Setecidades Titulo No 8º andar do Moinho São Jorge
Sede de festas famosas, palácio de mármore sobrevive de histórias

Local suntuoso, construído sob prédio industrial na Av.dos Estados, em Santo André, foi ponto de encontro da alta sociedade entre 1940 e 1970

Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
17/01/2021 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


Um salão de festas no topo de uma fábrica não parece ser lugar atrativo para encontro social. No entanto, o jardim suspenso, batizado como palácio de mármore, no 8º andar do Moinho São Jorge, na Avenida dos Estados, em Santo André, mudou este cenário quando foi palco de eventos de importância, reunindo até mesmo nomes de peso em seus bailes entre os anos 1960 e 1970.

Embora o local esteja abandonado – o Diário tentou contato com o Moinho São Jorge, porém, sem sucesso – as memórias de quem frequentou o luxuoso espaço não caíram no esquecimento. O revestimento em mármores cor-de-rosa, as sacadas e jardim suspensos que davam vida a mudas de trigo, guaraná, mandioca, cacau, erva-mate e cana-de-açúcar; além do mobiliário e objetos decorativos que remetem há, pelo menos, quatro décadas, ainda emociona aqueles que fizeram parte dessa história.

O salão de danças do Moinho São Jorge foi batizado como palácio de mármore pela então jornalista do Diário Claudete Reinhart, quando o periódico ainda se chamava News Seller. Na época, a colunista social frequentou as festas e pôde relatar, mais de 40 anos depois, parte de suas lembranças. “O espaço foi inaugurado pelo Adib Chamas, em 1940, para que a cidade pudesse recepcionar autoridades nacionais e internacionais. Uma dessas celebridades que esteve em Santo André e foi recepcionado com uma belíssima festa foi o imperador da Etiópia, Haile Selassie”, relembrou Claudete, contando que a passagem do imperador foi rápida na cidade, já que recebeu comunicado sendo avisado de que estava sendo deposto em sua terra.

Entre símbolos reais, políticos e empresários, a jornalista lembra que a presença do príncipe de Liechtenstein, da realeza europeia, tornou-se um marco pessoal em sua vida “Ele era um rapaz de uns 19 anos, loiro, alto e lindo. A festa em homenagem a ele foi um baile maravilhoso e ele, muito elegante, dançou com várias garotas. Eu fui uma delas. Foi demais. A primeira vez que dancei com um príncipe”, disse, orgulhosa.

O palácio recebeu ainda o pianista Ray Charles, que foi, inclusive, por intermédio de Claudete, em parceria com os representantes do antigo Clube 15, que a apresentação deu certo. “Os músicos e o Ray Charles ficaram hospedados nos apartamentos lindos, que ficam acima do salão. Foi uma bela apresentação”, relembrou, revelando que o local “fugia de qualquer ideia que se pudesse ter de um belíssimo salão de festas”.

Mas nem todo o luxo foi capaz de escapar das ''gafes''. Segundo Claudete, a parte engraçada era que as pessoas, vestidas em trajes finos, tinham de pegar os elevadores e escadas da fábrica para chegar ao salão e, portanto, ficavam brancas de farinha. “Tinha umas piadas que giravam em torno disso. Muita gente chegava no salão tendo de dar uma escovada na roupa para tirar a farinha”, comentou, lembrando ainda que o espaço era familiar e aconchegante.

LEMBRANÇAS

Ex-colunista do Diário e apresentador da rádio web Quinta Avenida, o cirurgião-dentista aposentado Ronaldo Guilherme Benvenga, 86 anos, foi uma das pessoas que frequentou os tracionais bailes por mais de 30 anos. “Eram festas lindas. Vieram muitas orquestras como a do Sílvio Mazzuca e Ray Conniff, ícones da época”, relembrou.

Benvenga recorda que os bailes eram de alto padrão e destinados, sobretudo, à famílias de renda alta e frequentadores dos clubes tradicionais das cidades da região. Segundo o especialista em jazz, para entrar no baile as pessoas eram convidadas, mas pegavam pelos convites. Além disso, o uso de terno e gravata era obrigatório. “Não era gala. Mas o traje social era utilizado por todos”, afirmou.

Entre as memórias, Benvenga guarda uma que considera “especial”. “Em 1961 eu era recém-casado e a big band Harry James & his Orchestra se apresentou no palácio. Foi um momento histórico. O salão recebeu mais de 2.000 pessoas e eu estava lá com minha esposa”, contou, dizendo que foi uma das apresentações mais chiques que presenciou.

Segundo Benvenga, o salão passou a mudar o público em meados de 1970, quando começou a receber bandas de rock e perder o que ele chama de “encanto”. “De tempos em tempos as coisas mudam. Os jovens daquela época gostavam mais das bandas de rock. Houve uma grande influência do Elvis <CF51>(Presley)</CF> nisso e, de lá para frente, houve uma queda (de popularidade) do salão”.

Local passa por processo de tombamento

Inaugurado em 1940 por Adib Chammas depois de apelo do então presidente do Brasil, Getulio Vargas, para que empresários investissem na moagem de trigo no País, o Moinho São Jorge alcançou, além da importância na história da indústria brasileira, reconhecimento social e cultural, devido ao salão de festas (palácio de mármore) e a capela.

Segundo levantamento histórico da Prefeitura de Santo André, em 1971 o salão sofreu um grave incêndio, sendo desativado em 1978, após a morte de Adib Chammas – que foi eleito deputado federal por São Paulo, em 1962 –, e ficando mais de dez anos fechado. A reforma do espaço se deu em 1995, mas a reabertura ocorreu somente em 1999, quando eventos esporádicos passaram a acontecer. De acordo com o acervo do Diário, a última festa realizado no espaço ocorreu em 2002, quando o diretório municipal do PT (Partido dos Trabalhadores) apresentou os candidatos às eleições de outubro.

Diante da relevância que o espaço ganhou País afora, o Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André) passou a estudar processo de tombamento histórico do salão de festas – conhecido como palácio de mármore – e da capela do Moinho São Jorge. O estudo foi concluído e encaminhado à conselheiros em meados de 2019, após vistoria técnica no local, ocorrida em 2018.

Segundo a Prefeitura, nas próximas reuniões o estudo de tombamento e a relatoria do conselheiro serão apreciados pelo Comdephaapasa, que deliberará ou não sobre o tombamento. “Decidido o tombamento, a deliberação é publicada e o interessado comunicado, abrindo-se prazo de 60 dias para recursos. Após este prazo e não havendo recurso acatado é encaminhada a minuta de homologação de tombamento para assinatura do prefeito que, ao ser publicada, garantirá a proteção legal do bem”, afirmou a Prefeitura.

O vice-presidente do Comdephaapasa, Marco Moretto Neto explicou ainda que, após o processo concluído, “o bem passa a ter proteção legal e qualquer interferência ou modificação deve ter anuência prévia do Comdephaapasa”. “Assim como todos os demais bens tombados, o corpo técnico do Comdephaapasa faz vistorias anuais para acompanhar a evolução e conservação do bem”, reforçou Neto.




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