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A Igreja na cidade
Por Do Diário do Grande ABC
13/06/2016 | 07:00
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Os estudiosos das cidades estão de acordo em afirmar que a grande tarefa do século 20 foi a construção das cidades e neste século 21, as cidades virtuais. Não que as cidades sejam uma novidade. O Império Romano caracterizava-se por uma sólida unidade político-cultural e por um grande pluralismo religioso. A base do êxito do império eram as cidades, historiadores afirmam. As cidades eram o mundo do Estado, da política (polis = cidade) e do direito positivo. Favorecida pelas cidades, podemos dizer que havia uma espécie de ‘globalização’.

O cristianismo se deu bem e soube evangelizar as cidades do Império. Com as invasões bárbaras, as cidades desapareceram para retornarem nos primórdios da modernidade. A Igreja não teve, porém, a mesma habilidade de antes em relação às cidades. Hoje parto da reflexão do papa Francisco em seu documento Evangellii Gaudium (n 71-75) para propor uma reflexão sobre a cidade.

Para entender como agir na cidade, é necessário identificá-la a partir de um olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus, que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os cidadãos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam tateando, de maneira imprecisa e incerta. Na vida cotidiana, muitas vezes os cidadãos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido religioso.

Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas outras linguagens, símbolos, mensagens e paradigmas que oferecem novas orientações de vida, muitas vezes em contraste com o Evangelho de Jesus. Cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade. As grandes áreas e a cultura que exprimem são, hoje, lugar privilegiado da nova evangelização. Isto requer que a Igreja imagine espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas.

Deste modo, a Igreja necessita de uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais. É necessário chegar aonde são concebidas as novas histórias e paradigmas, alcançar com a palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das cidades. Não se deve esquecer que a cidade é um âmbito multicultural. Nas grandes cidades, pode-se observar uma trama em que grupos de pessoas compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes, constituindo-se em novos setores humanos, em territórios culturais, em cidades invisíveis. Na realidade, convivem variadas formas culturais, mas exercem muitas vezes práticas de segregação e violência.

A Igreja é chamada a ser servidora de um diálogo difícil. Enquanto há cidadãos que conseguem os meios adequados para o desenvolvimento da vida pessoal e familiar, muitíssimos são também os ‘não cidadãos’, os ‘meio cidadãos’ ou os ‘resíduos urbanos’. A cidade dá origem a uma espécie de ambivalência permanente, porque, ao mesmo tempo em que oferece aos seus habitantes infinitas possibilidades, interpõe também numerosas dificuldades ao pleno desenvolvimento da vida de muitos. Esta contradição provoca sofrimentos. Em nosso País, as cidades são cenários de protestos em massa, onde milhares de habitantes reclamam liberdade, participação, justiça e várias reivindicações que, se não forem adequadamente interpretadas, nem pela força poderão ser silenciadas.

Não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de encontro e solidariedade transforma-se muitas vezes em um lugar de retraimento e desconfiança mútua. As casas e os bairros constroem-se mais para isolar e proteger do que para unir e integrar. A proclamação do Evangelho é papel da Igreja do Grande ABC e de tantas outras igrejas a fornecer uma base para restabelecer a dignidade da vida humana nestes contextos, porque Jesus quer derramar nas cidades vida em abundância (cf. Jo 10, 10).

O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é o melhor remédio para os males urbanos, embora devamos reparar que um programa e um estilo uniformes e rígidos de evangelização não são adequados para esta realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade.

Dom Pedro Carlos Cipollini é bispo diocesano de Santo André. 




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