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Crime passional alavanca índice de homicídios

Grande ABC teve aumento no número de assassinatos em janeiro

Rafael Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
04/03/2012 | 07:00
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Enquanto Capital e Estado registraram queda no número de assassinatos em janeiro, comparado no mesmo mês em 2011, o Grande ABC teve aumento de 45% nesse tipo de ocorrência. Foram 20 casos no primeiro mês do ano passado contra 29 em 2012. Segundo o comando da Polícia Militar e as delegacias seccionais, o crescimento se deve principalmente aos crimes passionais. No ano em que Lindemberg Alves Fernandes foi condenado pela morte de Eloá Pimentel, a região já contabiliza cinco casos de repercussão envolvendo mulheres vítimas de ex-companheiros que não aceitaram o fim do relacionamento.

O número é alarmante. Ao todo, 6.217 mulheres fizeram Boletim de Ocorrência por ameaça de morte no Estado em janeiro, 1.183 delas na Grande São Paulo. "Nossa cultura continua desigual do ponto de vista do gênero, em que os companheiros são considerados donos das mulheres", apontou Dulce Xavier, coordenadora do grupo de Trabalho de Gêneros do Consórcio Intermunicipal.

A sensação de posse, aliada à baixa autoestima e impulsividade, são os principais fatores que levam o agressor a assassinar a ex-companheira.

O coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, Danilo Baltieri, explica que, mesmo o crime sendo motivado pela vingança, os sinais ocorrem antes das ameaças, como perseguição à vítima e recusa em aceitar o fim do romance. Por isso, é necessário que os familiares estejam atentos aos indícios.

"É preciso notar esse comportamento. Às vezes a família do agressor acaba tomando as dores e não percebendo que, se ele não for controlada, a situação pode chegar a um ponto muito grave."

É o cenário comum a quatro casos na região. A única exceção foi o crime mais chocante dentre os passionais. Após festa de Réveillon, a adolescente Gabriela Oliveira Romano, 16 anos, foi brutalmente assassinada por Jonathan da Silva Araújo, 18, depois de ser estuprada. O motivo, torpe, foi um amor jamais correspondido de uma vizinha de bairro. "Chocou principalmente pela explicação passo a passo que ele deu do crime", disse Evandro Lima, delegado titular do Setor de Homicídios de Diadema.

Essa é outra característica dos agressores: minimizar o feito. Lindemberg demonstrou calma e frieza ao relatar a morte de Eloá em seu júri. Assim como seu amigo, que matou a mulher a facadas. "Qualquer ameaça à sua estima é justificada", disse Baltieri. "Uma vez tratado, esse indivíduo repensará suas ações e verá o quão louco estava naquele momento."

Cerca de 99% dos crimes passionais têm autoria conhecida. Dulce Xavier relata que, apesar de mais mulheres procurem por centros de apoio e delegacias especializadas nos últimos anos, ainda é comum que vítimas encarem ameaças e agressões como um momento de nervosismo do homem. "É preciso levar muito a sério uma ameaça de morte. Muitas enxergam essa forma de tratamento humilhante como normal."

Titular da Delegacia de Defesa da Mulher de São Bernardo, Ângela Ballarini concorda. "Elas não querem processo criminal, mas mudança de comportamento do homem."

Registro de ocorrência pode agravar crise

Em três casos registrados na região, uma semelhança: as mulheres procuraram ajuda e registraram Boletim de Ocorrência contra os ex-companheiros. Para o médico Danilo Baltieri, isso pode agravar a revolta do agressor. "A procura pela polícia, em parcela significativa desses indivíduos, significa mais uma ameaça."

Para os especialistas, a mulher deve se cercar de cuidados após registrar queixa policial contra o companheiro. "Não adianta fazer o BO e continuar com a mesma rotina", disse Baltieri.

É o caso de Edinalva Rocha Morais, 58 anos. Após a filha e ela serem ameaçadas pelo operador Eduardo de Oliveira, 38, elas registraram ocorrência por ameaça. Mas dispensaram proteção policial. "Não acharam necessidade", disse a neta.

O pedreiro Osmar da Silva Rosa, 44, quebrou o carro da cabeleireira Edneia Jeronymo, 43, e ela procurou a DDM de Santo André. Intimado a depor, ficou desesperado e passou das juras de amor eterno às ameaças para que ela retirasse as queixas. Matou-a um dia antes da data marcada para seu depoimento à polícia.

Adriana Moreira, 39, não aguentava mais a perseguição do ex, Rodrigues de Alcântara, 32, e procurou o 2º DP (Santa Maria) de São Caetano. A Polícia Civil chegou a abrir inquérito e, entendendo a seriedade do caso, pediu a prisão preventiva do pintor. De nada adiantou.Ela foi assassinada e ele continua foragido. "Se não tivessem pedido a prisão dele, ela estaria viva", disse um parente. "Mas não dá para ser ameaçada e simplesmente aceitar. Ela fez certo."

Esquecer é o melhor remédio para vítimas

Única sobrevivente entre os cinco casos de crimes passionais de grande repercussão, a cabeleireira Edneia Jeronymo, 43, levará tempo para superar os traumas deixado pelos dois tiros no rosto que recebeu do ex, o pedreiro Osmar da Silva Rosa, 44. Ela teve alta há cerca de 15 dias, mas ainda fala mansamente e sente dores. A previsão dos médicos é de que a recuperação demore até um ano.

Consciente, ela se lembra de tudo, mas prefere não falar sobre o caso. Recusou pedidos de entrevista e até com os familiares evitar tocar no nome do pedreiro. "Basta comentar o ocorrido que ela não para de chorar", disse um parente.

A opção por esquecer o que aconteceu também é a da família da dona de casa Adriana Moreira, 39, morta pelo ex, Rodrigues de Alcântara, 32. "Não tenho nem o que falar. Sinceramente, não insista. Não vamos dar declarações", disse um familiar pelo telefone ao Diário. O motivo é simples: ele é o único dos criminosos que continua foragido. "Foi um trauma muito grande que esse homem causou. Que pague da pior maneira pelo que fez, Ele é sádico", completou.

Usuário de cocaína, Eduardo de Oliveira, 38, culpava a sogra pelo fim do romance. Em uma recaída, não pensou duas vezes e invadiu a casa de Edinalva Rocha Morais, 58, para esfaqueá-la. A filha se salvou por estar trabalhando. E ele se assustou com a presença da neta, que acompanhou todo o crime. "Matar minha avó era uma promessa que ele fazia há tempos, desde que minha tia decidiu largá-lo por conta do vício", disse.




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