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A velha pantera Maria Alice Vergueiro
Por Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
06/12/2010 | 07:06
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Desde que estourou no Youtube há quatro anos, como a debochada senhora maconheira de Tapa na Pantera, Maria Alice Vergueiro, que tinha 72 anos à época. se adequou à uma nova realidade: a internet e o seu poder globalizador.

Comprou um computador, fez um blog e ficou de olho no Youtube, o instrumento que a popularizou mais do que as quase cinco décadas em que ela se dedicou ao teatro.

Agora, com a montagem de As Três Velhas, espetáculo que ela dirige e atua, que fez curta temporada em São Paulo, se apresenta neste fim de semana no Sesc Santo André e segue para o Rio de Janeiro, ela não abre mais o computador, mas lembra do vídeo que mais lhe chamou atenção na web nos últimos tempos.

"É um gorila tocando bateria com cara de quem tá pensando, muito parecido com um homem. Uma idiossincrasia", conta a atriz, que recebeu a equipe do Diário em seu apartamento, na Capital.

Mas não deixa de acrescentar, em seguida, a piada do chimpanzé: "Trancaram o macaco dentro de uma sala cheia de recipientes, daqueles de laboratório, para ver o que ele faria. Olharam pelo buraco da fechadura, mas viram apenas o olho do macaco", conta rindo, em uma história que muito se assemelha à sua.

Não foi o mundo da internet que a engoliu, mas ela, diante da realidade dos fatos, que soube se inserir nesta nova ordem e estabelecer diálogo entre a sua arte e as ferramentas disponíveis para fazê-la crescer.

"O Youtube estava surgindo, ninguém sabia o que era. Percebi que foi um sinal para eu entrar em outro mundo. Ainda hoje tento entender a linguagem da internet. São outros formatos, entrelaçados, um meio que absorve o outro."

E é por já ter esse meio como aliado, que ela o enquadra em sua filosofia, de experimentar para descobrir. Assim acontece em As Três Velhas, texto do multiartista chileno Alejandro Jodorowsky, em que ela atua, dirige e aproveita para imiscuir resquícios de sua própria experiência.

Em uma mansão, duas marquesas octogenárias, vítimas do abandono, passam fome enquanto relembram as glórias e tristezas do passado, em uma noite de revelações e descobertas. As personagens, vigiadas pela centenária criada Garga, papel de Maria Alice, são vividas por Luciano Chirolli e Pascoal da Conceição .

Só que, quase como o que ocorreu na vida real, elas são alçadas à estrelas por meio de um filme divulgado no Youtube e viram garotas-propaganda de uma marca de refrigerantes. Sinal que demonstra a necessidade de atualização.

HISTÓRIAS - A atriz, na entrevista, não se mostrou muito receptiva a relembrar o passado. "Para conhecer sobre a minha vida é só apertar o Youtube. O Itaú Cultural diz tudo", disparou.

"Vamos falar de Santo André, que é para onde vou", desviou em seguida, contando sobre a sua afinidade com a cidade, onde se apresentou muitas vezes com o Ornitorrinco, grupo criado em 1977 por Maria Alice, em parceria com Luiz Roberto Galízia e Cacá Rosset.

As assistentes de direção do espetáculo, Carolina Splendore, Aila Rodrigues e Viviane Palandi, aliás, são formadas pela Escola Livre de Teatro de Santo André.

JODOROWSKY - A figura do multiartista chileno sempre reaparece na conversa. "Muitas pessoas que atuaram na contracultura, depois que o movimento recuou, desanimaram. Chamam a época de ‘o sonho que acabou', todo mundo negou o que havia sonhado. Eu continuei, e Jodorowsky também."

Maria Alice ouviu muito falar dele nos anos 1970. Em 2007, durante uma mostra de seus filmes, em São Paulo, o conheceu pessoalmente. E descobriu que ele escrevia para teatro, "Comprei toda a sua obra, que havia sido editada na época. Quando li As Três Velhas, pensei: é isso o que vou fazer", recorda. "E sinto que o dia que nos conhecemos foi um reecontro."

O que lhe chama atenção em suas criações é a maneira de contar, que mistura percepção numa linguagem não linear, daquelas que "quando você vê o final do ato, já matou tudo", porque teatro, para Maria Alice é uma cura que não se pode justificar: "Teatro se realiza quando toca no insconsciente do público, daí então ele participa, não fica só como intelecto. É além do intelecto."

E juntar Jodorowsky, Maria Alice Vergueiro e Youtube junto é mais uma etapa de um caminho de descoberta. "Sabe quando você experimenta coisas novas, mas a referência sua é a mesma? o nome disso é vanguarda, mas é um tipo meio pedante. Jodorowsky é mais individualista, mas não no sentido egoista da palavra. Ele passa a ver o mundo através de si mesmo e a cultura servindo como pesquisa", diz.

"O que veem em mim é a vontade de continuar pesquisando, não a de repetir o que deu certo comercialmente. Podemos recriar, repertir, jamais", completa.

As Três Velhas - Teatro. No Sesc Santo André - Rua Tamarutaca, 302. Tel.: 4469-1200. Sáb. e dom., às 20h. Ingr.: R$ 5 a R$ 20.

 




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