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Shows lembram 90 anos de Nélson Cavaquinho
Por Do Diário do Grande ABC
16/01/2000 | 14:56
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O compositor Nélson Cavaquinho foi dos poucos sambistas que, em meio a cançoes de amor, fizeram obras-primas falando, com insistência, da morte. Modesto, achava que seria esquecido e pediu as flores em vida. Ele as teve e, 14 anos após sua morte, continua lembrado. Em 2000, quando completaria 90 anos, a primeira homenagem ocorre já em fevereiro.

Quatro shows, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), reúnem a nata do samba brasileiro cantando seu repertório. Em abril, será lançado o ensaio "Nélson Cavaquinho - Enxugue os Olhos e me Dê um Abraço", de Flávio Moreira da Costa, na coleçao Perfis do Rio.

Ao longo de 76 anos, Nélson Cavaquinho compôs mais de 600 sambas, dos quais cerca de 100 foram gravados. Começou cedo, tocando o instrumento que lhe deu o nome em rodas de choro no centro da cidade e, já nos anos 40, teve seu primeiro sucesso. Mas nao quis seguir a trilha do rádio, como os músicos da época. Preferia ser um boêmio da Praça Tiradentes, no centro do Rio, onde virava noites, acompanhado de seu violao (que logo substituiu o cavaquinho), tocando de um modo muito particular. A cada noitada, muitos sambas surgiram e, na falta de quem os divulgasse, dava parcerias a quem se dispusesse a cantá-los.

Shows - O jornalista e escritor Ricardo Cravo Albim era um desses amigos de noitadas e assina o roteiro e a direçao dos shows que ocorrem a partir do dia 2. "Parte de sua obra está esquecida, mas em qualquer roda de samba que se respeite suas músicas aparecem", diz Albim. Na primeira semana, Elton Medeiros e Nelson Sargento, companheiro do xará na Mangueira, cantam as músicas mais antigas, algumas com parcerias compradas. No repertório estarao "Rugas e Notícia', entre outros clássicos que Sargento tem o maior prazer de cantar. "Nélson nao foi esquecido, mas nao é lembrado como devia", diz ele. "Ainda bem que se lembraram de seus 90 anos."

Na segunda semana, Guilherme de Brito, parceiro de verdade de Nélson Cavaquinho, canta os sambas que fizeram juntos com Leny Andrade e Gilson Peranzetta ao piano. "As vezes tenho dificuldade de lembrar algumas músicas, mas o pessoal está mexendo nessa história direitinho", conta o compositor. "Apesar de nunca ter sido boêmio, ia aos bares para encontrar com o Nélson." Já Leny Andrade gravou um disco só com músicas de Nélson Cavaquinho, acompanhada de Peranzetta. "É difícil tocá-las e cantá-las porque as harmonias sao simples, mas as melodias sao muito sofisticadas", comenta o pianista.

Os portelenses Cristina Buarque e Monarco fazem a terceira semana, cantando os sambas que têm a morte como tema. E sao muitos, desde o clássico "Luz Negra", passando por "Flores em Vida' e "Eu e as Flores", que avisam a quem passa: "Vai, que amanha enfeitarei o seu fim." Ricardo Cravo Albim considera a morte o tema prioritário de Nélson, embora ele a tenha cantado sem morbidez. "É o Augusto dos Anjos do samba carioca", afirma o jornalista, que conseguiu ainda algumas músicas inéditas ou pouco conhecidas por nao terem alcançado o grande público quando lançadas.

Lecy Brandao e seu grupo fecham as homenagens, na última semana de fevereiro, cantando as músicas que Nélson Cavaquinho fez para a Mangueira, sua escola de samba e seu endereço durante mais de dez anos. Clássicos como "Folhas Mortas' e "Pranto do Poeta" estao no repertório de Lecy, que entrou para a Ala dos Compositores da escola apadrinhada por Nélson. Na verdade, nem ele nem Cartola fizeram sambas-enredo para a verde e rosa (ou melhor, Cartola fez só um, nos anos 40), mas os dois nunca deixaram de cantá-la e exaltá-la.

Livro - 'Nélson Cavaquinho - Enxugue os Olhos e me Dê um Abraço" surgiu como uma imposiçao para o escritor e jornalista Flávio Moreira da Costa. Há 30 anos, recém-chegado de uma longa temporada nos Estados Unidos, ele conheceu e se tornou amigo do compositor nas rodas de samba lendárias que ocorriam no Teatro Opiniao, em Copacabana, na zona sul.

Desde entao, sonhava fazer alguma coisa, vídeo, filme ou livro, sobre o amigo. "Nao cerceei meu afeto por causa da objetividade, mas procurei mostrar o Nélson por inteiro", adianta Costa. "Falo de suas músicas, seus companheiros de boemia e até de sua dependência do álcool, que é o lado menos charmoso da vida que levava."

Costa fala ainda dos amores de Nélson Cavaquinho, que teve muitas mulheres e só um grande amor, Lygia, que vivia pela Praça Tiradentes, mas nao correspondeu a sua paixao. E também de sua religiosidade que aparece sempre nos sambas, um deles ainda inédito, dedicado a uma freira. Até os momentos de depressao, nos fins de noite, quando passava a euforia do álcool, sao lembrados.

Como fa declarado, Costa considera Nélson Cavaquinho o maior compositor brasileiro e compra polêmicas. "Dizem que foi Tom Jobim, mas devemos levar em conta que ele cresceu ouvindo Bach e Gershwin, enquanto Nélson é de origem humilde, nao completou nem o primário e fez músicas e versos sofisticados, tao sofisticados quanto Tom", argumenta. "Ele dizia que tudo vinha de repente, sem preparaçao, e que tinha acontecido com os outros."

Nunca foi muito fácil achar gravaçoes de Nélson Cavaquinho ou de suas músicas. Beth Carvalho sempre o incluiu em seus discos, assim como a velha-guarda da Mangueira, nos shows. Nos anos 70, o cineasta Rui Solberg fez um vídeo com ele, cantando e contando histórias. Em 1999, Leny gravou alguns de seus sucessos e, no fim do ano, a gravadora Emi-Odeon lançou um disco dele, cantando seus sucessos, na coleçao Raízes do Samba. "Mas já existe interesse em rever sua obra", comemora Albim. "O produtor do filme Mauá, Joaquim Vaz de Carvalho, já demonstrou interesse em fazer um livro de luxo e um disco sobre Nélson Cavaquinho, do jeito que ele merece."




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