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Em sua ficção, Patricio Pron mostra como funciona o "mercado" sentimental
02/10/2021 | 08:32
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Na continuação da entrevista, o escritor argentino Patricio Pron revela como a tecnologia pode ser, ao mesmo tempo, útil e prejudicial nos relacionamentos amorosos. Para escrever Amanhã Teremos Outros Nomes, o autor buscou atualizar a experiência amorosa que o leitor normalmente encontra na literatura. Durante a preparação do romance, Pron se apoiou em uma extensa documentação, especialmente sobre estatísticas relacionadas com o consumo de pornografia, usos específicos das redes sociais e de plataformas como o Tinder (plataforma de localização de pessoas para relacionamentos online) e as taxas de natalidade e solidão.

Fez também um trabalho de campo, que envolveu tanto a conversa com amigos usuários que utilizam redes sociais nos relacionamentos como uma medida prática: ele criou um perfil no Tinder, mas a medida não trouxe muita utilidade na busca de informações.

Logo no início, Pron iniciou contato com uma garota, mas se apressou em se apresentar como escritor, além de dizer que era casado e, na verdade, estava buscando informações para um futuro romance. Com isso, a moça não prosseguiu com a conversa - na verdade, boa parte das respostas nos contatos seguintes foi marcada pela mesma atitude e algumas mulheres chegaram a reclamar da presença de Pron aos responsáveis pelo aplicativo de namoro.

A tecnologia é algo que você teme ou comemora? Ou ambos?

Amanhã Teremos Outros Nomes não é um romance moralista. Nenhuma das tecnologias que existiram até agora foi apenas virtuosa ou prejudicial: quase todas tiveram duas ou mais faces, e as mais novas não são exceção. Meus personagens e eu somos muito realistas nesse sentido: trabalham com o que existe, buscam uns aos outros, mas não se divertem com juízos morais. Eles preferem ter novas ideias para novos tempos.

Um dos momentos mais interessantes do romance é quando Ele se pergunta o que é um homem e Ela, o que é uma mulher. Vivemos um período histórico em que não existem muitas certezas em torno dessa questão?

Sim, felizmente estamos revisando esses tópicos, especialmente o que é um homem, quanto dano ele fez e causa a muitas mulheres e também a homens. De repente, surgem novas categorias que vão além do binário, mas também além da ideia de que identidade não é algo que pode ser imposto. Mas meus personagens têm pouco interesse em mudar uma taxonomia anterior por outra, e eles pensam (eu também) que o que chamamos de "homem" ou "mulher" ou "homossexual" são partes de uma grande sequência que percorremos ao longo de nossa vida, ocupando as posições que desejamos, enquanto estivermos interessados em fazê-lo.

A amargura e o tédio são os grandes males contemporâneos? Por que vivemos tempos tão angustiantes?

Porque vivemos uma época de grandes finais: a selva arde, velhas religiões são substituídas por novas religiões e, portanto, potencialmente mais nocivas; o trabalho como o concebemos foi substituído pela gamificação de tarefas com as quais não nos identificamos nem entendemos plenamente. E a nostalgia de um passado que tendemos a idealizar lança muitas pessoas nos braços de um novo fascismo. Não sei como poderíamos viver sem angústia, mas sei que essa angústia é política e que temos que fazer política a partir dela e para ela, para que surjam novas formas de viver conosco e com o mundo físico que nos rodeia.

Essa nova forma de relacionamento humano (com bate-papo, redes sociais e conversas por e-mail) pede uma nova linguagem literária?

A verdade é que desconfio um pouco da ideia de que esse tipo de tagarelice incessante que praticamos nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens instantâneas não seja um tipo específico de literatura. E os personagens neste romance também veem isso, por exemplo, quando criam poemas dadaístas com as mensagens sujas e ofensivas enviadas por homens em aplicativos semelhantes ao Tinder. Não é uma boa literatura, mas é a que corresponde a uma época que também não é boa. E temos de abrir os olhos e pensar em todas essas coisas porque o tempo se está esgotando. Infelizmente, não nos resta muito antes de finalmente termos de falar seriamente sobre esses assuntos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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