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Lei Maria da Penha estimula abertura de inquéritos na região

Entre 2005 e 2015 passou de 784 para 2.626 os processos abertos nas delegacias da mulher

Yara Ferraz
Diário do Grande ABC
07/08/2016 | 07:00
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Divulgação


“A Lei Maria da Penha salvou a minha vida”, a frase de Juliana (nome fictício), 31 anos, moradora de Santo André, ilustra a realidade de muitas mulheres beneficiadas pela legislação de número 11.340, que completa hoje dez anos de existência. Desde que foi implementado, o princípio que garante proteção às mulheres incentivou a realização de denúncias por parte das vítimas de violência doméstica. Prova disso é a alta expressiva (234%) no número de inquéritos instaurados pelas quatro DDMs (Delegacias da Mulher) da região entre 2005 e 2015 – passou de 784 para 2.626 processos.

Somente nos primeiros sete meses deste ano, foram abertos 1.587 inquéritos policiais tendo como base a Lei Maria da Penha na região, o equivalente a sete casos diários de denúncias de agressão a mulheres entre as sete

Antes da lei, a denúncia podia ser retirada pela vítima, o que cancelava o inquérito. Atualmente, a mulher só pode retirar queixas de crimes como ameaça e agressão verbal, mas no caso da agressão física a investigação e punição acontecem independentemente da vontade da vítima.

Nas unidades policiais, entretanto, o número de atendimentos é ainda maior. Em Santo André, são registrados, por mês, média de 160 boletins de ocorrência do tipo. Em São Bernardo, até julho desse ano foram 1.081 casos notificados, sendo 136 somente no último mês. Já em Diadema a DDM atende média de 40 mulheres por dia para orientações e encaminhamentos e elaboração de registros.

“Antes da Maria da Penha, os casos eram bem mais numerosos, mas menos mulheres denunciavam. Como a pena para agressão podia ser convertida em pagamento de cestas básicas, por exemplo, havia muita reincidência”, opinou a delegada da mulher de Diadema Renata Lima de Andrade Cruppi.

Apesar de não ser possível apontar um perfil do agressor, a maioria dos casos registrados costuma durar há anos. “Há relatos de mulheres que sofrem violência doméstica há 30 anos. Elas relatam que sofrem há anos e só agora tomaram coragem de denunciar. E esse número tende a aumentar porque a mulher não fica mais em silêncio, ela não suporta mais essa situação”, explicou a delegada titular da DDM de Santo André, Adrianne Mayer Bontempi.

Demorou oito anos para que Juliana desse um basta ao ciclo de violência doméstica vivenciado ao lado do marido, com quem ficou casada durante 14 anos. Em 2014, Juliana fez a denúncia e foi encaminhada para o Centro de Referência da Mulher Vem Maria em Santo André. Com a medida protetiva, ela ficou quatro meses em uma casa abrigo. 

Hoje, descobriu nova profissão e vive com os dois filhos, que têm 12 e 15 anos. Juliana associa o início das agressões ao consumo de bebidas alcoólicas e drogas pelo ex-marido. “O que mais me lembro daquela época é do barulho do trinco da porta. Tenho pesadelos até hoje com isso, porque quando eu ouvia aquele som, acabava a minha paz”, afirmou em referência à chegada do marido em casa. <EM>Entre as agressões que resultaram em dois boletins de ocorrência, estavam incluídos tapas e socos sofridos por Juliana. Porém, a mais grave foi depois de uma briga no carro. Quando a mulher saiu do veículo, o ex-marido deu ré e a atropelou. Ela carrega as cicatrizes do episódio na pele. “Primeiro, eu achava que tinha jeito e passei anos buscando ajuda para o problema dele. Ele me batia, mas pedia desculpas e tudo ficava bem por dois dias. Hoje, eu percebo que quem precisava de ajuda era eu.” 

“A Lei Maria da Penha e os serviços de referência salvaram os meus filhos de se tornarem futuros agressores, pois era o que ia acontecer se eles continuassem presenciando aquela situação. Por isso, o meu conselho para quem vive isso diariamente é: tenha coragem. Você já é corajosa por passar por isso todos os dias, agora só é necessário coragem para sair disso e aprender a se amar”, disse. 

Medida ainda é problema

Apesar da eficácia, um dos principais problemas apontados por especialistas na legislação é a questão da medida protetiva. O documento é concedido pelo juiz após encaminhamento do inquérito pela delegacia e tem prazo de 48 horas.

Porém, o período de dois dias pode ser vital para as mulheres que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade. Conforme o advogado especialista em Defesa da Mulher Angelo Carbone, o correto seria que o documento saísse nas mãos da vítima após a denúncia. “Nesse período ela pode levar uma surra ou até mesmo ser morta pelo agressor. O ideal era isso não depender do juiz”, afirmou.

A delegada da mulher de Santo André Adrianne Mayer Bontempi tem a mesma opinião. “A delegacia poderia conceder a medida protetiva, porque é o que a maioria precisa. A questão não é tirar a autoridade do Judiciário, mas é importante que ela saia com esse documento em mãos.”

Com a mudança, vidas como a da enfermeira Fernanda Sante Limeira, 35 anos, seriam poupadas. Ela estava separada do ex-marido Ismael dos Santos Praxedes há oito anos e ambos disputavam a guarda da filha. Ela foi morta a tiros no dia 23 de julho em frente à UBS (Unidade Básica de Saúde) República, onde trabalhava. Ele foi preso em flagrante.

Desde a separação, Fernanda vivia em São Bernardo e chegou a denunciar o marido por ameaça na Delegacia da Mulher da cidade. Ela pediu medida protetiva, mas a mesma foi negada pela Justiça em junho.

“Ele fez denúncias de abusos sexuais relacionadas à filha deles, mas que foram provadas que eram falsas. Depois disso, ele se tornou mais agressivo. Laudos do Judiciário mostravam que ele nunca aceitou a separação, era transtornado e obsessivo”, afirmou o advogado Ariel de Castro Alves que defendeu a enfermeira em 2013 e 2014.

Atualmente, o projeto de lei 7/2016, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB), já foi aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). O texto propõe que em caso de urgência, a medida seja concedida pelo delegado. A proposta ainda precisa ser aprovada pelo Senado. [08.ASSINA_PE]<TL>




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