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Uma vida de amor pelo cavaquinho

Nome que tocou com os ‘grandes’ da música, andreense Eurides Paifer segue firme aos 86 anos

Por Vinícius Castelli
04/02/2018 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


 O amor que Eurides Paifer demonstra pelo cavaco e pela música é como o de um pai a um filho. Transcende o tempo. Nascido em Sorocaba em 1931 e radicado em Santo André em 1948, o artista, de fala doce e mãos calejadas pela vida e pelas cordas do instrumento, respira arte. Até hoje, aos 86 anos. Apaixonado por músicas como Pedacinho do Céu, de Waldir Azevedo, conheceu o cavaquinho ainda garoto por meio do amigo de infância, o (Valdemar) De Mar.

Mas a paixão bateu mesmo quando escutou os solos de Esmeraldino Salles. Era moleque ainda quando começou a ouvir a Tupi e conheceu a música instrumental. “Havia conjunto regional. Estava na moda, sabe”, diz. Em seguida foi a vez de saber de Jacob do Bandolim, com a música Flamengo. “Fiquei encantado e comecei a pegar o cavaquinho”, conta. Paifer tinha vida simples no Interior. “Era pobre e pobre só pode comprar cavaco”. Trabalhou de servente de pedreiro para ter o seu, e usado.

A rádio brasileira vivia ótimo momento nos anos 1950 e isso marcou Paifer. Na Rádio Tupi difusora, que ficava em São Paulo, tinha aos domingos o programa de auditório Festa na Roça. Lá estavam sempre Mazzaropi, Hebe Camargo, Lolita Rodrigues e Irmãs Galvão. “Tinha um quadro que tocava trecho de Brasileirinho, gravada por Waldir Azevedo em 1949. Pensei: ‘Nossa, que música fantástica’. Sintonizava todo domingo para escutar. Não sabia que música era. Não falava. Ia às casas de discos procurando o álbum. Perguntava às vendedoras e ninguém sabia.” Até que, um dia, em São Paulo, na Av. São João, achou. Comprou e escutou sem parar.

Brasileirinho o acompanha desde então. Em 1951 Paifer tocou em programa de calouros do Salomão Ésper, da Rádio Piratininga. “Era na Praça Ramos de Azevedo. Sábado de Carnaval. Apresentei a música pela primeira vez num programa de rádio. Acho que fui o primeiro a fazer isso.” O artista conheceu Waldir Azevedo, aliás, sua grande inspiração, em 1952, na Rádio Nacional.

Com a criação da Rádio Clube de Santo André, no início dos anos 1950, que ficava na Rua Senador Flaquer, sintonizada nos 740 kHz em AM (hoje Rádio Trianon), ele se destacou. Ganhou a (banda) Regional de Eurides Paifer. “O grupo era bom. Tinha o Zé Martins, que aprendeu a malandragem de tocar do carioca.” Sanches, Borba e Baixinho do Pandeiro também estavam na empreitada. Ali, na rádio, conheceu Maria, caloura de auditório à época, com quem se casou em 1955.

GANHANDO LUZ
Era para Hebe Camargo cantar na emissora andreense. A artista não aparecia. O auditório estava lotado. Até que alguém conseguiu falar com a cantora pelo telefone. “Hebe disse que não viria. Estava acamada. Disseram para ela que o lugar estava cheio. Falei com ela e ensaiamos pelo telefone mesmo, por onde cantou umas cinco músicas com a gente tocando. Nunca a encontrei, mas disseram que ela contava já ter feito de tudo na vida, até cantar pelo telefone.”

O instrumentista tocou por anos também com Joca Sete Cordas (morto em 2009), conhecido nome da região e por quem tem muito carinho. Projetos com Canhotinho, do Demônios da Garoa, então, de quem é grande amigo, são vários. Até disco para homenagear Waldir Azevedo fizeram. Gravou também com o grupo Lúmen, junto de Canhoto e Belchior (1946-2017).

Cantores e cantoras faziam fama. Mas ao lado deles, muitas vezes estava Paifer. Carlos Galhardo foi um dos primeiros. Cantou em Santo André em 1954, no extinto Cine Tangará. “Ele vinha do Rio de Janeiro e precisava de grupo para acompanhá-lo.” Foi até São Paulo com o amigo De Mar ensaiar e fazer o espetáculo no mesmo dia.

Com Nelson Gonçalves fez vários shows. Acompanhou a cantora Inezita Barroso, por volta de 1957, na região, quando ela gravou Ronda. Roberto Luna foi outro que requisitou Paifer. Do seu baú de lembranças, ele tira ainda as do programa Som Brasil, com Rolando Boldrin. “Acompanhei Moreira da Silva, Roberto da Silva, Paulo Moura. Tive participação razoável na música brasileira”, diz, modestamente.

Canhotinho, 81, se lembra de Paifer ainda adolescente. “É um grande músico, do princípio da rádio no Grande ABC. Acompanhava todos os cantores. É um artista muito importante para a música da região e dono de coração muito grande. É como se fosse meu irmão. Quando eu comecei a tocar me inspirei nele.”
Reynaldo Carmello, 81, era do conjunto Vocalistas do Luar. “Conheço Paifer desde 1956. Éramos cinco no conjunto e cantávamos na emissora, que tinha a Regional de Eurides Paifer. Ele tocava com o Joca, Martins, Baixinho. É um grande músico.”

Jornalista do Diário e historiador, Ademir Medici diz que Paifer é uma das reservas artísticas mais importantes de Santo André e da região. “Ele teve regional próprio. Viu todos os companheiros-músicos partirem. Renovou-se. Integrou o moderníssimo Lúmen. Humilde e virtuoso. Um arco entre passado e o presente da nossa música mais legítima. Seu nome ultrapassa os limites regionais. É só perguntar aos grandes nomes da MPB. Todos o reverenciam.”

Para o cavaquinista, tocar é sensação de fazer algo bom. Ele se apresenta todo sábado, em São Bernardo, no Boteco Adoniran, às 14h. “Você vibra com o que faz e aquela sensação passa para outras pessoas. Quando tem um cavaco, um violão sete cordas e um pandeirinho bom... não precisa mais nada.”




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