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'Não tenho medo de pagar mico', dizem jovens
Artur RodriguesDo Diário do Grande ABC
17/07/2005 | 07:46
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O mico, aquele bichinho simpático, bandeira das causas ecológicas, também representa o grande medo dos adolescentes. E para não pagar mico - ou passar vergonha, na língua dos caretas de plantão - vale tudo. Vale deixar de fazer o que se quer, conviver com quem se gosta e, muitas vezes, abafar a própria personalidade. Mas, neste mundão cheio de pessoas, e adolescentes, diferentes, nem todo mundo faz questão de ser igual. Tem gente que - para o delírio da galera - ostenta o animalzinho a tiracolo e diz sem constrangimento algum: "Eu pago mico, e daí?"

A frase acima deu nome a uma comunidade com cerca de 80 membros no site de relacionamentos Orkut, da grife número 1 do mundo pontocom, Google. Oitenta corajosos fazem parte do grupo virtual. Mas eles são minoria. Há cerca de 3 mil comunidades de pessoas e grupos que empurram seus micos para debaixo do tapete ou, pior, rolam de rir dos alheios. Um dos fóruns de discussões dessas comunidades agrega mais de 11 mil pessoas.

Caio César Mazzocato, 16 anos, faz parte do seleto grupo dos que não estão nem aí para o que os outros pensam. Prova disso é o hobby de praticar dança de salão. O que, por si só, já não está na cartilha de "coisas legais" para se fazer quando se tem entre 12 e 18 anos. Mas não é só isso. A parceira de dança de Caio é - nada mais, nada menos - do que sua avó.

"Algumas vezes, já tiraram sarro da minha cara. Diziam: 'Vai lá, dançar com a sua avó'. Mas o importante é o que eu gosto do que faço", diz o estudante. O pedagogo Ricardo Galhardo, que dá aulas de Relações Humanas e Saúde no Colégio Petrópolis Pueri Domus, em São Bernardo, diz que gente como Caio faz parte da minoria absoluta, porém, bem resolvida de adolescentes. "São adolescentes com a auto-estima bem trabalhada. Ele se gosta, está bem com ele mesmo. Se o mundo o abandonar, ele sabe se virar sozinho muito bem", explica o professor do colégio.

Conflitos - Galhardo explica que os adolescentes vivem uma fase conflituosa na qual precisam, de qualquer jeito, de aprovação dos demais. "Os adolescentes se unem, mas todos têm o mesmo objetivo: serem aceitos", sustenta o pedagogo.

Ser aceito pode mudar, e muito, a vida daqueles que não são mais crianças, mas que ainda não são adultos. Uma das maiores metamorfoses se dá na relação familiar, de acordo com a professora de psicologia da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), Angélica Capelari. "É muito comum que os jovens deixem de acompanhar os pais em atividades familiares."

Morram de inveja, pais e mães. A estudante Nicoli Cristine do Prado, 17 anos, não só continua saindo com pais como adora as baladinhas familiares. "Eu me divirto demais com eles. Acho um programa saudável." A mãe de Nicoli, Maria Estela Vejam do Prado, 57, se derrete de orgulho da filha adolescente. "Ela sai com a gente e com a nossa turma. É o xodózinho do grupo", conta Maria Estela.

Não pense que por causa disso Nicoli é excluída do grupo de amigas. Mas, é claro, sempre sobra uma brincadeirinha aqui e outra ali. "Meus amigos zoam comigo, mas sempre me entendem."

Acontece o mesmo com Camila Coutinho Diniz, 16 anos. Ela encara sem preconceitos outro tabu entre os adolescentes: a religião. Freqüenta o grupo de jovens da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Santo André. "A maioria das crianças que freqüentava a igreja parou quando entrou na adolescência. Eu continuei, mas também faço outras coisas. Não fico rezando o tempo todo, o contrário do que muitos imaginam." Segundo ela, na escola, quando o assunto em pauta é religião, os colegas soltam a alfinetada: "Fala com a Camila. Disso ela entende."

Especialistas concordam que a religião vai para o segundo plano na adolescência. "O jovem que vai à igreja não consegue transmitir para essa galera, que vem com muito rock and roll." Segundo a psicóloga Angélica Capelari, o interesse pelo lado espiritual volta com força mais tarde, e aumenta com o decorrer da vida adulta.

Micos - No entanto, para ser mico, não precisa muito. Adolescentes consultados relatam que, dependendo da ocasião, qualquer coisa pode ser motivo de vergonha. Ouvir música sertaneja, tomar um fora de quem se gosta, cair no shopping center, ser visto de carro com os pais são alguns dos micos que estão na lista. Gosto é gosto.

Renato Militão, 11 anos, acha muito bonita usar a roupa de escoteiro. Já seus amigos... "Eles sempre falavam que a roupa era esquisita, que era parecida com a de um policial." O garoto chegou a se deixar levar pelas brincadeiras dos colegas. Foi esse, aliás, um dos fatores que fizeram com que ele abandonasse por completo a tropa. Mas diz que vai voltar a campo, palavra de escoteiro. Os outros é que não sabem o que estão perdendo.




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