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Dicionário decifra tradição oral nordestina
Por Nelson Albuquerque
Do Diário do Grande ABC
25/04/2004 | 17:21
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Se estiver em Alagoas e ouvir alguém comentar que você está brocha, não precisa se invocar. Lá, a palavra é usada para pessoas “muito ocupadas, sem tempo para nada”. E se for convidado para um cagafum, não deixe de ir só por invocar com o nome, pois trata-se de uma festa vagabunda, de quinta categoria. Quem nos salva da confusão lingüística é o jornalista Fred Navarro, autor do Dicionário do Nordeste (Estação Liberdade; 408 págs.; R$ 36).

O livro é o desdobramento de uma obra anterior de Navarro: Assim Falava Lampião, de 1998. A pesquisa foi intensificada e o autor reuniu 5 mil palavras e expressões originárias da cultura oral dos nordestinos. O livro tem muitos verbetes engraçados e curiosos, mas sua maior importância é pelo registro da língua portuguesa falada em um região do país tão rica culturalmente.

Navarro é pernambucano, e mora em São Paulo há 15 anos. Juntou o que conhecia do palavreado de sua terra natal em oito anos de pesquisa. Viajou ao Nordeste, checou informações e coletou provas e exemplos. Foi aos livros, à música e até à gastronomia local para conseguir mais referências. Entre suas fontes, estão as obras de João Cabral de Melo Neto, Falcão, Gilberto Gil, Gilberto Freyre e Lenine, entre outros artistas nordestinos.

Do povo também conseguiu expressões, algumas que explicitam regionalismos. Na maior parte do Brasil, quem pede um romeu-e-julieta, recebe uma fatia de goiabada com outra de queijo. Mas, em alguns Estados nordestinos se refere ao “picolé dividido em duas partes (amarela e marrom)” ou ao “sorvete com duas bolas”.

Típico do nordestino é fazer brincadeiras de teor sexual. O livro é extremamente fiel a essa característica e traz momentos divertidos, como cacete, que na Bahia é o nome de um tipo de pão. Outro exemplo: para falar ironicamente que uma mulher é virgem, pode-se dizer que ela “nunca tirou uma cueca com a boca”.

A pesquisa do autor contribui ainda para mostrar o dinamismo da língua. São palavras que ganham acepção própria, que evoluem de outras, que nascem de um comportamento local.

O leitor perceberá que até usa vários dos verbetes. E o significado é o mesmo, ou parecido, como dengosa, sinônimo para cachaça. Por outro lado, há palavras que podem gerar outros entendimentos. No país todo, esbodegar-se é arrebentar-se, destruir-se. Mas, na Paraíba, dizer que uma pessoa está esbodegada é o mesmo que dizer que ela está irritada, enfadada.

No prefácio, o professor de Lingüística da Universidade de Brasília, Marcos Bagno, elogia trabalhos como o de Navarro, e critica quem se baseia em conceitos de “língua certa” e “língua errada” (cita a mídia como exemplo). “Essas noções arcaicas (...) ajudam a preservar e a nutrir um tipo de preconceito profundamente arraigado na nossa cultura, o preconceito lingüístico, fator de exclusão social”.




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