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Violência assusta Distrito Federal
Do Diário do Grande ABC
19/08/2000 | 15:09
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Na semana passada, a eletricitária Silvana Leal, 43 anos, mae de Joao Cláudio Leal, 20, morto por espancamento ao sair de uma boate há 12 dias, recebeu a visita de Valéria Velasco, mae de Marco Antônio Velasco - assassinado em 1993, aos 16 anos, por uma gangue de lutadores de artes marciais -, e dela recebeu um conselho: aprender a conviver com a dor. O encontro das duas maes só se realizou por um motivo: a violência crescente que assusta o Distrito Federal e começa a ser traduzida em números. De 1989 a 1998, o número de homicídios cresceu 102,5%, conferindo-lhe o terceiro lugar em aumento de mortes violentas no país.

O exagerado crescimento de homicídios no Distrito Federal só perde para o dos estados do Amapá (mais 328%) e para o recém-criado estado de Tocantins (112%), de acordo com o Mapa da Violência II, elaborado pela Unesco, entidade da Organizaçao das Naçoes Unidas para Educaçao, Ciência e Cultura e pelo Instituto Ayrton Senna. Centro do poder, elogiada por seus moradores pela vida tranqüila e pelo trânsito fácil, Brasília vê assustada a violência dominar o noticiário.

No início da noite do domingo passado, o adolescente Tiago Luiz da Silva, 17 anos, recebeu um tiro na concentraçao da Micarecandanga, o carnaval fora de época de Brasília, ao tentar recuperar um abadá roubado. Poucos dias antes, o estudante Joao Cláudio Cardoso, de 20 anos, morreu depois de espancado por dois jovens na saída de uma boate por assediar uma garota.

Os casos, que chocam pela violência gratuita, nao estao isolados. De 1999 para 2000, apenas no Plano Piloto de Brasília, regiao de classe média, o número de crimes cresceu quase 18%. Na cidade-satélite Recanto das Emas, os crimes cresceram 34% no mesmo período, segundo a Secretaria de Segurança Pública.

Apesar dos números, o secretário distrital de Segurança Pública, José de Jesus Filho, considerou o aumento da criminalidade "dentro do previsível" e o medo da populaçao uma "sensaçao de insegurança" que será sanada no dia 25, garante, quando o governo do Distrito Federal lança a segunda versao do seu plano de segurança, até agora sem resultados efetivos.

O secretário recebeu na semana passada um puxao de orelhas do ministro da Justiça, José Gregori, mas considerou a violência fruto também da criminalidade registrada no Entorno de Brasília, formado por cidades de Goiás, mas dependentes economicamente do Distrito Federal. A cidade de Aguas Lindas, por exemplo, já foi comparada por Gregori à Baixada Fluminense devido aos índices de violência.

A Secretaria de Segurança divulgou nota, intitulada "Todos contra violência", em que culpa os pais, a situaçao sócio-econômica e a televisao pela violência. "Os últimos casos de violência em Brasília nos levam a uma reflexao: o que a polícia poderia ter feito para preveni-los? Pouco, muito pouco, a questao é complexa", diz a nota.

Os pais de Joao Cláudio nao concordam. "Se houvesse polícia naquele momento, poderia haver briga, mas nao uma fatalidade", reclama o pai do garoto, o bancário André Luís Peixoto Leal, 43 anos. "Quantas famílias estao agora enlutadas e ninguém sabe?", completa, reconhecendo, no entanto, que boa parte da violência é fruto da falta de valores da juventude. "Falta amor, compaixao, conversa diária com os jovens", avalia Silvana Leal.

A violência entre os jovens, crescente em todo o país, também atinge diretamente o Distrito Federal, que registrou um aumento de 132% de mortes de jovens de 15 a 24 anos na última década. Durante rebeliao no Presídio da Papuda, quinta-feira passada, dos 11 presos que foram queimados por colegas de prisao, cinco tinham até 24 anos. Entre eles estava Anderson Fernando Coelho da Silva, 20, condenado por homicídio, formaçao de quadrilha e porte de arma.

O Distrito Federal também ocupa o quarto lugar em número de jovens entre 14 e 18 anos que estao em centros de internaçao. Sao 311 ao todo. Devido ao aumento de mortes violentas, a Unesco colocou o Distrito Federal no quadro de situaçao crítica, ao lado de seis estados onde os aumentos foram significativos.

Para a socióloga Maria Stela Grossi Porto, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), o aumento da violência entre os jovens, principalmente da classe média, é a expressao de "uma exclusao social". "Carentes de identidade, usam a força e a violência como mecanismo de afirmaçao como sujeitos", avalia a professora. "Quem nao tem um sentido muito claro da vida, também nao tem o sentido da morte."




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