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Dom Cláudio é referência no Grande ABC e no mundo

Cardeal de 80 anos completa hoje quatro décadas de ordenação episcopal, com ampla trajetória de atuação social

Nilton Valentim
Vanessa de Oliveira
25/05/2015 | 07:00
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Ricardo Trida/DGABC


Em sua trajetória como homem de Deus, escolhido por Ele para uma missão especial, o cardeal dom Cláudio Hummes, 80 anos, fez história no Grande ABC e, consequentemente, no Brasil, ao lutar contra os crimes da ditadura militar e apoiar as greves do movimento sindical, que tinham como líder o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E é na região que dom Cláudio celebrará quatro décadas de ordenação episcopal, completadas hoje. Para marcar a data, será realizada, às 19h30, missa de Ação de Graças na Catedral Nossa Senhora do Carmo, no Centro de Santo André.

A escolha da cidade para celebração do fato tem motivo: o religioso foi bispo da Diocese andreense entre 1975 e 1996. “O coração dele está aqui”, salienta o amigo frei Sebastião Benito Quaglio, 76 anos, da Associação Milícia da Imaculada, de São Bernardo. Será ele, inclusive, quem levará dom Cláudio à celebração desta noite.

Por várias vezes nos anos 1970 e 1980, o cardeal permitiu que os sindicatos se reunissem em igrejas de sua Diocese para articular ações, dificultando a repressão militar. “Um dos momentos mais marcantes foi uma greve geral em 1983, quando ele abriu a Igreja do Carmo para realizarmos uma assembleia, já que o nosso sindicato estava sob intervenção. Dom Cláudio teve papel fundamental na democracia e na luta dos trabalhadores”, fala o ex-prefeito de Santo André e atual secretário municipal de Direitos Humanos e Cultura de Paz da cidade, João Avamileno (PT).

O padre Carlito Dall''Agnese, 79, era titular da Catedral do Carmo nos anos de 1980 e 1981 e vizinho de dom Cláudio. Com seu Volkswagen Passat, ele conduzia o bispo rumo às assembleias e portarias das empresas da região para ajudar os operários a dialogar com as autoridades. O sacerdote relembra passagem ocorrida em Santo André, quando, aconselhado por dom Cláudio, abriu as portas da igreja para os trabalhadores em greve. “A polícia veio e o comandante deles me proibiu de dar o microfone para eles falarem. Eu disse a eles: ‘Subam nos bancos e falem bem alto para todos ouvirem’. Não deixei de cumprir a ordem”, afirma.

O bispo de Mogi das Cruzes, dom Pedro Luiz Stringhini, 62, foi auxiliar de dom Cláudio por seis anos em São Paulo e também destaca sua atuação junto aos trabalhadores durante a ditadura. “Ele tomou o lado dos operários em uma época em que vivíamos uma tremenda luta de classes, assim como optou pelo lado dos mais pobres quando esteve em São Paulo e acolheu os moradores de rua. Buscou o que a Igreja poderia fazer por essas pessoas menos favorecidas.”

O deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), recorda que o cardeal o ensinou o real significado da palavra companheiro. “Ele me disse que é originária do latim e quer dizer compartilhar o pão”, conta. “Durante a ditadura militar, ele nunca se omitiu em estar ao lado dos trabalhadores, deixando uma marca em nossa região e na classe operária que ficou para a história”, completa.

“Ele foi um bispo que conseguiu evitar tragédias estando presente e mostrando o caminho do evangelho e do diálogo. Lula disse que o Brasil seria diferente se não tivesse essa participação e que encontrou nele um amigo”, ressalta o frei Sebastião.

Procurado para comentar sobre a importância de dom Cláudio para a região, o Instituto Lula não se pronunciou até o fechamento desta edição. O religioso, por sua vez, não foi encontrado, pois está em uma viagem a Brasília.

PAPA

Dom Cláudio também teve papel fundamental na escolha do nome do maior líder da Igreja Católica, o papa Francisco. Aliás, quando, no dia 13 de março de 2013, o primeiro pontífice latino-americano foi apresentado ao mundo, dom Cláudio estava ao seu lado, no canto direito da varanda da Basílica de São Pedro, no Vaticano. “Não era tradição chamar um cardeal ao lado do papa, mas ele chamou dom Cláudio e a presença dele foi determinante para a escolha do nome, quando ele disse em seu ouvido: ‘Não se esqueça dos pobres’, o que o fez lembrar de São Francisco de Assis”, conta Quaglio.

Em outubro daquele ano, a dupla visitou o papa no Vaticano. A relação de amizade entre Francisco e o cardeal brasileiro é tamanha que ele os recebeu em seus aposentos. “Pedi para tirar uma foto e o papa se colocou à frente do quadro de São Francisco de Assis, olhou para dom Cláudio sorrindo e disse: ‘Vamos fazer a fotografia na frente de São Francisco, para nunca nos esquecermos dos pobres’”, relembra Quaglio, que se orgulha imensamente dos laços de companheirismo de 38 anos com dom Cláudio. “Uma amizade que foi sempre dirigida para o bem”, resume.

Posse na Diocese de Santo André foi em dezembro de 1975

Ademir Medici

Do Diário do Grande ABC

Participamos da primeira entrevista de dom Cláudio como bispo diocesano de Santo André, que abrange todas as paróquias do Grande ABC. Não foi uma entrevista coletiva. Dom Cláudio atendeu aos repórteres que o procuraram, na antiga residência episcopal, na Praça do Carmo, em Santo André. Foi no dia da posse, 29 de dezembro de 1975. Não houve cerimônia formal de transferência do comando da Igreja do Grande ABC de dom Jorge Marcos de Oliveira para ele. Anunciou-se apenas que dom Cláudio Hummes seria o bispo a partir daquele dia.

Na entrevista, dom Cláudio anunciou completo replanejamento da diocese, com a criação de várias paróquias. Essas seriam as suas metas iniciais. Não entrou em detalhes. Afirmou apenas que tais modificações partiriam “de baixo para cima, refletindo junto às 75 paróquias da diocese”.

Dom Cláudio estava no Grande ABC desde junho de 1975. Durante o segundo semestre daquele ano atuou como bispo coadjutor, com direito à sucessão. Nesse tempo, visitou cerca de 40 paróquias e sentiu, como declarou, que o povo demonstrou acolhida boa e agradável.

Pedimos que dom Cláudio comparasse a comunidade do Grande ABC com a de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde fora ordenado bispo, em 25 de maio de 1975. Considerou a daqui mais calorosa que a gaúcha.

Suas primeiras palavras já como bispo titular do Grande ABC foram sobre a necessidade de um incremento pastoral operário na região, mas que não tinha ideia inicial do que seria feito. Adiantou que os padres de Diadema se sentiam muito atarefados em decorrência do rápido crescimento do município e que seria preciso criar novas paróquias.

Sobre a Igreja Católica no Brasil, Dom Cláudio comentou que, depois do Concílio Vaticano 2, a Igreja brasileira renovou-se em vários setores. Atuava agora com muita independência.

Uma palavra sobre o antecessor. Dom Jorge permaneceria residindo em seu sítio em Suzano. Permaneceria atuando no Grande ABC como bispo resignatário, isso é, “se retirando de qualquer responsabilidade à frente da Diocese”.

Disse dom Cláudio: “Dom Jorge foi o fundador do Lar Menino Jesus, que possui três centros no Grande ABC e que atende crianças desamparadas. Ele continuará orientando no funcionamento desses centros e também realizando outros serviços pastorais de atendimento aos doentes”.

Todas essas informações estão publicadas no Diário em 1975. Os demais jornais não abriram tanto espaço ao novo bispo e o enfoque das matérias voltava-se mais à renuncia de dom Jorge. As mudanças gerais anunciadas vinham sempre precedidas da informação que tais alterações eram normais.

Pelos 21 anos seguintes vamos encontrar dom Cláudio sempre ao lado dos trabalhadores. Cada matriz ou capela visitada tem as suas declarações por escrito nos livros de tombo, geralmente de animação às comunidades.

A convivência com o antecessor foi sempre amável e de respeito, que pode ser sintetizada na carta manuscrita que dom Cláudio endereçou a dom Jorge em setembro de 1986, formalizando a nomeação de dom Jorge como vigário geral da Diocese. 




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