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Menores que matam
devem ser emancipados

Advogado Ari Friedenbach é contra redução da
maioridade penal, mas defende alterações no Código

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
30/06/2013 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Um pai com olhar não vingativo após ter sofrido violência inesquecível para toda a família e que deseja uma sociedade mais justa. Assim se define o advogado Ari Friedenbach, eleito vereador de São Paulo pelo PPS em 2012. Apesar de um dos assassinos de sua única filha mulher, Liana Friedenbach, 16, e do namorado da garota, Felipe Caffé, 19, ter 16 anos na época do crime, ele se posiciona de forma contrária à redução da maioridade penal. O assassinato aconteceu em 2003, na região de Embu-Guaçu, na Grande São Paulo, e teve outros três homens condenados por estupro, sequestro e porte de arma.

Segundo o jurista, além de ser inconstitucional, a responsabilização criminal a partir dos 16 anos deslocaria o problema da delinquência juvenil para uma faixa etária menor. Para Friedenbach, é preciso mudança no Código Penal brasileiro. Ele defende que todo menor, independentemente da idade, que cometa crimes como estupro, latrocínio, homicídio, roubo e sequestro, deve ser emancipado e responder criminalmente pelo ato praticado.

Como medidas eficazes para conter o avanço da violência entre os jovens, o vereador é a favor do aumento do tempo de internação dos menores na Fundação Casa, além da construção de escolas e imposição de limites aos adolescentes por parte dos pais e do Estado. Entre outras ações, Friedenbach destaca a necessidade de os presos trabalharem como forma de se manterem nos centros de detenção e que sejam excluídas medidas consideradas inapropriadas, como a redução de pena e as saídas temporárias dos detentos.

DIÁRIO – Qual é o seu posicionamento a respeito da redução da maioridade penal?

FRIEDENBACH – Meu posicionamento em relação à redução da maioridade penal é contrário. Entendo, assim como muitos juristas, que se trata de algo inconstitucional. Mas, mais importante do que o aspecto legal é o risco que a gente corre de colocar jovens com idade entre 16 a 18 anos em um sistema prisional péssimo e que não recupera. Ainda que o sistema fosse melhor e recuperasse, você estaria colocando os jovens em uma vala comum, impedindo que tivessem chance de recuperação.

DIÁRIO – Há quem defenda que se o jovem de 16 anos tem consciência política para votar, também deve responder criminalmente perante seus atos. O senhor concorda?

FRIEDENBACH – Discordo disso porque pode se ter consciência política aos 16 anos, agora, a consciência do que é crime, ou homicídio, se dá muito antes. Um jovem de 12 anos tem plena consciência do que significa matar alguém. Um homicida de 15 anos vai continuar respondendo com base no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e não acho adequado medida socioeducativa de no máximo três anos para um criminoso. Digo criminoso ainda que seja uma expressão inadequada de acordo com o ECA – segundo a lei o adolescente comete ato infracional. Na minha visão, quem mata, estupra e sequestra não comete um ato infracional, e sim um crime extremamente grave.

DIÁRIO – O senhor sempre teve esse posicionamento ou mudou de ideia ao longo dos anos?

FRIEDENBACH – Vai fazer quase 10 anos que minha filha foi assassinada e digo que há nove anos e meio tenho esse posicionamento. Num primeiro momento, fui favorável à redução da maioridade penal até por ignorância e desconhecimento do tema. Até então, não era estudioso desse assunto. Logo depois do crime, nos primeiros quatro a cinco meses, achei que a redução da maioridade penal era uma solução, mas hoje entendo que não só não vai resolver como vai agravar muitos problemas relacionados à criminalidade juvenil. O criminoso, a quadrilha que recruta o menor de idade hoje, começaria a usar os adolescentes de 14 anos para cometer os mesmos delitos. Com isso, vamos deslocar o problema para uma faixa etária menor. Acho isso muito perigoso e delicado.

DIÁRIO – Um dos acusados de ter participado do assassinato da sua filha e do namorado era menor na época do crime.

FRIEDENBACH – O Roberto Aparecido Alves de Souza, vulgo Champinha, é um psicopata que não tem condição de voltar à sociedade. Ele está preso até hoje numa unidade especial da Secretaria de Saúde e provavelmente não deve sair. Isso é muito importante. Não há formas de se recuperar um psicopata e ele deve ser retirado da sociedade para sempre, porque é uma pessoa que vai reincidir. Hoje não existe previsão clara na lei para psicopatas. Esses casos precisam ter tratamento diferenciado. O Estado tem que simplesmente colocar em uma unidade prisional ou num hospital psiquiátrico com contenção para que eles não saiam.

DIÁRIO – Então o senhor defende alterações na legislação brasileira?

FRIEDENBACH – Acho que existem medidas importantes e muito simples que podem fazer uma diferença gigantesca. Mais eficaz que reduzir a maioridade penal é fazer uma alteração no Código Penal – que já demorou demais para ser concluída. Inclusive, quando entrar em vigor, já vai entrar defasada. É muito importante que todo maior de idade que tiver menor envolvido no crime cometido tenha sua pena agravada em 50%. Essa pequena mudança, extremamente simples, não mexe com a idade penal, mas faz toda a diferença.

DIÁRIO – Há soluções para conter a violência entre os adolescentes?

FRIEDENBACH – Entendo que todo menor, independentemente da sua idade, que cometa um crime hediondo, ou extremamente grave – como estupro, latrocínio, homicídio, roubo e sequestro – deve ser emancipado pelo juiz e responder segundo o Código Penal. O juiz e um psiquiatra examinam esse jovem para descobrir se ele tem consciência do que fez. Se condenado, o adolescente ficaria numa unidade prisional da Fundação Casa, mas separado dos demais jovens até completar 18 anos. Caso ainda tenha pena para cumprir após esse período, ele seria transferido para uma unidade prisional comum.

DIÁRIO – A ampliação do tempo de internação na Fundação Casa, seria uma medida eficaz?

FRIEDENBACH – Para outros atos graves, defendo que deve haver um aumento do tempo de internação, até porque hoje na Fundação Casa a lei prevê que o menor fique até três anos internado, mas isso é raro de acontecer. Na maioria dos casos, em média em oito meses os adolescentes estão fora. Então, o que acho muito importante é que todo menor que cometa um ato extremamente grave deva responder criminalmente, independentemente da sua idade. Além disso, todo menor que tenha passagem na Fundação Casa e que comete crime após completar 18 anos tem que deixar de ser réu primário. Ele deve responder como reincidente e ter sua pena agravada de forma significativa por isso.

DIÁRIO – O sistema de internação na Fundação Casa é adequado?

FRIEDENBACH – É importante que se diga que a Fundação Casa faz hoje trabalho muito bem feito. Ao contrário do que se noticia, não é uma escola de criminosos. Os jovens não estão jogados num depósito. Falo isso com conhecimento de causa porque fui visitá-los. Esses jovens estudam, tem cursos profissionalizantes. Inclusive levei ao governador (Geraldo Alckmin – PSDB) proposta para que esse atendimento seja levado para a família desses jovens. Não adianta fazer um trabalho bem feito dentro da Fundação e, quando o adolescente sai, vai para um ambiente desestruturado.

DIÁRIO – E em relação ao sistema prisional do País? O senhor considera que há eficiência na recuperação dos presos?

FRIEDENBACH – Outra questão importante que quero colocar é a do trabalho dentro dos presídios. Não é possível imaginar que se recupera alguém que não é obrigado a trabalhar. Todo mundo que está em liberdade é obrigado a trabalhar porque senão não come. O preso tem que ser a mesma coisa. Se não trabalha, não come. Ele tem que pagar a comida que ele come, a luz que ele usa e, se possível, indenizar a família para a qual causou mal.

DIÁRIO – A sociedade tem impressão de que o criminoso, seja menor ou não, fica impune. Isso acontece?

FRIEDENBACH – Sou advogado e aprendi na faculdade que a pena tem duas funções: uma é a reintegração na sociedade e a outra é o castigo. A pena também tem essa função. As pessoas têm muita dificuldade de dizer coisas que parecem politicamente incorretas, mas é isso. Tem que punir quem faz algo errado. É assim que a gente faz em casa, com os filhos. Isso é educar, é colocar limites.

DIÁRIO – O fato de um dos quatro réus maiores condenados pelo assassinato da sua filha já estar solto te incomoda?

FRIEDENBACH – Os quatro maiores que participaram do crime da Liana foram condenados a penas de 43 até 125 anos, sendo que um deles já está em liberdade. Isso é um absurdo. Se a pessoa foi condenada a 40 anos, que ela cumpra os 40 anos. Não pode haver essas reduções de penas absurdas. Não pode haver essa matemática que ninguém consegue entender. A população acha que alguém foi condenado a uma pena super rigorosa, mas não demora muito essa pessoa já está na rua. Um homicida hoje pode ser condenado de 12 a 30 anos, mas se ele for condenado a 12 anos em quatro ou cinco estará solto.

DIÁRIO – O senhor defende maior rigor na lei de execuções penais?

FRIEDENBACH – Não é admissível e em nenhum lugar do mundo existem saídas temporárias. Isso é um escândalo. O que a gente tem, na verdade, é o Estado mostrando a sua incompetência e a falta de presídios. Por isso se colocam presos perigosos na rua. Quando tem saída temporária, coloca-se em torno de 25 mil presos nas ruas e, desses, o Estado simplesmente, com a maior cara de pau, diz que só não retornaram 10%. Com isso, são 2.500 presos perigosos soltos na rua e 2.500 vagas a mais no sistema prisional.

DIÁRIO –
Então há necessidade de construir presídios?

FRIEDENBACH – É muito chato isso, mas temos presos que precisam ficar nos presídios e também temos muita gente que está nas ruas porque não há vagas para colocá-los no sistema prisional. Agora, não estou excluindo a questão da Educação, que é fundamental. A gente precisa ter a noção de que quando se fala em melhorar a Educação é construir escolas. Isso é fundamental para que os jovens não se tornem criminosos amanhã. Uma coisa é você não deixar que eles se tornem criminosos, agora, quando ele já é um criminoso, tem que ir para cadeia e ponto final.

DIÁRIO – A construção de escolas é suficiente para a melhoria da Educação?

FRIEDENBACH – A gente também tem que melhorar o sistema da Educação. Tem que acabar urgente com a progressão automática. Os jovens não repetem o ano e isso porque o Estado não tem escolas. Então, se passa o aluno de ano porque é preciso ter vaga para os que estão entrando na rede escolar. Tem que construir escola. Esse jovem que hoje não é reprovado na escola não está acostumado a ouvir não. Os pais também não dizem não e, mais tarde, eles serão criminosos. Amanhã a namorada dele diz não e ele vai lá e mata ela. É a isso que estamos assistindo. Uma geração completamente sem limites e que se sente no direito de fazer aquilo que quer. Limite é fundamental. Educar é isso.

DIÁRIO – Por que o senhor resolveu entrar para o ramo da política?

FRIEDENBACH – Diria que se alguém tem um objetivo muito claro para ter entrado na política e fazer alguma coisa sou eu. Acho que decidi entrar para a política depois de alguns anos de trabalho político apartidário. Percebi que estava conseguindo muito pouco dessa forma. Acho que a minha participação dentro da política tem essa função de trazer o olhar de quem sofreu a violência, mas um olhar não vingativo. Estou tentando fazer com que a nossa sociedade seja um pouco mais justa e acho que as minhas propostas vão de encontro a isso. A gente tenta ter um País melhor, e isso significa com mais Segurança e Educação. O foco do meu trabalho é esse. Educação para não se tornar um criminoso e, no aspecto prisional, tirar de circulação aqueles que merecem. 




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