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'O Outro Lado da Cama' estréia nesta sexta
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
25/05/2004 | 18:29
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Desde o último Festival de Berlim, em fevereiro, parte da imprensa (dita) especializada tem enfatizado em demasia uma cena de sexo contida no filme brasileiro O Outro Lado da Rua, em que os personagens de Fernanda Montenegro e Raul Cortez chegam aos finalmentes. Tamanho foi o burburinho em torno da seqüência, que o imaginário a construía como uma versão sênior de Garganta Profunda. Não se trata de nada disso, bem como o longa de estréia do diretor Marcos Bernstein não se resume a essa passagem. O leitor poderá ver com seus próprios olhos a partir da próxima sexta-feira, quando estréia O Outro Lado da Rua em São Paulo.

Fernanda e Cortez concordaram em uma coisa sobre essa questão carnal, em coletiva concedida nesta segunda em hotel na festejada rua Oscar Freire: reina um “certo preconceito” com a abordagem afetiva e sexual na relação de dois protagonistas que gozam da extrema maturidade.

“As pessoas acham que mamãe, papai, vovô e vovó não f.... Na Europa nos perguntaram muito sobre a cena, nunca me preocupei com isso”, diz Cortez, que completa 72 anos em agosto. “A velhice é sempre retratada como doença. O filme não é sobre doentes decadentes. É sobre duas criaturas que se encontram, suas peles se encontram, mas sem arroubos”, afirma Fernanda. Continua a atriz, a cinco meses de fazer 75 anos: “Muita gente espera que a terceira, a quinta e a décima idade não façam isso. Mas (o filme) é um primeiro encontro de solidões. Não se trata de um encontro da cintura para baixo; é um encontro em que se sente o corpo todo”.

Foi em Berlim que ficou manifesta a preocupação da mídia com o sexo. “Na coletiva com a Diane Keaton (sobre o filme Alguém Tem que Ceder, que tem uma cena insinuante entre a atriz e Jack Nicholson) só falavam de sexo. Fernanda, que estava em Berlim, conta que Diane até chorou e disse indignada: “Vocês não têm outra pergunta?”. “Não é que eu esteja pedindo que vocês não falem mais sobre isso”, emendou a atriz no encontro com os jornalistas em São Paulo, que não rumou para a opressão de uma pergunta só, tampouco para um pingue-pongue monocórdico. Foi, pelo contrário, num clima leve, de descontração, conforme a regência da dupla Fernanda/Cortez, pela primeira vez contracenando em cinema.

E ainda falaram mais um bocadinho sobre a tal cena que, segundo o diretor Bernstein, também presente à entrevista, não constava no roteiro inicial escrito por ele e Melanie Dimantas, um pouco por receio da reação dos atores. Fernanda rebate: “Acho que eles (os roteiristas) não vão ao teatro. Se soubessem o que já fizemos com sexo no palco”. Cortez completa: “E pelados!”. Fernanda retoma, a respeito da cautela com que Bernstein sugeriu a cena ela disse: “Eles devem ter pensado: ‘Espera, deixe ela aceitar, senão espantamos a velha’”. Cortez não presenciou o mesmo pudor ao ser informado, reproduzindo bem-humorado o suposto pensamento do diretor: “‘Ah, ele é um velho sem-vergonha’”.

Armadilha – Que O Outro Lado da Rua não fique estigmatizado como o filme dos idosos sexualmente ativos, mesmo porque a referida seqüência é inserida num contexto de delicadeza, quase implícita graças ao movimento de câmera horizontal usado habilmente por Bernstein. O diretor almeja ao delicado, e não a pudores vetustos, quando evita o explícito.

Fernanda Montenegro interpreta Regina, informante da polícia que denuncia criminosos procurados ou delitos que testemunha. No exercício de dedo-duro, ela presencia de sua janela, no prédio em frente, um juiz conhecido como Camargo (Raul Cortez) aplicar uma injeção em sua mulher, que depois aparece morta. Na dúvida – se o ato do magistrado seria assassinato ou eutanásia, já que a finada sofria de doença terminal –, Regina aproxima-se afetivamente do suspeito.

O diretor, comparado por Fernanda Montenegro a Júlio Bressane e Walter Lima Jr. por conceber um “roteiro cheio de síncopes”, afirma ter pensado no casal de atores ao escrever os papéis. Fernanda, que interpretara a Dora em Central do Brasil a partir de um roteiro de Bernstein dirigido por Walter Salles, foi a primeira a ser convidada: “Montaram uma armadilha para mim, pois não sabia quem seria o ator”. No convite a Cortez, a atriz já estava definida: “Fernanda veio como um presente”.

O câmbio de elogios era fatal, dadas as circunstâncias. Primeiro, Cortez, para quem “simpatia e química é tudo”. Fernanda retribui: “Sem Raul, faltaria um ponto de referência (para seu trabalho de interpretação)”. Esse astral de delicadezas e de armadilhas está todo contido em O Outro Lado da Rua, filme múltiplo que poderá motivar as mais diversas reflexões a partir de sexta-feira no Brasil. Na Argentina, por exemplo, quando exibido no festival de Mar del Plata, estimulou mulheres sexagenárias a avançarem em camisinhas distribuídas na porta do cinema.




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