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Artista plástico cria exposição na cerca
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
10/01/2010 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


A primeira impressão ao olhar a cerca de madeira no número 1.601 da Avenida Nossa Senhora dos Navegantes, no Jardim Inamar, em Diadema, é de repulsa e até medo.

Mas basta um pouquinho de atenção para notar cenas do cotidiano recriadas em bonecos e brinquedos envelhecidos. Há ainda frases talhadas com ditados populares em ripas de madeira.

Esse é o trabalho do jardineiro e artista plástico Helenildo Domingos da Silva, 57 anos, mais conhecido como Zé Pretinho. Ele doa as peças para quem quiser. Além disso, às vezes, os objetos são roubados da cerca. Atualmente, o artista está com quatro instalações expostas no Museu de Arte Popular de Diadema.

"Não tem problema em levar, tomara que sirva para dar alegria para alguma criança. Vem um monte delas pedir e eu mando voltar com os pais, que aí sim eu deixo levar sem problema. Tem essa história de pedofilia... não quero rolo para o meu lado."

Autodidata e com apenas o Ensino Fundamental e muita vontade, Zé Pretinho usa material recolhido do lixo ou de doações como matéria-prima para fazer a sua arte e reproduzir, como ele diz, "o seu jeito de pensar."

O mosaico de cenas do dia a dia é parte da imaginação do autor. Entre as bonecas colocadas na cerca há celebridades como as apresentadoras Ana Maria Braga e Adriane Galisteu. E até a cantora Janis Joplin tem o seu lugar. Na exposição a céu aberto, os brinquedos ficam encardidos. "Não tem problema. É o meu estilo", brinca.

O artista nasceu em Quatá, no Interior de São Paulo. Trabalhou como boia-fria, ajudante numa olaria e jardineiro.

Jardins e imaginação - Atualmente, ele usa o terreno cedido por um antigo chefe para tirar o seu ganha pão e fazer a sua arte. Todos os dias, Zé Pretinho chega por volta das 6h para trabalhar. Ele, um irmão e um sobrinho preparam e vendem terra para jardins e mudas de plantas. "Tem dia que acordo de madrugada e venho para cá. A inspiração não tem horário, vem da alma. Tem gente que acha que sou doido. Quem é normal?" A instalação dos brinquedos na cerca começou em 2004. Mas a ideia surgiu no Natal de 2002.

"Estava morando de favor na casa de amigos. Como não me sentia bem lá dentro, decidi ficar do lado de fora, com fome na noite de Natal. Só sentia o cheiro de peru. Aí parou um senhor com um carrão e deixou um pernil para mim. Foi um aviso e aí decidi fazer alguma coisa para ajudar."

Como os brinquedos sempre foram seus objetos de desejo desde a infância pobre, Zé Pretinho decidiu buscar uma forma de conseguir bonecos e carrinhos às crianças.

"Fui a uma fábrica de brinquedos pedir. Me falaram que quem poderia dar era o gerente que estava chegando de carro. Saí correndo para cima dele, que ficou muito assustado. Dizia: ‘Não me sequestra, por favor'. Falei que só queria brinquedos para doar. Ele me atendeu e, alguns dias depois, me mandou um saco com bonecas e carrinhos." Zé Pretinho agora busca no lixo e aceita doações para pendurar na cerca e dar alegria às crianças carentes.

Obras já foram para cidade da França
Zé Pretinho gosta de visitar museus "quando dá". Mas o seu trabalho já trouxe reconhecimento entre profissionais da área. O convite para expor as suas instalações na cidade francesa de Montreuil foi o primeiro passo em 2008.

O MAP (Museu de Arte Popular) de Diadema já conta com quatro instalações do artista: Bombeiros, Brinquedos, Diadema Antiga e Pé de Boi, todos com material reciclado.

"Um dia quero fazer uma maior aqui no quintal mesmo", conta Zé Pretinho.

Quem descobriu Zé Pretinho foi a artista plástica e professora Andreia Alcântara, 38 anos, que mora em Diadema e monta exposições no museu da cidade.

"Passava sempre lá na frente da casa. Me lembrei do começo do pop art quando vi. Na época os artistas também usavam material do lixo", conta.

Para o curador do MAP, o artista plástico e escultor argentino Ricardo Amadasi, 62, o trabalho de Zé Pretinho é de um autêntico artista popular.

"Ele cria um universo surreal. A capacidade de transformação da realidade em criatividade é impressionante. O Zé é o nosso artista expoente", comenta Amadasi.




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