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Reuniao ministerial da OMC em Seattle termina sem acordo
Do Diário do Grande ABC
04/12/1999 | 12:45
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Fracassou o lançamento da Rodada do Milênio. As 21h30 desta quinta-feira (3h30 de sábado em Brasília) os delegados envolvidos no último esforço para salvar a 3ª Conferência Ministerial da Organizaçao Mundial do Comércio saíram da sala de negociaçoes. Muitos haviam trabalhado quase sem parar por mais de 24 horas. A representante comercial dos Estados Unidos, Charlene Barshefsky, havia presidido essa reuniao e tentado arrancar, com espantosa energia, algum resultado de uma conferência marcada por desorganizaçao, intransigência e quatro dias de agitaçao e violência nas ruas. Teve de engolir a derrota.

Meia hora depois, a organizaçao ambientalista Amigos da Terra, uma das muitas empenhadas em impedir a nova rodada, já distribuía um boletim com a última notícia: "Fracassam as conversaçoes da OMC". Em poucos minutos mais três boletins, todos em tom triunfante, circulavam pela sala de imprensa do Centro de Convençoes de Seattle. Um deles celebrava "uma vitória para as florestas". Livre das delegaçoes diplomáticas e da burocracia internacional, o Centro de Convençoes deveria abrigar neste sábado uma feira de animais. A cidade voltaria à rotina pacífica. Os lojistas, prejudicados pelos tumultos, pelo isolamento policial do centro e pelo toque de recolher noturno, retomariam as vendas de Natal. As ONGs podiam festejar a vitória contra uma entidade satanizada e convertida em símbolo dos maiores pecados do capitalismo, como a devastaçao ambiental, a destruiçao de empregos, a exploraçao de crianças e a violaçao persistente dos direitos humanos.

Até esta quinta-feira os 134 países membros da Organizaçao Mundial do Comércio (OMC) tinham a perspectiva, pelo menos em princípio, de iniciar o ano 2000 comprometidos com a mais ambiciosa negociaçao comercial já tentada na história. Só têm assegurada, agora, a discussao da agenda mínima combinada há cinco anos, em Marrakesh, no final da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt). Essa agenda inclui agricultura e serviços e propriedade intelectual, mas é um aventura sem prazo para terminar e, por isso mesmo, considerada pouco promissora por muitos diplomatas.

Diante do fracasso, restou aos ministros devolver o assunto a Genebra para um recomeço modesto. Resolveu-se pedir ao diretor-geral da OMC, o neozelandês Mike Moore, um estudo cuidadoso de processos transparentes e eficazes de negociaçao, antes da nova tentativa de lançar a rodada. Ele deverá, além disso, continuar as consultas aos vários governos, a respeito dos temas da rodada. No "menor prazo possível", deverá apresentar um relatório sobre o andamento das conversaçoes, preparando o caminho para uma nova convocaçao dos ministros. Tecnicamente, segundo explicou o chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia, a Terceira Reuniao Ministerial da OMC foi apenas suspensa, com as discussoes congeladas. Nao ocorreu, segundo o ministro, um fracasso. Apenas se decidiu interromper as negociaçoes, "sem ruptura", diante da falta de tempo e da impossibilidade de alcançar, em Seattle, um acordo sobre a pauta da Rodada do Milênio.

O secretário argentino para Relaçoes Econômicas Internacionais, Jorge Campbell, ao deixar a reuniao às 21h30, usou sem hesitaçao a palavra fracasso para qualificar o resultado de quatro dias de negociaçoes sem lançamento da rodada. Nao se poderia, segundo ele, atribuir o tropeço à discussao sobre agricultura. Afinal, argumentou, o texto sobre o comércio agrícola era o mais elaborado e o mais complexo no final das discussoes - revelando um avanço, portanto.

Divergências - Apesar do esforço, foi impossível o acordo sobre a declaraçao ministerial prevista para o lançamento da rodada. Permaneceu até o fim a divergência sobre a proposta de eliminaçao dos subsídios a exportaçoes agrícolas. Os europeus continuaram defendendo o compromisso de "reduçao substancial". Também houve discordância quanto à reduçao de tarifas para produtos agrícolas e sobre como tratar as "preocupaçoes nao comerciais", como preservaçao da paisagem, sustentaçao de comunidades rurais, garantia de abastecimento, segurança dos produtos alimentares etc. Houve progresso na redaçao, na tentativa, por exemplo, de impedir a conversao dessas políticas em mecanismos adicionais de protecionismo. A Uniao Européia rejeitou até o fim, além de outros pontos, a proposta de sujeitar a agricultura, progressivamente, ao tratamento imposto ao setor industrial, com as mesmas proibiçoes de uso de certas políticas, como crédito subsidiado.

Temas novos, como investimento e políticas de concorrência, também continuaram a dividir os países, embora tenham sido pouco discutidos. Na área de implementaçao dos acordos da Rodada Uruguai, houve forte divergência quanto às políticas antidumping. Brasil, Japao e Uniao Européia defenderam medidas para disciplinar o uso desse instrumento e atenuar seus efeitos, mas os norte-americanos nem quiseram discutir o assunto.

Questoes trabalhistas foram um tema difícil. O presidente os Estados Unidos, Bill Clinton, defendeu num discurso a adoçao de normas, pela OMC, de padroes laborais básicos. A violaçao desses padroes, segundo a proposta norte-americana, justificaria penalidades comerciais. Clinton fez essa proposta sob forte pressao dos sindicatos norte-americanos. Países europeus, assim como o Brasil e outros países em desenvolvimento, mostraram-se dispostos a aceitar a criaçao de um grupo para discussoes e estudos sobre o assunto, em cooperaçao com instituiçoes multilaterais importantes, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e, naturalmente, a Organizaçao Internacional do Trabalho. Seria evitada, porém, a adoçao de normas trabalhistas como parte dos critérios da OMC. Isso seria como incluir no ninho um ovo de serpente, segundo a avaliaçao de Lampreia. O risco de protecionismo baseado na interpretaçao dessas normas seria considerável, de acordo com a opiniao dos diplomatas do Brasil e da maioria dos países em desenvolvimento.

Pressao popular - Novidades importantes da reuniao de Seattle foram a pressao das organizaçoes civis e dos cidadaos comuns e também, no interior da conferência, a tentativa de maior participaçao da grande massa de países de menor peso econômico. Transparência foi uma palavra-chave em muitos protestos, usada por manifestantes de rua, dirigentes sindicais, o presidente Bill Clinton e a embaixadora Charlene Barshefsky. Usaram-na também os diplomatas de muitos países da Africa, do Caribe e da América Latina, para reclamar das negociaçoes conduzidas em grupos limitados, um processo conhecido como "green room" (nome derivado de uma sala verde, em Genebra, usada para reunioes restritas).

Grupos - Nao se encontraram meios de garantir a eficiência dos trabalhos com a participaçao direta, em todos os momentos, de 135 delegados, de 134 países mais um da Uniao Européia. Foram criados grupos de trabalho sobre os temas principais, abertos à participaçao de todos. Mas acabou-se recorrendo à criaçao de grupos menores e paralelos para desatar os nós principais.

No último dia, boa parte do esforço foi feito por 25 participantes, Estados Unidos, Canadá, Japao, Uniao Européia, Brasil, Venezuela, Costa Rica, Argentina, México, Colômbia, Uruguai, Chile, Suíça, Noruega, Hungria, India, Paquistao, Cingapura, Hong Kong, Malásia, Indonésia, Coréia, Africa do Sul, Nigéria e Egito estavam representados. Noventa países ficaram fora dessas deliberaçoes e isso resultou em manifestaçoes e indignaçao. A tentativa de combinar os dois processos, o democrático e o restrito, fracassou.

Em suas declaraçoes finais, Charlene Barshefsky mencionou as deficiências do processo de negociaçao. Pascal Lamy comissário de Comércio da Uniao Européia, também se referiu aos processos de negociaçao e à dificuldade de combinar eficiência e transparência. Para o ministro da Economia do Egito, Youssef Boutros Ghali, sobrinho do ex-secretário geral da ONU, a decisao final foi positiva, por ser um passo a favor da democracia nas negociaçoes.

Pesado tudo isso, talvez a melhor explicaçao seja mesmo a do ministro Lampreia: o impasse mostra, af




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