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Cineastas fazem proposta para Cimeira
Do Diário do Grande ABC
27/06/1999 | 16:05
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Com a experiência de quem participa há mais de 30 anos de encontros para discutir a produçao e distribuiçao de filmes no Brasil e na América Latina, o produtor Luiz Carlos Barreto destacou a novidade do documento final do seminário Impasses do Cinema, realizado na sexta-feira e no sábado no Rio. "Pela primeira vez nao estamos estendendo o pires para pedir caridade, mas estamos falando de comercializaçao, exigindo igualdade de condiçoes para os nossos produtos."

O seminário reuniu durante dois dias cerca de 50 produtores e diretores do Brasil, da América Latina e da Europa. Alguns dos principais convidados nao puderam vir: Robert Redford Wim Wenders, Costa-Gavras. O próprio Gillo Pontecorvo, diretor de clássicos políticos como "A Batalha de Argel" e "Queimada" e, durante anos, delegado-geral do Festival de Cannes, nao pôde vir ao Brasil, embora tivesse confirmado sua participaçao.

Mas Pontecorvo fez-se representar pelo produtor italiano Sandro Silvestri e terminou assinando o documento redigido ao fim de dois dias de negociaçoes. Nao apenas ele: também ausentes do evento, diretores como Costa-Gavras, Marco Bellocchio e Ettore Scola mantiveram-se em contato permanente com o que ocorria no Rio e também sao signatários da carta de quatro pontos que será encaminhada, segunda-feira ou na terça-feira aos 49 chefes de Estado e de Governo reunidos no Rio.

Foi esse o objetivo que levou a Secretaria do Audiovisual a organizar o encontro, às vésperas da Cimeira, a reuniao de cúpula entre líderes da América Latina, do Caribe e da Comunidade Européia. A idéia era justamente tirar um documento para ser encaminhado aos chefes de Estado e de Governo com as reivindicaçoes de produtores e diretores para o incremento da produçao cinematográfica e audiovisual nos países da Europa e da América Latina. Nao por acaso, o seminário, originalmente chamado de Impasses do Cinema Latino-Americano e Europeu, intitulou-se a si mesmo 1.º Seminário de Cineastas Euro-Latino-Americanos do Rio de Janeiro. Nele foi organizado também o 1.º Foro de Cineastas Euro-Latino-Americanos do Rio de Janeiro.

A uniao européia e latina em torno das mesmas bandeiras têm razao de ser. Europa e América Latina padecem dos mesmos problemas em relaçao ao cinema. Sao continentes ocupados pela produçao americana. No Brasil, conforme os números que circularam no evento, a produçao nacional participa com apenas 2 a 3% do mercado. Na Europa, o número nao é muito melhor: 5%. Discutiram-se alternativas para melhorar esses números. "Nao queremos restringir o produto cinematográfico dos Estados Unidos", disse o produtor Luiz Carlos Barreto, que se declarou admirador da produçao americana. "O que queremos é igualdade de condiçoes, porque o mercado nao pode resolver sozinho as distorçoes estabelecidas durante décadas."

Promessas - Inaugurado pelo secretário da Cultura, Francisco Weffort, e pelo secretário do Audiovisual, José Alvaro Moisés, o seminário teve na mesa uma participaçao ilustre: a do representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Leo Harari. A (boa) novidade é que o BID está disposto a investir na produçao cinematográfica dos países da América Latina e do Caribe. Harari foi muito aplaudido ao dizer que nao há desenvolvimento econômico "sem desenvolvimento cultural."

Sao promessas, por enquanto. Na coletiva de encerramento do seminário, Harari fugiu o quanto pôde ao comprometimento numérico. Nao disse e nem sequer insinuou quanto o BID poderá aplicar no cinema da América Latina e do Caribe. Mas disse que, de posse do documento a ser encaminhado aos líderes da Cimeira, será possível iniciar um protocolo de intençoes e discussoes. "Esse documento é um mandato que vocês nos dao para podermos começar a discutir a concretizaçao de projetos", disse Harari. Foi um documento redigido com prudência, em termos diplomáticos. "Nao adianta formular uma declaraçao de guerra; com uma linguagem agressiva nao vamos conseguir nada", havia advertido Harari na sexta-feira.

Ele reconhece que as chances de aprovaçao das linhas de crédito para o cinema sao grandes. Os países representados na Cimeira sao sócios majoritários do banco, com cerca de 51% das açoes. Mas há dificuldades: os Estados Unidos, identificados como o grande inimigo das cinematografias nacionais e regionais, por sua ostensiva ocupaçao do mercado mundial, contribuem sozinhos com 30% do capital do BID. Nao se deve ter ilusoes quanto ao envolvimento americano numa operaçao que, se for bem sucedida, terá como conseqüência justamente uma diminuiçao dos seus mercados.

Nao faltaram discursos emocionados nem acusaçoes ao grande inimigo. Fernando Solanas, que o ministro Weffort definiu como um dos grandes produçao cultural na América Latina, lembrando principalmente o impacto produzido por seu filme "La Hora de los Hornos", comparou a situaçao do cinema latino-americano a uma casa tomada, em que os donos terminam tendo de colocar a cama no banheiro porque os melhores cômodos já foram ocupados. Miguel Litttin, diretor de outro dos mais belos filmes políticos latino-americanos, "El Chacal de Nahueltoro", disse que nao devemos ter medo das palavras e definiu a política americana para o seu cinema como "imperialista". Luiz Carlos Barreto prosseguiu na mesma linha e acusou os americanos de praticar dumping no cinema.

Barreto citou uma entrevista recente de Jack Valenti para Variety, a bíblia do show business americano. Analisando a confortável posiçao dominante da produçao americana nos mercados mundiais (um domínio de cerca de 90%), Valenti formulou o objetivo de Hollywood para 2010 - 100%. Nao é brincadeira. Valenti foi durante décadas o representante dos interesses da indústria americana de cinema no Brasil. É o atual homem forte da MPA, a Motion Pictures Association dos Estados Unidos, entidade com força política, que define as estratégias da indústria do cinema americano nos mercados interno e externo.

Barreto começou a sexta-feira propondo a criaçao de uma MPA latino-americana, para lutar politicamente pelos direitos do cinema no continente. Foi dissuadido por alguns colegas, que acharam que a criaçao de tal entidade enfraqueceria outras como a Fipca, Federaçao Ibero-Americana de Produçao Cinematográfica e Audiovisual.

Secretário da Fipca, Gerardo Herrero, que também é presidente da Federaçao das Associaçoes de Produtores Audiovisuais Espanhóis, a Fapae, defendeu que o possível aporte do BID seja direcionado para o Intermedia, fundo formado por nove países - Espanha, México, Portugal, Argentina, Brasil, Venezuela, Cuba, Uruguai e Chile. Entusiasmado com os rumos do Canal Brasil, destinado a divulgar a produçao cinematográfica e audiovisual no país, Barreto propôs que seja criado um canal da América Latina. "A produçao cinematográfica e audiovisual do continente movimenta mais de US$ 14 bilhoes", disse ele, acrescentando que, deste total, os produtores cinematográficos e audiovisuais latinos ficam com pouco mais de US$ 1 bilhao. "Quem fica com os outros US$ 13 bilhoes?", perguntou Barreto. Todos sabiam a resposta no seminário do Hotel Glória.




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