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Crise faz alunos migrarem da rede privada para a pública

Apenas em S.Bernardo, processo de mudança teve
alta de 29,8% em 2015 em comparação com 2014

Por Natália Fernandjes
06/03/2016 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Afetadas pela grave crise financeira que assola o País, as famílias do Grande ABC já são obrigadas a mudar os hábitos e a abrir mão de alguns gastos. A Educação privada tem sido uma das áreas escolhidas para aliviar o orçamento apertado, consequência, muitas vezes, da perda do emprego. As redes públicas de ensino, tanto municipal quanto estadual, confirmam aumento da demanda de matrículas de alunos oriundos das instituições pagas em 2015.

Em alguns casos, como São Bernardo, o número de matrículas migradas da rede privada teve alta de 29,8% em 2015, quando comparado com o ano anterior. Levantamento fornecido pela Secretaria de Educação do município mostra que a quantidade de alunos oriundos do ensino pago saltou de 349 para 453 no período. Até janeiro, 405 estudantes já haviam trocado escolas particulares pela rede municipal. Ao todo, a rede conta com aproximadamente 72 mil alunos.

Já em municípios onde a rede privada não é tradicional, como São Caetano, o índice de migração foi menor: 6%. A quantidade de crianças que trocaram o ensino pago pelo gratuito ofertado pela cidade passou de 498 em 2014 para 530 em 2015. Até janeiro, 288 famílias seguiram o mesmo caminho. Conforme a Secretaria de Educação, pelo discurso dos pais no momento da busca por vagas, a mudança é resultado, também, de problemas financeiros e, em alguns casos, elevação do preço das mensalidades das unidades de ensino particulares.

“O desemprego está aí. E, com isso, às vezes, os pais não têm mais como manter os filhos no colégio particular. Então recorrem para a rede pública. E a gente tem que agasalhar. Não podemos negar a uma criança o direito de estar na sala de aula”, afirma o prefeito de São Caetano, Paulo Pinheiro (PMDB). A cidade, inclusive, iniciou a construção de unidade de ensino destinada a creche (200 vagas) com investimento de R$ 2,5 milhões e previsão de entrega até dezembro. “Estaremos atentos e, caso haja necessidade, vamos ampliar o número de salas de aula. Já estamos remanejando as crianças para que caiba mais alunos”, enfatiza.

Ribeirão Pires também confirmou o movimento em direção à rede municipal. A cidade, porém, não especificou os números. Informou apenas que 15 crianças oriundas da rede privada aguardam vaga para ingressar em unidade do primeiro ciclo do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano) e 550 crianças em idade de creche (zero a 3 anos) estão em fila de espera. A rede municipal conta com cerca de 8.000 alunos.

Na rede estadual foram 195,7 mil matrículas de estudantes oriundos do ensino particular em todo o Estado até agosto de 2015. O número é maior que o registrado em 2014 inteiro, quando 195 mil famílias seguiram o mesmo movimento. Já em comparação com 2011, os dados de 2015 correspondem a alta de 29,4%.

A Secretaria da Educação não soube informar os números regionais, mas mantém 6,8 milhões de matriculados em todo o Estado.

Mauá informou que não houve percentual significativo de transferências de alunos da rede privada para a rede municipal no período analisado pelo Diário. Já Santo André destacou que não possui levantamento sobre o tema. Diadema e Rio Grande da Serra não responderam.

Para especialista, movimento pode contribuir para a qualidade da rede

“A escola pública tinha mais qualidade quando estudava nela tanto o filho do padeiro e do coveiro quanto o filho do engenheiro, do médico”, considera o professor de Filantropia da Educação e História da Educação da FSA (Fundação Santo André) Sebastião Porto. Para o especialista, à medida em que crianças da classe média migram para as redes municipais e estaduais, há expectativa de que, a partir da exigência, haja melhora do ensino.

“Quando a escola pública recebe apenas o filho da classe trabalhadora, passa a ser negligenciada. Com a volta da classe média, essas pessoas não vão admitir escola com três meses sem professor, sem qualidade”, acredita Porto.

Cabe ao gestor público, segundo o especialista, oferecer condições para que a comunidade possa participar da organização do orçamento. “No caso da creche, não garantimos nem o acesso. Nos ensinos Fundamental e Médio, o desafio é por permanência e qualidade. O recurso existe. Só precisamos saber para onde está indo”, considera.

Sem opção, mãe tira filha da escola

A ampliação da família, somada ao alto custo de vida resultado da inflação, foi determinante para que a técnica de enfermagem Sheila Teixeira Conceição, 36 anos, tirasse a filha Alana Teixeira Rodrigues, 3, da creche onde estudava desde o ano passado, na rede particular. “Essa situação é muito triste e dá dó, porque ela estava lá desde 1 ano”, destaca.

O problema, no entanto, é que a filha da moradora do Parque São Vicente, em Mauá, está em idade considerada gargalo para as redes de ensino municipais da região. A oferta de vagas é inferior à demanda. Com isso, a pequena Alana se junta a outros 15,7 mil moradores do Grande ABC com idade entre zero e 3 anos que aguardam oportunidade de estar na sala de aula. “Ela já estava aprendendo. Acho um desperdício deixá-la em casa. Ela chora de vontade de ir para a escola quando vê o irmão (Renzo, 6) indo”, revela a mãe.

A dificuldade aumenta à medida em que o período de licença-maternidade de Sheila caminha para o fim. “Volto a trabalhar no fim do mês e já começo a ficar desesperada em pensar que vou ter de deixar a bebê (Lívia, 4 meses) e a Alana com a minha mãe, que já tem 73 anos e sofre problemas de saúde, inclusive vive indo ao médico. Só me resta recorrer à Justiça”, comenta a moradora de Mauá.
 




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