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Cantinho da Mamãe relembra Clory
Caroline Garcia
Especial para o Diário
18/11/2012 | 07:00
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Tiago Silva/DGABC


Ao entrar no Cantinho da Mamãe, quarto onde Mamãe Clory dormia e que virou memorial à mentora da Associação Cristã Verdade e Luz, em São Bernardo, o visitante se depara com várias fotografias de Clory Fagundes Marques com seus mais de 1.000 filhos. A música ambiente vinda do rádio ligado na tomada também incorpora o clima de lembrança.

O chinelo azul está na beirada da cama arrumada. As roupas, que eram quase como uniforme de Clory, estão penduradas em cabides no guarda-roupa. O relógio parado na cômoda mostra que aquele espaço está imune ao tempo. Mas, do lado de fora, há 1 ano completado na quarta-feira, morria Mamãe Clory, 94, vítima de câncer no estômago e complicações gastrointestinais.

"Ela dizia: ‘Viver é reagir. Não peçam, reajam. Insistam no futuro, vocês são capazes, basta reagir. Enquanto eu viver, vou lutar pela casa e pela caridade'", relembrou Soely Marques Gozzi, vice-presidente da instituição e, embora seja contra a expressão, filha de sangue de Clory.

No dia do enterro, César Luiz Fagundes Marques, também filho biológico e presidente da associação, afirmou que o trabalho social continuaria. Um ano depois, cumpriu a palavra. Hoje, a entidade atende cerca de 180 crianças com idade entre 4 meses e 17 anos e 11 meses, além de nove idosos que moram no asilo.

Os ensinamentos que Mamãe Clory passou, como "Criança educada é criança feliz" ou "Adolescente do bem é adolescente de bem", permanecem na ponta da língua de todos. "A grande mudança é que é preciso educar primeiramente os pais para se poder chegar nas crianças", disse Soely. Com Clory, ela aprendeu que até os 2 anos, os pequenos precisam ser muito bem atendidos. Entre 2 e 7 anos, a formação deve ser lapidada. "Mas alguns pais acreditam que deixar os filhos assistindo televisão é mais importante."

No tempo que passam na associação, no contraturno escolar, exercem atividades como aulas de música, capoeira e informática. Em artes, os alunos desenvolvem a coordenação motora e ajudam na montagem e confecção dos enfeites das festas. O material produzido não é vendido. "Temos quatro festas anuais: Páscoa, festa junina, primavera e Natal. Fazemos tudo com material reciclado. Até o papel usado é levado para a usina de recicláveis e transformado em agendas e blocos", disse a professora de artes Sueli Correia Gutierre.

O Cantinho da Mamãe recebe visitas de todos os filhos, noras, netos e bisnetos. Além de diplomas, homenagens e placas, há diversas corujas enfeitando o quarto. "Mamãe adorava e fui atrás do significado. Coruja quer dizer sabedoria. Enxerga no escuro e consegue girar o pescoço em 270º para observar tudo o que acontece", explicou a filha.

Na quarta-feira, a homenagem será simples: uma prece pela manhã na hora do café e mais duas orações com as equipes de voluntários da tarde e da noite.

Próximo objetivo da entidade é fazer a reforma do asilo

Com somente nove idosos atendidos no asilo, a meta da associação é conseguir parceiros para reformar o espaço e aumentar a capacidade para 30 moradores. De acordo com Soely Marques Gozzi, procura é o que não falta. "Tem gente que liga chorando para pedir vaga, mas enquanto não reformarmos, não podemos ampliar."

Todo mês os idosos saem para fazer passeios. No tempo que ficam na instituição, assistem televisão, fazem pinturas ou participam de jogos que ajudam na fixação da memória. "São como crianças, no Natal vão receber até sacolinhas do Papai Noel", disse Rita Márcia Nascimento, umas das enfermeiras. O plantão dos cuidadores é de 24 horas.

"O que fazemos é dar refeições para os velhinhos que batem na nossa porta. Isso não conta como assisti-los. Mas com nosso espaço, é só o que podemos atender", afirmou a vice-presidente.

Com efetivo de cerca de 40 funcionários e 300 voluntários, mão de obra também é bem vinda na entidade. "É um trabalho gigante que fazemos com amor, e voluntários nunca são de mais."

Associação tem como meta implantar autogestão

Além da parte social, o Lar da Mamãe Clory possui também a linha de ação produtiva, na qual o objetivo é se autogerir, ou seja, produzir para pagar funcionários e coordenador. O que sobra de lucro é direcionado ao assistencialismo. No local funcionam padaria, gráfica, sebo, bazar, venda de móveis reformados e usina de recicláveis.

Na Gráfica Luz, além de materiais de divulgação de eventos da instituição, empresas da região também fazem parte da clientela. Os maiores pedidos são por cartões de visita e talões de recibo. "Os produtos são impressos em off-set, com maquinário próprio. Parte do papel é fabricada aqui mesmo, na usina de recicláveis, e são produzidos agendas, blocos, cadernos de receita", explicou a coordenadora da gráfica, Dilná Monaco.

No sebo há de tudo um pouco. São cerca de 5.000 itens, desde discos e fitas VHS até revistas deste mês. Tudo fruto de doações.

É no bazar que as pessoas se amontoam para garimpar e achar o que precisam com preços mais baixos. Paletós, sapatos, almofadas, panelas, fantasias, biquínis e outros itens estão todos separados para facilitar a busca.

O empilhador Allan Matos, 23 anos, estava à procura de uma fantasia de Papai-Noel para substituir a antiga, que está velha. Desde o ano passado, o morador do Jardim Pinheiro, em São Bernardo, sai de moto pelas ruas do bairro distribuindo pacotinhos de balas às crianças na tarde do dia 24 de dezembro. "Paro e elas vêm me agarrar. Como estou caracterizado, as crianças não conseguem saber quem eu sou e não deixo morrer a imagem do Natal", disse Matos.

Por R$ 14, ele conseguiu a fantasia completa, com roupa, barba e chapéu. "As botas tenho em casa, aproveito os coturnos do tiro de guerra."

Segundo a vice-presidente Soely Marques Gozzi, o setor que mais dá lucro é o de reforma de móveis. Camas, cômodas, geladeiras, máquinas de escrever, micro-ondas, colchões, cadeiras, secadores e até troféus podem ser comprados. "É o dom de transformar. Pode até fica cansativo repetir isso, mas no Lar da Mamãe Clory, nada se perde."




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