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Marcos Frota conta como foi ‘aprender’ a não enxergar
Por Danielle Araújo
Da TV Press
08/05/2005 | 11:39
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Há anos, o ator Marcos Frota não se empolgava tanto com um papel em novelas quanto agora. Assim que recebeu o convite de Glória Perez para fazer o Jatobá de América, tratou de reduzir boa parte de seus compromissos profissionais, como apresentação de eventos e a participação no circo. A partir de então, todos os espaços livres da agenda foram dedicados integralmente ao personagem. Entre outras coisas, aprendeu atividades práticas típicas do dia-a-dia de um cego, como manusear uma bengala e conviver com um cão-guia. “Me disponibilizei completamente. Fiquei inúmeras vezes pensando em como seria o Jatobá. Tudo para chegar no set e dominá-lo”, diz, com um indisfarçável brilho nos olhos. Aos 50 anos e 25 de carreira, o ator gosta de falar da vida, do trabalho e da importância da profissão.

PERGUNTA: Você interpretou um surdo-mudo em O Sexo dos Anjos, um deficiente mental em Mulheres de Areia e agora faz um cego em América. A que você atribui essa inclinação para tipos que lutam para superar seus limites?

MARCOS FROTA: Consigo explicar assim: é um querer terreno com uma vontade divina. Me coloquei em direção a isso e de repente se aproximou. E o mais engraçado é que todos eles vieram em ótimos momentos da minha vida. Atualmente, realizo um projeto no meu circo chamado Universidade Livre, que tem o espetáculo Somos Todos Brasileiros, integrado só por pessoas deficientes, como carro-chefe. Ao me envolver com isso, resolvi ser um pouco mais útil a essa causa. Não sou político, nem empresário e também não tenho nenhum interesse oculto por trás disso. Só que a única maneira que encontrei para me aproximar mais desse assunto foi interpretando um personagem. Comecei a desenvolver esse querer dentro de mim e em seguida a Glória Perez me ofereceu o Jatobá.

PERGUNTA: Mas de que maneira interpretar um cego pode ser útil para a sociedade?

MARCOS FROTA: Mesmo que a novela seja uma obra de ficção e passageira, as pessoas se identificam com os personagens dela. Por isso, ao assistí-la começam a dialogar mais sobre o assunto. Lembro o que a Glória fez em O Clone em relação às drogas. Ela não resolveu o problema das drogas no Brasil, mas essa questão entrou dentro das casas. Então, os pais que tinham dificuldade para tocar nesse assunto com os filhos, drogados ou não, tiveram um estímulo. Não quero levantar bandeiras, apenas colocar esse tema mais em pauta nas mesas dos brasileiros. Acredito que ao promover espontaneamente essa discussão vamos ter cada vez mais um país melhor. Sem demagogia. Até porque a sociedade brasileira já percebeu que também tem de fazer a sua parte. Não adianta deixar essa obra só nas mãos dos políticos.

PERGUNTA: E como você se preparou para ‘fazer a sua parte’?

MARCOS FROTA: Estou há seis meses me preparando. O primeiro passo que tomei foi desmistificar essa questão de que cego não pode ter uma vida normal. Isso foi uma preparação interna que fiz para não fazer um cara todo armado. O segundo foi conhecer cegos de todos os níveis. Inclusive, famílias que têm deficientes visuais em casa. Depois, fiz alguns exercícios sozinho. Apaguei todas as luzes e me movimentava no escuro para ter uma noção de espaço. Durante o dia colocava venda nos olhos. Ia ao banheiro, comia, dava cabeçada na parede, caía. Mesmo assim, estava indo muito bem. Mas foi só a preparadora de elenco, Paloma Riani, me procurar para todo meu treinamento desmoronar. Isto porque ela me avisou que eu ia fazer o Jatobá de olhos abertos. Imagina!?. Minha preparação era toda baseada em olhos fechados. Nossa, entrei em desespero porque de uma certa maneira tive de recomeçar o meu trabalho.

PERGUNTA: Como foi esse recomeço?

MARCOS FROTA: Foi muito difícil. Sabe quando bate aqueles questionamentos: ‘como não estou vendo nada, se enxergo tudo?’. Mas depois dessa crise, percebi que cada cego tem um jeito. Então, não adiantava eu querer buscar um padrão porque não existe. Aí, fui inventar o meu jeito. Sempre fixo meu olhar no meio da testa da pessoa com quem estou contracenando. E nesse ponto procuro desfocar minha visão. Mas é complicado porque qualquer descuido é fatal. Se não tiver concentração, todo mundo vai perceber que estou vendo. Quem me ajudou muito foi o cão-guia. O Quartz era o elemento de que eu precisava. Como ele sabe conduzir um cego, basta segurar aquele arreio dele para entrar totalmente no clima do Jatobá.

PERGUNTA: Dividir a cena com um cachorro não é uma experiência muito comum...

MARCOS FROTA: A diferença é que o Quartz não é um cachorro comum. Fico impressionado. Parece que ele sabe a hora certa de brincar ou não. Quando coloco o arreio nele, ele muda de postura imediatamente. Por exemplo, ele faz 15 vezes a mesma cena do mesmo jeito. É uma precisão absurda. Eu falo: ‘Quartz volta!’, ele volta na hora. Só que ele é assim porque foi treinando no Instituto de Integração Social e Promoção de Cidadania, de Brasília, que prepara cães-guias para deficientes visuais. Então, está sugestionado aos nossos comandos, que soam para ele como música. Por isso, nem preciso insistir para me obedecer. Se eu fosse cego com certeza ia querer ter um cão desse. Primeiro porque o cego fica mais independente. Segundo porque esse animal é um elemento sociabilizador incrível. As pessoas chegam e falam: ‘ai, que gracinha o seu cachorro’. A partir daí já inicia uma conversa.

PERGUNTA: Quais são as recompensas pessoais que costuma ter com seus trabalhos?

MARCOS FROTA: Ah! São muitas. Pobre do ator que não vê no personagem uma possibilidade de enriquecimento. Aprendo muito com tudo que faço. Mas interpretar um deficiente é diferente. Todos me fizeram muito bem. Com eles, aprendi a me respeitar mais. Eu adoro você, mas prefiro a mim. Sem exageros. Só assim vou estar suficientemente abastecido para outra pessoa. Eu, Marcos, era um pouco desequilibrado nesse lado. Ou me derramava demais para um lado ou para outro. Essa medida é sinal de sabedoria.

PERGUNTA: Você já interpretou 18 personagens na TV. Existe alguma característica comum entre todos eles?

MARCOS FROTA: Tenho 50 anos e me sinto um menino. Em todos meus personagens, se você for fazer uma leitura, eu os infatilizo um pouco. Isso é da minha natureza. Por isso, fica impossível não repassar isso para eles.



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