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E nada mudou

Alagamentos registrados no 'mapa das
enchentes' de 1985 ainda se repetem

Beto Silva
Vanessa de Oliveira
17/01/2016 | 07:00
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Tiago Silva/DGABC


Desde 2000, o Grande ABC apresenta 39 pontos críticos de enchentes, decorrentes das chuvas de verão. O km 13 da Via Anchieta aparece 21 vezes e a Avenida dos Estados, no trecho de Santo André, em 13 oportunidades no levantamento feito pelo Diário em reportagens dos últimos 16 anos sobre os alagamentos na região. Cada um desses locais pode abranger várias ruas, o que amplia a problemática das cheias e agrava a situação, ignorada pelo poder público há décadas. Enquanto isso, as inundações continuam, geram transtornos e prejuízos à população, cujas casas e carros ficam submersos, e, pior, causam mortes.

Esse período, de pouco mais de uma década e meia, é justamente o tempo em que o Consórcio Intermunicipal debate o tema com mais intensidade. E nada de prático fora executado conjuntamente entre os gestores. Na última reunião da entidade regional, na segunda-feira, os sete prefeitos apresentaram cronograma de trabalho do Plano Regional de Macro e Microdrenagem. A empresa KF2 Engenharia e Consultoria foi contratada em agosto, por R$ 1,2 milhão, para concluir em março estudo com os pontos críticos de alagamentos da região e sugestões para anular ou minimizar o acúmulo de água da chuva nesses lugares.

A equipe do Diário debruçou-se durante três dias – terça, quarta e quinta-feira – nos arquivos do jornal para formular este ‘mapa das enchentes’. E consultou especialistas para expor as causas e recomendar prognósticos. O resultado, estampado nessas duas páginas, pode ser parte do plano milionário encomendado pelo Consórcio. Uma amostra da falta de esforço das autoridades para enfrentar as celeumas da drenagem – ou a falta dela – de maneira séria.

E mais: as prefeituras foram indagadas sobre os pontos de cheias e as ações em curso para eliminá-las. As que responderam (Santo André, São Caetano, Diadema e Mauá) dizem ter conhecimento dos locais e citam projetos em andamento (leia mais ao lado). Acrescentou-se nesta reportagem relatos de moradores cujos imóveis são atingidos por inundações, que também impactam as cidades de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Temos, portanto, material importante e necessário, que o próprio clube de prefeitos poderia encabeçar, sem gastar tanto, em um momento de crise, queda de arrecadação e contingenciamento de orçamento.

Segundo o Consórcio, não se trata apenas de mapeamento dos pontos de cheias e a companhia já apresentou dois relatórios à entidade regional. Já a empresa KF2 Engenharia e Consultoria foi procurada para explicar o modus operandi do estudo contratado. Mas funcionários informaram que os responsáveis estão de férias.

MAPA PIONEIRO

Não é a primeira vez que o Diário antecipa-se para esmiuçar as causas e as consequências das inundações na região ocasionadas pelas chuvas de verão. Além, é claro, de mostrar a inoperância do poder público diante de algo notório e evidente, já que as precipitações pluviométricas são sazonais, portanto previsíveis, e os transbordamentos de rios, represas e reservatórios são, da mesma forma, calculáveis. No dia 13 de janeiro de 1985, há 31 anos portanto, reportagem especial assinada pela jornalista Elenice Vieira mostrava o primeiro ‘mapa das enchentes’ regional.

“As chuvas chegaram e com elas o drama das pessoas que moram nas regiões ribeirinhas do Grande ABC. Móveis boiando, animais mortos, desabamentos são, todo ano, as consequências das chuvas. Pouco as prefeituras têm feito para evitar o problema (…)

Com base nas coberturas cíclicas das inundações que ocorrem na região, o Diário criou o ‘mapa das enchentes’, mostrando os pontos urbanos mais sujeitos às cheias, onde o drama urbano, a desvalorização imobiliária e a angústia permanente são sinais mais do que evidentes de que é chegada a hora de se pensar em conjunto numa ação que não sofra solução de continuidade a cada mudança de governo”, diz trecho da reportagem de três décadas atrás.

Mais atual, impossível. E, ressalte-se, a robusta análise fora feita quase seis anos antes da criação do Consórcio Intermunicipal, instituído em dezembro de 1990. Nada – ou quase nada – adiantou, já que naquele estudo de 10.954 dias atrás, eternizado nas páginas do jornal (veja reprodução ao lado), dos 26 lugares listados, constam alguns que ainda hoje são atingidos por alagamentos, casos do Jardim Bom Pastor (Santo André), região central de São Bernardo, bairro Prosperidade (São Caetano), Piraporinha (Diadema) e Jardim Zaíra (Mauá).

Em 2005 e 2011, as próprias administrações municipais alertavam a população para evitar algumas vias durante as chuvas fortes, pois corria o risco de ficar debaixo d’água.

Cansada de saber onde há enchentes, população conta as marcas de suas experiências

Se o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, criado em 1990, ainda mapeia as áreas propensas a enchentes para descobrir onde estão os pontos e fazer um plano para combatê-los, a população da região sabe há tempos, de cor e salteado, onde vai alagar quando chove. Além do conhecimento de longa data, as águas das cheias deixam marcas que vão além das que remetem à altura que atingem em locais inundados. Elas deixam também tristeza. “Em três enchentes, perdi muita mercadoria, já sofri muito. A obra que estão fazendo (Projeto Drenar) não termina. Aqui pagamos imposto e pelo espaço para trabalhar e, quando ameaça chover, tem que levantar tudo, caso contrário perde”, falou o camelô Sebastião Rodrigues de Torres, 67, locatário de um box na Avenida Brigadeiro Faria Lima, no Centro de São Bernardo.

O comerciante João Soares Catão, 60, dono de estabelecimento de artigos para churrasco na Avenida Guido Aliberti (situado na divisa entre Santo André e São Caetano), sente-se abandonado. Em dois anos ele enfrentou quatro enchentes – a última no dia 9. “É como diz o ditado: cachorro que tem dois donos morre de fome. Nem um nem outro resolve o problema”, falou, em relação à área de divisa. Existindo o Consórcio para trabalhar nas sete cidades em conjunto, ele questiona a atuação e o estudo para mapear as áreas propensas a inundações. “Todo mundo sabe onde são os pontos e o que provoca a enchente.”

Sem ações práticas, a comerciante Vanessa Rodrigues Recucci, 35, que viu sua loja de roupas na entrada do Jardim Zaíra, em Mauá, ser invadida pela água, não acredita em quadro diferente. “Pessoas até morrem na enchente e há anos não tem solução. Acho que nem vai ter. Perdi as esperanças.”

Especialistas listam erros e soluções possíveis de viabilizar

Ocupação desordenada das margens de rios e da Represa Billings. Asfaltamento de ruas, o que torna o terreno impermeável e faz com que a água da chuva chegue mais rápido ao leito dos córregos. Falta de manutenção das galerias de águas pluviais e dos piscinões. Ausência de projeto regional de micro e macrodrenagem, apenas com ações pontuais. Esses são alguns dos motivos das enchentes que assolam o Grande ABC.

“As cidades foram crescendo desordenadamente e faltou planejamento. Agora é preciso melhorar a drenagem, fazer piscinões que possam minimizar, mas a sociedade também é culpada quando joga lixo nas ruas”, argumentou o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, Gilberto Belleza.

Para o professor de Engenharia Hídrica da Universidade Mackenzie Antônio Eduardo Giansante, não basta ter infraestrutura. “Se tiver um órgão que centraliza o serviço de drenagem, cuidará dos planos de manutenção, porque, às vezes, tem obra pronta, mas com tanto lixo lá dentro que não funciona.”

Para a bióloga, especialista em recursos hídricos e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Marta Ângela Marcondes, ainda há condições de repensar o planejamento urbano. “Pode-se revegetar as margens dos rios e córregos e proteger as áreas que possuem nascentes. Além disso, os municípios de Mauá, Santo André, São Caetano e São Paulo devem se unir para criar projeto de reestruturação das margens do Rio Tamanduateí”, listou. “São apenas alguns pontos que poderiam ser trabalhados. Acredito que isso não é feito por falta de vontade política, de ousadia e de coragem.”

Consórcio alega que detalhes exigem contratação de empresa

O detalhamento para elaborar o Plano Regional de Macro e Microdrenagem, proposto no Plano Plurianual Regional 2014-2017 do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, realizado em 2013, resultou, segundo a entidade, na necessidade de contratação de empresa de consultoria especializada para sua realização.

Em julho de 2015, a KF2 Engenharia e Consultoria venceu licitação e foi contratada por R$ 1,2 milhão, para mapear os pontos críticos de enchente e propor soluções regionais. A companhia, que está em recesso até o dia 20, deve entregar o estudo em março. Concluído,possibilitará à entidade pleitear recursos para as obras.

“O Consórcio não possui corpo próprio de engenharia com expertise, disponibilidade, softwares e ferramentas adequadas para o pleno desenvolvimento de um plano de tal magnitude e, também por este motivo, decidiu-se que o trabalho seja desenvolvido por empresa especializada”, justificou, em nota.

Entre os itens que constarão do estudo, como a discriminação da densidade de ocupação e as áreas verdes, estará o Mapa de Pontos Críticos de Inundação, que reunirá dados fornecidos pelas prefeituras e “pontos indicados pelas notícias do acervo da Folha de São Paulo e outras mídias que possuam bancos de dados em condições satisfatórias para coleta de dados para a temática em pauta.” O Diário, já em 1985, apresentava o ‘mapa das enchentes’ da região e, ao longo do tempo, abordou o problema em suas páginas.

Enquanto a questão segue sem solução, este verão terá mais chuvas e com maior intensidade, em razão do fenômeno climático El Niño.

Prefeituras afirmam que há projetos para áreas indicadas

Para os pontos mais críticos de enchente elencados por quatro prefeituras, as administrações afirmam que já possuem projetos.

Em Santo André, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) informou que está executando a construção do piscinão do Jardim Irene, com investimento de R$ 13 milhões, a ser concluído neste ano. Para a Avenida Capitão Mário Toledo de Camargo está prevista, também para 2016, a otimização do piscinão da Vila América, orçada em R$ 1,5 milhão.

São Caetano realizou na quinta-feira a primeira audiência para formular o Plano Diretor de Drenagem Urbana, visando planejar ações para os próximos 20 anos.

Diadema disse que os locais apontados serão beneficiados com obras já em licitação.

Mauá disse estar em andamento intervenção que triplicará a capacidade de escoamento de água em extensão de 250 metros entre as avenidas João Ramalho, Antônia Rosa Fioravanti e a linha férrea.

Rio Grande da Serra informou que já foram providenciados os serviços para evitar enchentes na cidade.  




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