Setecidades Titulo Aids
Preconceito ajuda aumento dos casos
Por William Cardoso
Do Diário do Grande ABC
14/02/2009 | 07:00
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A geração que chegou nos últimos anos ao meio século de vida não teve, desde a iniciação sexual, o "bombardeio informativo" sobre a importância de se utilizar preservativos para evitar a contaminação pelo HIV, segundo especialistas.

As pessoas que hoje têm 50 anos ou mais já haviam iniciado a vida sexual no "boom" da Aids, nos anos 80. Naquela época, a doença era estigmatizada e o uso de preservativo, pouco estimulado. "Culturalmente, são pessoas que não usaram camisinha durante a adolescência. Tem também o fato de acharem que, nesta idade, não estão mais sujeitas à contaminação", explica Marilisa Henrique da Silva, coordenadora do programa de DST/Aids de São Bernardo.

O crescimento da doença entre as mulheres é facilitado também por fatores biológicos. A médica lembra ainda que elas ficam mais expostas ao HIV, com o aumento da idade e a falta de prevenção. "A vagina está mais ressecada, e isso facilita pequenos sangramentos", diz Marilisa.

O infectologista Humberto Onias, da Secretaria de Saúde de Santo André, lembra que o uso do preservativo é visto de forma equivocada por pessoas com mais de 50 anos. "Têm insegurança em relação ao desempenho, e acham que a camisinha pode prejudicar, o que não é verdade", afirma.

O médico lembra que é mais comum a transmissão por via sexual, entre heterossexuais, nesta faixa etária. São homens e mulheres que estão sozinhos, por ficarem viúvos ou terem se separado, encontrando então novos parceiros. Ou ainda mulheres contaminadas pelo marido, que teve relação extraconjugal.

Além de não ter o hábito de usar camisinha, pessoas com mais de 50 anos ganharam um "impulso" da indústria farmacêutica, na opinião do representante do Sudeste na Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV-Aids, João Lino Vendito. "Houve aumento no número de pessoas sexualmente ativas. Ganharam acesso ao prazer, mas não usam preservativo, por não terem o costume", diz.

Quem já passou dos 50 carregaria ainda um estigma em relação à doença. "A imagem do Cazuza magrelo ainda é muito forte. Essas pessoas não imaginam que alguém com aparência saudável pode também ter o vírus", diz Vendito.

Todos são unânimes em afirmar que o diagnóstico precoce é uma boa forma de aumentar a expectativa de vida de quem foi contaminado pelo vírus. Lembram ainda que, hoje, a Aids é uma doença crônica, e pode ser tratada.

Remédios não trazem a vida normal a portador do HIV

Rosa (nome fictício) convive com o HIV há 12 anos e lembra que, apesar dos medicamentos, sua vida está longe de ser um mar de tranqüilidade. Soropositiva desde os 45 anos, ela não sabe ao certo as circunstâncias em que foi infectada. Hoje tem 57 e diz que as pessoas só buscam informação a respeito da doença a partir do momento em que contraem o vírus.

O aumento na expectativa de vida com o surgimento de novas drogas tem animado muitas pessoas, mas o sofrimento ainda é inevitável na opinião de Rosa. "Nossos órgãos envelhecem antes do tempo. São as conseqüências dos remédios. Não tem jeito, não é uma vida normal."

Os efeitos colaterais em quem luta contra a doença desestimulam muitas pessoas a continuar o tratamento, e é aí que muitos tombam. "Para salvar a vida dos portadores, os laboratórios soltaram uma grande quantidade de drogas sem os devidos testes", diz.

Efeito da doença, a lipodistrofia diminui a espessura dos braços, pernas e rosto, além de aumentar o abdômen. Traz consequências danosas à autoestima. "Ninguém gosta de ser ver assim."

Contaminação veio depois dos 50 anos pelo marido

Antes de contrair o HIV, Maria, 66 anos, gostava de caminhar pelas ruas com o guarda-chuva fechado, mesmo que os pingos d'água molhassem a sua roupa durante os temporais de verão. Hoje, ela não se entrega mais a esse prazer, por temer uma gripe qualquer.

A ex-operária foi infectada pelo marido no início dos anos 90, logo que completou 50 anos, e o medo da chuva não foi a única coisa a perturbar sua vida desde então. O companheiro, que morreu logo depois de descobrir a doença, se dizia sincero e fiel. Terminou envergonhado ao ser obrigado a admitir que as visitas ao médico escondiam um mal maior. "Desconfiei e quis acompanhá-lo. Foi aí que fiquei sabendo", explica Maria.

O uso do preservativo era desestimulado pela própria Maria. "Ele queria, mas eu confiava que não era necessário, porque estava na menopausa. Ele tinha o perfil de um atleta e se dizia fiel."

Maria toma os remédios, reclama quando não há a ginástica. Nunca mais teve relações sexuais, embora surgissem dois pretendentes nesse meio tempo. "Queriam só isso, mas não contaria sobre a doença. Então deixei para lá."




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