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Aposentado ajuda morador de rua no sonho de rever família

Comovido, ‘rapaz’ de 78 anos parcela IPTU para comprar passagem de regresso ao lar de Queirós, na Paraíba

Por Francisco Lacerda
Diário do Grande ABC
04/01/2021 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Adaumirton Maravilha de Queirós, 26 anos, que há cerca de um mês tinha a praça da Igreja Santa Filomena, no Centro de São Bernardo, como morada, vai voltar para casa, na cidade de Bonito de Santa Fé, na Paraíba, sua terra natal. O embarque está previsto para esta manhã, às 10h.
 

Ele perambulava pelas ruas desde a chegada ao Grande ABC, para onde tinha vindo “tentar recomeçar a vida” após traição da mulher depois de nove anos de casado – relacionamento que gerou dois filhos, Sabrina, 8, e José Fabrício, 7, que diz terem sido responsáveis por não ter feito “besteira” quando do fato. Ao desembarcar em São Bernardo fora roubado, ficou sem os pertences, inclusive o celular, no qual armazenava os contatos da família. Desde então não sabe nada dos parentes, que também não têm notícia nenhuma dele.
 

Retratado nas páginas deste Diário na reportagem ‘Invisíveis’, dia 27, Queirós diz ter se agarrado à fé para conseguir o sonho do retorno ao lar. “Orei muito. Muito mesmo. Foi Deus quem botou (sic) na minha vida esse ‘rapaz’.” Suas preces foram ouvidas. “Deus escreve certo por linhas tortas, porque se não fosse Ele colocar um camarada como esse no meu caminho não sei o que seria da minha vida.”
 

O ‘rapaz’ ao qual o paraibano se refere é aposentado de São Bernardo, 78 anos, que viu a história no Diário, se comoveu e resolveu ajudá-lo. Sensibilizado, o bondoso homem pagou à vista R$ 591 na passagem de ônibus de regresso de Queirós para casa, para rever a família, recomeçar a vida. Valor ínfimo, mas que dará fim ao sofrimento desse nordestino, que também ganhou celular, chip, carregador e quantia suficiente para se alimentar no trajeto.
 

Ex-funcionário de grande montadora em São Bernardo, na qual trabalhou por 31 anos – “primeiro na fundição, depois tapeçaria, fui mestre de produção, líder e encarregado” –, o senhor, de boné e máscara com logotipos da empresa, é falante e boa-praça. Precavido, prefere não divulgar o nome nem o rosto. Teme a violência, já que um dos filhos sofreu sequestro relâmpago, o que o deixou “bastante” assustado.
 

O aposentado revela que ampara carroceiros doando cestas básicas. São cinco por mês, a cinco pessoas diferentes, mas considera que é pouco diante do que precisa ser feito. Resolveu socorrer Queirós por sua condição de abandono, “na rua”, sem contato com familiares nem perspectiva de retorno tão cedo, já que o que ganhava com bicos era insuficiente para adquirir o bilhete.
 

“A reportagem diz que ele até chorou. Isso me comoveu. Coitado! O que ele queria era voltar para casa. Então, ajudei. Se posso ajudar, ajudo! Aliás, qualquer um que pode ajudar, faz o sacrifício e ajuda. Em todos os anos eu pago o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) à vista. Neste ano, depois que vi esse caso no jornal, mudei de ideia. Disse para mim mesmo: ‘Vou ajudar o moço e parcelo em três vezes o IPTU’.” Foi o que fez.
 

Morador de São Bernardo há 45 anos, o aposentado relata que o motivo da empatia pelo nordestino deve-se à situação semelhante quando criança, de distanciamento de parentes. “Vim da cidade de Tambaú, região de Ribeirão Preto, no Interior de São Paulo. Era menor e tinha largado minha família lá. Fiquei longe deles (familiares) por mais de um ano. Sei o que é ficar longe da família.”
 

O homem demonstra ter planejado em detalhes o auxílio ao agora amigo e futuro ex-morador de rua Queirós. “Estou dando celular para ele para a gente manter contato, para saber como foi a viagem. Vou dar dinheiro para ele também. Perguntei se R$ 50 por dia dá para ele se alimentar durante a viagem, e ele falou que sim. Queria comprar lanche aqui (e levar para viagem). Eu disse que não. São três dias na estrada (alimento poderia estragar). Com uns R$ 150, R$ 200 ele já chega à terra dele.”
 

A pressa de rever os parentes e poder, enfim, estar em casa faz com que Queirós tenha coragem até de se arriscar em trajeto em ônibus clandestino, ideia rechaçada pelo aposentado. “Não! Isso eu não vou fazer. Não vou colocar (Queirós) em risco, porque, vai que o ônibus quebra. Ele fica na estrada. Vai no ônibus de linha.”
 

Atencioso, o aposentado apela para que sua atitude seja copiada. “Tem gente que paga R$ 600 em uma garrafa de vinho. Prefiro ajudar o próximo. Gostaria que o pessoal, quando puder, não custa nada, ajudasse. Cesta básica, alguma coisa sempre será bem-vinda. É bom ajudar ao próximo”, encerra o ‘anjo da guarda’.

Paraibano planeja retorno à região para trabalhar e ‘guardar dinheiro’

Da união com a ex-mulher, à qual Adaumirton Queirós não pronuncia o nome, além dos dois filhos, sobrou também um terreno, que, lembra-se, foi “comprado enquanto ainda era casado”. Por desconfiança, colocou no documento da propriedade o nome do tio, que, depois da separação, devolveu a seu nome. É nesse local que pretende construir a casa onde quer morar com os filhos. Para isso, revela querer voltar a São Paulo depois de se estabelecer novamente em Bonito de Santa Fé. Revela que na cidade onde estão os familiares a ocupação teria de ser na roça, para trabalhar das 7h às 17h, com uma hora de almoço e R$ 40 diários, valor que torna inviáveis seus planos. “Quero me recuperar primeiro. Depois quero voltar para cá (São Bernardo), arrumar emprego (na construção civil) e guardar dinheiro para poder levantar minha casinha no meu terreno.”




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