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Brasileiro assume kernel do OS Linux
Por Paulo Basso Jr.
Do Diário do Grande ABC
24/12/2001 | 11:53
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Há cerca de seis anos, o jovem Marcelo Tosatti deparou-se com um emaranhado de restos de computadores espalhados em sua casa, abandonados pelo irmão, profissional em eletrônica. A curiosidade despertou o dom do garoto curitibano que, então com 12 anos, iniciou a trajetória no mundo da informática. Seus primeiros cliques desvendaram o velho DOS e o Windows. Tosatti, porém, queria mais.

Dois anos depois, após uma experiência pouco empolgante com o Linux, o jovem ingressou no quadro de funcionários da Conectiva, principal distribuidora brasileira do sistema de código-fonte aberto. Com o passar dos anos, seu talento despertou o interesse de Linus Torvalds, criador do software, e de Alan Cox, um de seus principais desenvolvedores.

A empolgação foi tanta que, no mês passado, ambos escolheram Tosatti como o mantenedor mundial do kernel 2.4 do Linux. O brasileiro assumiu o lugar do próprio Cox, que voltou suas atenções para o desenvolvimento da versão 2.5.

Desde então, suas responsabilidades aumentaram, assim como o número de ligações que recebe diariamente. Entre os intermináveis contatos, Tosatti arrumou um tempo para contar ao Diário um pouco mais sobre suas experiências.

Diário – Como foi seu primeiro contato com a informática?
Marcelo Tosatti – Eu tinha 12 anos e meu irmão trabalhava com eletrônica, montava computadores. Como qualquer profissional dessa área, ele deixava peças abandonadas em casa. Eu não sabia bem o que era aquilo, mas minha curiosidade me levou a mexer nas máquinas.

Diário – E a primeira experiência com o Linux, como foi?
Tosatti – Honestamente, foi ruim. Sofri uns dois meses para instalar uma antiga versão, a FT, que nem existe mais. Isso, entretanto, me despertou grande interesse em entender como funcionava o OS. Aos poucos, aprendi sozinho a manejá-lo.

Diário – Como ocorreu o processo de seleção em que você foi indicado para ser o mantenedor do Linux?
Tosatti – Na verdade, não houve um processo de seleção. Alan Cox, o mantenedor antigo, cansou do serviço, pois queria focar suas atenções em apenas um detalhe do software, que era a trava do kernel. Nesse processo, Cox me indicou para Linus Torvalds. Outros desenvolvedores também aprovaram meu nome, pois conheciam o trabalho que executo na Conectiva há quatro anos. Então, enviaram-me um e-mail com a proposta.

Diário – Quais são suas principais tarefas como mantenedor do kernel?
Tosatti – Tecnicamente eu tenho de pegar as correções e modificações propostas por outros desenvolvedores e escolher o que entra ou não no kernel. Sempre que há uma versão nova do kernel, chamada de Pré 1, são incrementadas mudanças radicais no sistema. Após essa etapa, minha tarefa é aperfeiçoar o software aos poucos, sem alterações de grande impacto. Também tenho de me relacionar com a indústria da informática, com empresas como a Compaq e a IBM. Nesse caso, minha responsabilidade é suprir as necessidades dos fabricantes sem beneficiar ninguém. Tenho de evitar que o Linux fique estagnado em um só mercado, para facilitar sua expansão.

Diário – Como esses afazeres alteraram o seu dia-a-dia?
Tosatti – Para falar a verdade, não alteraram muita coisa. Acho que a principal mudança é que passei a trabalhar em áreas mais separadas. Antigamente, meu foco era apenas o desenvolvimento de uma parte do programa. De qualquer forma, continuo o mesmo tempo em frente ao PC, sete ou oito horas por dia, às vezes mais.

Diário – Como é o seu contato com Linus Torvalds e Alan Cox?
Tosatti – É um contato normal, como se trocasse e-mails com outro profissional da mesma empresa. É verdade que comecei a falar com Torvalds depois de incomodá-lo bastante. Mandei uma série de correções do kernel, algumas que ele aprovou. Nosso contato foi sempre técnico.

Diário – O que se pode esperar de novidades da versão 2.4 do Linux?
Tosatti – Pouca coisa. Talvez na parte de drivers.

Diário – Quais são as principais dificuldades que você encontra na hora de aperfeiçoar o sistema?
Tosatti – A principal dificuldade é lidar com o ego dos desenvolvedores. Às vezes, alguém propõe uma correção, rejeitada por outro da mesma área. Tenho de tomar a decisão com o objetivo de beneficiar o sistema, mas sempre há quem se sinta mais ou menos prestigiado, o que costuma gerar problemas.

Diário – Qual é o panorama geral da expansão do Linux atualmente no mundo?
Tosatti – Eu não conheço números, mas sei que o sistema está crescendo e não há nada em vista que atrapalhe sua ascenção. Tudo ocorre da forma que prevemos. O mercado está mais receptivo, principalmente o de servidores.

Diário – E no Brasil?
Tosatti – Por aqui, o crescimento do Linux é ainda mais viável. Isso porque nossa economia é desfavorável, o que fortalece o crescimento de softwares gratuitos.

Diário – Em qual segmento há mais espaço para o crescimento do Linux – o doméstico ou o corporativo?
Tosatti – Pessoalmente, acredito que o corporativo, porque no mercado doméstico o Linux enfrenta a barreira de não ser tão simples de ser operado como é o Windows. É no corporativo que ele ganha força, devido à necessidade do segmento por maior estabilidade. Esse fator, aliás, é mais importante do que o próprio fato de o OS ser gratuito.

Diário – Por que não são criadas soluções para que o Linux se torne mais acessível ao mercado doméstico?
Tosatti – Porque a característica do Linux é ser flexível, permitir que o usuário visualize tudo o que ele pode fazer. Isso o torna mais técnico, mais difícil de ser operado. Não há empecilhos, porém, para que ele seja utilizado em desktops.

Diário – O que deve ser feito para que o Linux aumente sua popularidade?
Tosatti – Acho que ele precisa ficar mais estável, adaptável a novas situações. Isso significa também que ele se torne mais fácil de ser manejado.

Diário – Você já trabalhou com softwares proprietários e abertos. O que tem a dizer sobre a briga entre eles?
Tosatti – Vejo o software livre como uma evolução. O usuário não se apega a nada e pode utilizá-lo como bem entender. No Brasil, por exemplo, seria interessante que o projeto de instalação do Linux nas escolas fosse aprovado. Assim, o país teria maior controle sobre sua estrutura de informática.

Diário – Você vê alguma vantagem nos softwares de código fechado?
Tosatti – Sinceramente, não. Talvez o fato de que são mais fáceis para quem inicia na informática. Mas isso não é bem uma vantagem.

Diário – O que você sabe sobre a próxima versão do kernel do Linux, a 2.5?
Tosatti – Posso dizer que ele será bem mais rápido. Poderá ser usado por servidores realmente grandes, já que mudanças serão realizadas para que o kernel escale mais. Mas serão bem menores do que as ocorridas entre o 2.2 e o 2.4.

Diário – Há quem diga que a Microsoft um dia poderá abrir o código do Windows. Você acredita nisso?
Tosatti – Não acredito, mas se isso ocorresse seria ótimo para o mercado. Talvez fosse trabalhar na Microsoft.




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