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'Em 5 anos, 10% do faturamento virão do e-commerce'

Esta é a projeção do presidente da Apas, Ronaldo dos Santos, que afirma que o percentual é semelhante no Grande ABC

Por Soraia Abreu Pedrozo
Diário do Grande ABC
25/03/2019 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


A Apas geralmente reserva sua feira anual, a Apas Show, para mostrar novidades do setor. Qual é o tema da feira neste ano?
Nós sempre estamos de olho no que está acontecendo no mundo, nas tendências. O objetivo é abordar algo que esteja à frente do nosso tempo. Os temas escolhidos costumam, dois ou três anos depois, ficar mais claros, pois começam se tornar mais reais. Neste ano, pensamos que o evento deve girar em torno do digital, e na feira faremos muitas apresentações sobre automação. Basicamente, tudo o que fazemos hoje está permeado pelo digital. E isso não tem volta. Por isso escolhemos falar sobre o SuperHack na Apas Show deste ano (de 6 a 9 de maio no Expo Center Norte).

O que quer dizer SuperHack?
Hack é abreviação de hackear, neste caso, os supermercados, mas é um hackear do bem. O verbo hack, na tradução do inglês, quer dizer fatiar, ou seja, analisar cada fatia para entender os problemas do setor e resolvê-los, ou melhorar os processos. Atualmente, há uma forma diferente de ver a inovação a partir do mundo digital, o que envolve pessoas muito jovens. A faixa etária que cuida disso, os nativos digitais, foi derrubada. Hoje, nós, que temos 40, 50 e 60 anos, estamos chamando meninos para reunião, apresentando problemas e pedindo a colaboração deles com essa visão que eles têm de inovação, a forma com que eles enxergam o mundo digital, para contribuir com a mudança.

Qual é o maior desafio dos supermercados diante desse avanço da tecnologia e da automação?
Estamos discutindo exatamente esse ponto nos eventos supermercadistas em todo o País. Todo mundo está falando disso. O maior desafio é entender para onde nós vamos com isso. Porque ninguém tem a resposta. Temos alguns insights para tentar formar conceito para onde o varejo vai. Estamos no meio de um brainstorm. Todo mundo discutindo sobre isso. Existe uma junção do mundo digital com o e-commerce, mas que na área de alimentos no Brasil ainda é incipiente. Representa somente 2% do faturamento do setor, que em 2018, somente no Estado, foi de R$ 105 bilhões (ou seja, as compras pela internet representaram R$ 2,1 bilhões). Temos grande gargalo para mudar o conceito. Muita gente ainda tem resistência ao comprar perecíveis pela internet. Ou ainda não encontramos a solução mais adequada para apresentar isso e fazer a logística, ou tem a questão do hábito do consumidor.

Esta talvez seja a parte mais difícil, pois o consumidor gosta de ir até o local e escolher a fruta ou o legume que vai comprar. Se pedir pela internet, como saber se virá do seu gosto?
Aí é que entra a questão da confiança. Porque o supermercado vai querer que você volte a comprar nele. E o objetivo é que você economize tempo e receba o melhor na sua casa. Ele não vai te entregar uma batata apodrecida, de qualidade ruim. Um desafio adicional que ainda não solucionamos é o ponto que cada um prefere. O mamão, por exemplo, cada um gosta de um jeito. Como mostrar para o consumidor se ele quer mais verde ou mais maduro? Isso ainda temos de resolver. Mas eu acho que vamos avançar nessa questão.

O senhor disse que o comércio eletrônico representa 2% do faturamento do setor hoje. Ainda é pouco, não? Qual é a projeção para daqui a cinco anos?
Vamos fazer um levantamento para divulgar na Apas Show deste ano, com projeções. Mas em cinco anos, acredito que o comércio eletrônico vai representar, no mínimo, 10% do faturamento. Isso porque as pessoas vão perdendo esse ranço de: ‘Ah, não, a carne eu que sei escolher’. Entendemos que a loja física ainda vai perdurar por muito tempo, talvez para sempre, mesmo que num formato de showroom, ou com mais lojas de conveniência, que estão no caminho do consumidor, porque o objetivo é fazer com que o produto chegue mais rápido à residência do cliente. Cada vez menos as pessoas estão dispostas a mudar o caminho para passar no supermercado.

Quando se fala que em cinco anos o faturamento dos supermercados deve vir do e-commerce, como traduzir isso para a quantidade de público que hoje vai ao supermercado, mas que nesse mesmo intervalo de tempo deverá aderir às compras pela internet? É possível estimar percentual para o Grande ABC?
Acho que o percentual do faturamento é proporcional ao de clientes, portanto, em cinco anos deve atingir 10% dos compradores. Hoje, 50 milhões de pessoas vão ao supermercado, por semana, em todo o País. Ou seja, em cinco anos, acredito que 5 milhões devam aderir ao e-commerce. Para o Grande ABC, os percentuais são os mesmos. A região, que emprega 45 mil pessoas no segmento, responde por 8,4% do faturamento do Estado, ou seja, R$ 8,9 bilhões, então, cerca de 2% (R$ 178 milhões) provêm das vendas pela internet, o que deve chegar a 10% em cinco anos. Quanto ao volume de consumidores que vão ao supermercado toda semana, temos nas sete cidades cerca de 1,3 milhão, ou seja, 26 mil já são adeptos às compras pela internet.

As lojas já estão preparadas para essa transformação tecnológica?
Nós já temos no Grande ABC lojas que estão se adaptando, com entregas on-line e com self-checkout (auto caixas em que o cliente pode passar número limitado de itens e pagar com cartão sem a necessidade de operador), o que evita o atrito de ficar na fila do caixa e que aqui temos na Coop, um case de inovação para a Apas. Vamos seguir nas duas frentes, pois assim como tem quem prefira ganhar tempo, há quem faça questão de passar no caixa para falar bom dia, para conversar, para ser chamado pelo nome. Mas às vezes a pessoa só quer fazer um jantar e está faltando tomilho, por exemplo, então ela nem precisa ir até a loja.

E isso não é um risco? Porque, geralmente, quando se vai ao supermercado, compra-se algo além da lista...
Isso reduz as compras por impulso, de fato. Mas se trata de uma tendência a incorporação da tecnologia aos hábitos do consumidor. E acreditamos que as vendas on-line vão crescer cada vez mais, principalmente nos grandes centros urbanos, que é o caso do Grande ABC. Além disso, as lojas de conveniência, que são as menores e geralmente estão situadas nos bairros, perto das casas das pessoas, tendem a crescer. Juntas, as duas ferramentas vão ampliar o faturamento do setor.

E os atacarejos, que despontaram durante a crise, continuam crescendo?
Acredito que o modelo deva crescer, mas em menor velocidade. Aquele ímpeto que teve nos últimos quatro ou cinco anos vai ser reduzido. A recomposição do poder de compra do consumidor faz com que ele procure serviços com mais conforto, inclusive, e cada formato tem um percentual de público que será atendido. O atacarejo, que até já tomou percentual de outros modelos na crise, não vai absorver 100% do mercado. Neste ano deve começar a crescer menos.

Na crise, aliás, o setor supermercadista como um todo não parou de crescer. Como explicar isso?
Nos últimos quatro anos, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro ficou no vermelho, pois em 2015 e 2016 tivemos quedas que, somadas, chegam a 8,4% e, depois, dois resultados consecutivos de alta de 1%. Mesmo assim, o saldo ficou negativo em 6%. Enquanto isso, o setor supermercadista cresceu, já descontada a inflação, média de 2% ao ano. Um dos fatores que influenciaram foi a intensificação da lei seca.

Não temos dados, mas temos a percepção de que as pessoas têm feito mais refeições e festas em casa, porque você pode beber sem se preocupar com a direção, fatos também reforçados pela crise. Na crise você traz os alimentos para dentro de casa, pois há uma grande diferença de valores entre comprar os alimentos e cozinhar em casa e comer fora. Tanto que os restaurantes perderam muito faturamento na crise, principalmente os de alto valor. Isso porque a diferença de gastos é muito grande.

Dá para estimar quanto por cento, em média, é mais barato é comer em casa?
Varia muito conforme o lugar. Mas uma comparação que gosto de fazer é com o preço da massa, que é muito cara num restaurante. Por exemplo, se você compra um pacote de 500 gramas de macarrão grano duro importado, é possível pagar R$ 7. E seis pessoas, em média, conseguem comer essa quantidade, dependendo de quanto se come. Se comprar carne, macarrão e molho, eu diria que com R$ 30 você faz uma bela massa em casa para a família, enquanto que com esse valor, em muitos restaurantes, não paga um prato. Os programas de culinária, que expandiram muito nos últimos anos, ajudaram também a estimular as pessoas a cozinharem em casa. Todo mundo virou chef.

Qual setor mais tem crescido nos supermercados?
Um setor que tem crescido muito é os dos saudáveis. Dados da Apas mostram que, quando o assunto é compra de verduras, frutas ou legumes orgânicos, quatro entre dez entrevistados adquirem esses produtos, com destaque para alface e tomate (os dois mais comprados). Em 2016, 30% dos brasileiros compraram esses itens. Em 2018, foram 39%, com destaque para mulheres (56%) de 25 a 34 anos (59%). A pesquisa também mostra que o supermercado é o principal local para adquirir esses produtos (64%), seguido pela tradicional feira de rua (26%), loja de produtos naturais (4%), compra direta com o produtor (3%) e grupo de compras coletivas (1%).

O que inclui exatamente o segmento dos saudáveis?
Sempre há essa dúvida. Incluo frutas, verduras e legumes, ou não? Porque isso a vida inteira existiu. É uma categoria madura que representa 13% do faturamento de uma loja. Agora, se considerarmos segmento específico de diets, lights, sem lactose, orgânicos e gluten free, hoje eles representam 1% e, em cinco anos, chegarão a pelo menos 4%. Percebemos que muita gente vai ao supermercado com lista de nutricionista, e cada hora a pessoa tem de ir a um canto da loja para buscar o que foi pedido. Como não é categoria madura, ela deveria estar centralizada para ficar mais cômodo ao consumidor.

Novidades desse ramo serão apresentadas na Apas Show?
Sem dúvida. Muitas participantes deixam para lançar novidades na feira. Na média, 20% dos sortimentos da loja são renovados anualmente. Inclusive, o evento, que sempre ocupou quatro pavilhões, neste ano terá cinco, pois selamos parceria com a Apex, que vai apoiar cerca de 200 empresas de alimentos e bebidas que vendem ou têm potencial para exportar. E as apostas devem incluir itens naturais, como granola, aveia, açaí e castanha, além de tradicionais como cachaça e café.

RAIO X
Nome: Ronaldo dos Santos
Estado civil: Casado
Idade: 54 anos
Local de nascimento: Limeira e mora na mesma cidade
Formação: Administração de empresas e economia
Hobby: Correr
Paixão: Supermercados
Livro que recomenda: Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro. De forma minuciosa, explica a formação econômica e patrimonialista do Brasil
Profissão: Empresário
Onde trabalha: É presidente da Apas (Associação Paulista de Supermercados) e integrante do conselho administrativo do Covabra Supermercados 




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