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Livros de Edward A. Said mostram vítimas da guerra
Por João Marcos Coelho
Especial para o Diário
12/04/2003 | 17:52
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“A guerra não é solução para o problema que divide e separa judeus e palestinos. A cooperação, por meio da música ou de outras maneiras, pode representar uma saída, acredito. Sou otimista. Apesar do mundo incrivelmente polarizado e conflitante em que vivemos, há sempre a possibilidade de um modelo alternativo”. Com palavras e posições como estas, o palestino Edward A. Said – professor de literatura comparada da Universidade de Columbia e crítico de música da revista The Nation, nascido em Jerusalém em 1935, criado no Cairo e, já adulto, “exilado”, como prefere dizer, em Nova York – transformou-se, nas últimas décadas, numa das raras vozes que procuram mostrar o outro lado deste prolongado e aparentemente interminável conflito entre judeus e árabes no Oriente Médio – amplificado, agora, pela Guerra EUA-Iraque. E este é o lado dos palestinos, segundo sua expressão, “vítimas das vítimas” do Holocausto. “Logo os judeus, que sofreram tanto na Segunda Guerra Mundial,” afirma Said, “agora praticam atitudes semelhantes com relação aos palestinos, exilados em sua própria terra”.

Internacionalmente, Said é tão conhecido como Noam Chomsky como intelectual muito ativo no engajamento nas grandes questões políticas mundiais. Foi o primeiro, no livro Orientalismo: O Oriente Como Invenção do Ocidente (Companhia das Letras, R$ 43), de 1979, que analisou historicamente, o modo como se implantou, na literatura e na cultura ocidentais, uma visão distorcida do Oriente. Ou seja, como se trata o Islã como se fosse uma entidade única, e sempre visto como civilização primitiva, subalterna aos valores universais do Ocidente.

Agora, começa a tornar-se também conhecido no Brasil, graças ao lançamento de dois livros reunindo artigos de ampla e diversificada temática: Cultura e Política (Boitempo, 176 págs., R$ 29) e Reflexões Sobre o Exílio e Outros Ensaios (Companhia das Letras, 352 págs., R$ 26). O primeiro reúne uma seleção dos artigos de Said, ex-assessor de Arafat na OLP (a quem abandonou no início dos anos 90, por considerá-lo “corrupto e sem autoridade”), para o jornal egípcio El-Ahram. São mais de trinta artigos, a maioria deles tratando do embate Israel-Palestina, publicados ao longo dos últimos três anos.

É excepcionalmente rico em informações em geral escamoteadas do público ocidental. Um exemplo: “Aproximadamente 750 mil palestinos foram expulsos em 1948 [de Israel]: eles são agora mais de 4 milhões. Os 120 mil (agora 1 milhão) que ficaram posteriormente se tornaram israelenses, uma minoria que constitui 18% da população do Estado, mas sem plena cidadania, exceto no nome. [...] Toda a população judaica tem direitos que os não judeus não têm. Sem uma constituição formal, Israel é governado por Leis Básicas, das quais uma em especial, a Lei do Retorno, permite a qualquer judeu, em qualquer parte do mundo, emigrar para Israel e se tornar cidadão do país, enquanto os palestinos nascidos lá não têm esse mesmo direito. 93% da terra do Estado é caracterizada como terra judaica, o que significa que nenhum não-judeu pode alugá-la, vendê-la ou comprá-la. Antes de 1948 a comunidade judaica na Palestina era dona de pouco mais de 6% da terra”.

Não se percebe rancor ou ódio de Said com relação aos judeus ou Israel, mas sim a vontade de mostrar-lhes o outro lado da questão. “O dilema moral enfrentado por qualquer um que tente compreender o conflito palestino-israelense é profundo. Os judeus israelenses não são colonos brancos do tipo que colonizou a Argélia ou a África do Sul, apesar de terem se utilizado de métodos similares. Eles são corretamente vistos como vítimas de uma longa história de perseguições ocidentais, em grande parte cristãs e anti-semitas, que culminaram nos quase incompreensíveis horrores do Holocausto nazista. Para os palestinos, contudo, seu papel é o de vítimas das vítimas”.




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