e elas têm o direito de, por exemplo, serem notificadas de todas as decisões do tribunal, e de serem ouvidas, isso durante essa fase preliminar. Na fase de julgamento, elas têm o direito de participação mais ativo: elas podem apresentar observações, levantar questões de direito. Isso vai depender da sala de julgamento e o que ela vai autorizar as vítimas a fazer. A forma de participação é decidida caso a caso.

OnLine - O governo sudanês formulou uma resposta formal aos mandados de prisão expedidos pelo TPI?
Sylvia - Eles estão ignorando. Por enquanto não responderam, não vieram nem para suscitar a incompetência do Tribunal, a falta de jurisdição do Tribunal, não se manifestaram até agora.

OnLine - O Sudão não é um dos membros do Tribunal.
Sylvia - Ele não é um Estado Parte. Agora, o Estatuto de Roma tem uma previsão de que o Conselho de Segurança (ONU) pode remeter qualquer caso para o Tribunal e foi o que aconteceu com a situação de Darfur. Portanto, o Tribunal tem competência para julgar esses casos.

OnLine - O que acontece se o governo sudanês não cooperar com o TPI. Quais medidas serão tomadas?
Sylvia - Na verdade, o Tribunal não tem polícia, ele não tem poder coercitivo ele próprio. O Tribunal depende exclusivamente da cooperação dos Estados Partes, os Estados que ratificaram o Estatuto de Roma. Além disso, qualquer Estado pode cooperar voluntariamente com o TPI.

Então, se um dia um desses acusados estiver em território de um deles, o Estado Parte tem a obrigação de prendê-lo e entregá-lo ao Tribunal. Fora isso não há muito o que se possa fazer a não ser esperar que o Sudão coopere com o Tribunal.

OnLine - De que forma isso atrapalha o andamento do caso?
Sylvia - O caso, em princípio, está só esperando. Nós não sabemos ainda quais serão os futuros passos que o Tribunal pode dar em relação a esses dois mandados de prisão expedidos.

OnLine - Quantos juízes participam deste caso?
Sylvia - O caso Darfur está na primeira câmara preliminar da qual eu faço parte junto com mais duas juízas.

OnLine - Qual a função da câmara preliminar?
Sylvia - A câmara preliminar expede os mandados de prisão a pedido do promotor.Depois que os suspeitos são encaminhados ao tribunal essa câmara preliminar é a que cuida da análise das primeiras provas que o promotor traz e decide se existem elementos suficientes para levar a pessoa a julgamento.

OnLine - Qual a importância do TPI para os conflitos mundiais?
Sylvia - É importante na medida em que um dos seus principais objetivos é acabar com a cultura da impunidade, é trazer a julgamento aqueles que cometeram crimes que colocam em risco a paz e a sobrevivência da própria humanidade.

A idéia é a de que cada Estado julgue os seus  nacionais acusados de cometer os crimes mais graves contra a paz e a segurança mundial, mas se o Estado não fizer isso, o TPI vai fazer.




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