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Justiça afasta presidente da Febem
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
23/05/2007 | 07:01
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Pela primeira vez na história do País, a Justiça afastou o dirigente máximo de uma fundação destinada à ressocialização de jovens infratores por descumprimento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o afastamento de Berenice Giannella da presidência da Fundação Casa, a antiga Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). A sentença foi dada segunda-feira pela juíza Mônica Paukosk, do Deiji (Departamento de Execuções da Infância e Juventude), a favor do Ministério Público Estadual. Há dez dias, o MP moveu ação pela substituição da presidente; ela teria descumprido sucessivamente a decisão judicial que impunha modificações à UAI (Unidade de Atendimento Inicial) do Brás, em funcionamento precário há pelo menos sete anos.

De acordo com a sentença, o secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado, Luiz Antônio Marrey, tem cinco dias para nomear outra pessoa ao cargo. A Fundação Casa afirma não ter sido comunicada oficialmente da decisão judicial; só depois da notificação, “estudará as medidas cabíveis”, diz a nota oficial. Na prática, Berenice continua na presidência.

A UAI é a porta de entrada do sistema. Todos os menores flagrados cometendo atos infracionais são encaminhados à unidade. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que o tempo máximo de permanência seja de 24 horas. De lá, tem de ser transferido para outra unidade, de internação provisória, onde aguardará por até 40 dias decisão do juiz da Vara da Infância e da Juventude. O prédio do Brás é o único da Capital, e recebe adolescentes infratores de toda a Região Metropolitana, o que inclui os das cidades do Grande ABC.

A briga judicial entre MP e fundação é antiga, de 2000. O promotor de Execuções de Medidas Socieducativas Edson Spina Sertonani pediu, na época, que a UAI do Brás fosse fechada pela falta de condições mínimas de abrigamento. A unidade chegava a manter 700 menores, mas tinha capacidade para 62. A Justiça determinou o fechamento.

“A superlotação era só o começo das mazelas. Não havia condições de higiene e os meninos ficavam literalmente empuleirados. Os meninos chegavam a passar meses ali, quando já deveriam ter sido transferidos ou liberados. Vistorias feitas pelo MP e pelo Judiciário já comprovavam, na época, as irregularidades e atestavam que o prédio não poderia continuar funcionando”, afirma Sertonani.

A sentença foi confirmada em 2002, depois de a Febem ter recorrido. Desde então, a determinação transita em julgado, sem a possibilidade de ser modificada e à espera do cumprimento por parte do Estado.

O promotor Sertonani sustenta que Berenice, empossada em junho de 2005, fugiu à responsabilidade. Ela teria sido intimada diversas vezes a solucionar as irregularidades; a justificativa para a lentidão era a falta de vagas em unidades de internação, também superlotadas. “Os presidentes anteriores também nada fizeram. O MP acredita que um gestor mais capacitado possa colocar fim ao ciclo protelatório e sanar o problema.”

Em 2004, a fundação ensaiou alguma reação: transferiu a UAI para um prédio maior, no mesmo bairro, e ampliou a capacidade de atendimento para 96 jovens infratores. No entanto, os problemas de superlotação e descumprimento do limite de permanência persistiram.

Só neste ano, de acordo com o MP, duas vistorias feitas em abril comprovam o descumprimento da sentença. No dia 4 de abril, técnicos do Judiciário constataram que a unidade do Brás abrigava 161 jovens, 65 a mais que a capacidade. Vinte dias depois, um magistrado comprovou que 35 menores ali presentes já tinham sentença de internação, mas permaneciam ociosos, sem previsão de transferência e sem direito ao processo de ressocialização previsto no ECA.

O secretário-geral do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana, Ariel de Castro Alves, classificou como “positiva” a sentença que afastou Berenice. “É um exemplo para todo o País. Abre um precedente importante. Se outras comarcas utilizassem esse recurso, que é previsto pelo ECA, as unidades de ressocialização não tinham chegado a este ponto. É uma maneira de obrigar o gestor público a atuar com mais responsabilidade”, avalia o advogado, membro do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente).




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