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Abstinência rima com penitência
Por Rodolfo de Souza
13/02/2020 | 00:01
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Pregam por aí a abstinência sexual. A população por certo que não vê com bons olhos tal campanha que, a princípio, foi levada aos jovens, depois se estendeu às demais faixas etárias, excetuando, claro, aquela que já a exercitava bem antes da coisa se transformar em polêmica.

O poder, a quem se deve os louros pela concepção de tal ideia, usou como argumento a depravação que paira no seio desta sociedade ímpia e fadada a purificar seu espírito no quinto dos infernos. A mesma que ainda não aprendeu que fazer sexo é pecado e que só é permitido se for para procriar. Que fique bem claro! Aliás, é bom se prevenir no Carnaval, época de culto à alegria e à safadeza, e que ora já se percebe concentrado no início da avenida. Por isso, todo o cuidado é pouco para não se render à tentação, lembrando sempre que sexo seguro é aquele não praticado. Assim pregam os algozes do prazer, para quem o sorriso é gesto ofensivo e pecaminoso.

Abstinência sexual é, pois, a palavra de ordem nesse momento conturbado da história do velho sertão Tupinambá. Considerando ainda que o povo deve abster-se também de trabalhar, de comer, de aprender, de enxergar, de pensar, de opinar, de viver...

A justificativa primeira para a indecorosa proposta de renúncia ao bem querer normalmente noturno se prendeu à gravidez precoce e ao combate ferrenho ao ato de se fundir dois corpos e duas almas para desfrutarem de um dos mais sublimes atos da vida. Tudo com a alegação de que a coisa não fora inventada também para a farra. 

Quanto às demais abstinências, estas vêm como consequência da desigualdade social severa e desumana que assola o povo desta imensa e rica nação, e que naturalmente já o faz brochar. Talvez nem fosse necessário campanha do tipo para uma gente anestesiada que desconhece, inclusive, a importância ou mesmo a existência de outras possibilidades de escolha. Não sabe que há um mundo a ser conquistado, e que lhe é negado descobrir.

Desconfio até de que a ideia de privar a população de intimidade maior partiu de mente atormentada com algum tipo de trauma que resultou em recalque, e que tenta agora impor aos demais o mesmo destino de amargura. Claro que é preciso convencer o povo de que evitar o contato sexual é necessário para o crescimento da economia, geração de empregos e bem-estar social, assim como todas as medidas são sempre planejadas e executadas para tais finalidades.

Mas todo esse povo já se abstém de morar dignamente, de vestir, de comprar, de ir e vir, de expressar, de produzir, cultivar e apreciar a arte... Por que agora deve se abster do segredo de quatro paredes?

Bom mesmo é nem discutir. O jeito é tocar a vida e abster-se de lembrar que tal proposta fora colocada em pauta para discussão. Mesmo porque, o poder não teria como dispor de fiscais que visitassem os domicílios na calada da noite, só para bisbilhotar a vida de quem teve a ousadia de desobedecer às suas recomendações, debaixo dos lençóis.




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